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O projeto, fundado em março de 2020, em Portugal, para promover o intercâmbio empresarial entre mulheres empreendedoras e profissionais autônomas que falam português, já está presente em quatro continentes.
Larissa Werneck, correspondente da RFI no México
Criado pela brasileira Rijarda Aristóteles, que mora em Portugal desde 2014, o Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa começou reunindo executivas e estudantes universitárias que falam português em encontros presenciais, em Lisboa, para aumentar suas possibilidades de venda de produtos e serviços para promover a liberdade financeira, principalmente entre as estrangeiras que moravam no país. No entanto, com a pandemia da Covid-19, assim como a vida de todas as mulheres, o clube também ganhou um novo significado.
“Unir mulheres empresárias, empreendedoras e profissionais liberais em torno de uma rede de network que pudesse conectar mulheres de várias partes do mundo unidas pela língua portuguesa. E por que a língua portuguesa? Porque além de ser uma das línguas mais lindas de todos os tempos e além dela ser a quarta, quinta, mas falada no mundo, ela traz possibilidades de criatividade e inovação ao Brasil.”, explica a fundadora Rijarda Aristóteles.
No mesmo ano, Rijarda deixou a carreira acadêmica para realizar o seu propósito.
“Resolvi investir e focar em algo que começou a fazer muito sentido, que foi exatamente criar uma plataforma de network com foco em resultados positivos, ou seja, o nosso negócio é um dos primeiros aqui em Portugal que tem na sua constituição ser um negócio de impacto social positivo. Então eu criei essa plataforma, comecei a conversar com algumas amigas, porque a gente tem que lançar mão de amigas no primeiro momento, e aí tive a minha primeira embaixadora no Brasil e a segunda aqui em Portugal. E aí nós começamos a construir esse movimento.”, diz ela.
Após três anos de fundação, os resultados são muito positivos. Atualmente, são duzentas e quarenta embaixadoras, presentes em doze países, além de mais de quatrocentas empreendedoras que passaram pelo Programa Empreender Feminino, que promove formação teórica e prática, de maneira virtual, em aulas ao vivo e acesso a conteúdos gravados. Além disso, com o fim da pandemia, os ambientes de negócio e de capacitação proporcionados pelo clube já voltaram a ser, também, presenciais. Este ano, mais de 500 mulheres, de diferentes nacionalidades que falam português, se reuniram durante dois dias na cidade de Fortaleza, no Ceará, durante a segunda edição do Conecte-se, um evento de capacitação e networking que contou também com uma feira de produtos e serviços.
Nesta semana, o Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa ganhou mais um núcleo na América Latina: o México. A primeira reunião foi realizada na última quinta-feira, na Cidade do México. Segundo a embaixadora do grupo no país, Lilia Lustosa, um dos objetivos do núcleo mexicano é ampliar a presença do clube em outras cidades para que as empresárias possam, além de gerar negócios dentro México, expandir para outros continentes.
“Não precisa ser brasileira, nem portuguesa, nem moçambicana, mas precisa falar português, pode ser mexicana falando português, pode ser de qualquer nacionalidade. Então se você quer fazer negócio com Portugal, você não precisa ir para Portugal abrir uma empresa, você vai arrumar um colaborador, uma parceira, você vai fazer um contrato com ela ou um acordo que seja. Mas você não precisa estar lá e você vai conseguir vender seu produto em Portugal ou onde quer que seja, porque o clube já está em doze países, então de cara já são doze países onde você pode fazer negócio, além do México”, explica Lilia.
O Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa permite a participação de todas as mulheres que tenham negócios juridicamente constituídos ou em vias de constituição.
Maria Teresa Dória, que trabalha há 25 anos como estrategista de expansão de mulheres empreendedoras, participou do primeiro encontro do clube no México. Ela mora no país há um ano e meio e pretende se unir a essa rede internacional, principalmente devido à conexão que o idioma pode gerar.
“Já existem em outros segmentos trabalhando com mulheres, mas realmente ficou claro para mim que o objetivo desse clube é diferente. Ele mostra mulheres com o interesse em um momento da vida de mais de quarenta anos que eu acho interessante. Então você já tem um núcleo de mulheres especificamente numa outra fase da vida que, além da vontade de trabalhar e de empreender e de prosperarem nos próprios negócios, tem essa aproximação imediata. E, além disso, a forma delas estarem unidas pela mesma língua tem uma parte cultural fundamental que muitas vezes a gente não percebe e desconhece, mas que nos une imediatamente.”, diz Tereza.
Atualmente, existem 24 unidades do Instituto Guimarães Rosa no exterior, sendo 13 na América Latina e no Caribe, seis na África, três na Europa e duas no Oriente Médio. A nova unidade faz parte de um projeto do Itamaraty de unificação dos centros culturais do Brasil, que tem o objetivo de integrar a política cultural brasileira, estimular o intercâmbio e ampliar a difusão da língua portuguesa na sua variante brasileira.
Larissa Werneck, correspondente da RFI na Cidade do México
João Guimarães Rosa foi médico, escritor e diplomata. Reconhecido como um dos principais nomes da literatura brasileira por sua narrativa e linguagem inovadoras, é autor de grandes obras como "Grande Sertão: Veredas".
O escritor, que neste ano completaria 115 anos de nascimento, foi o escolhido pelo Itamaraty, em 2021, para dar nome ao então Departamento de Cultura, em Brasília. A partir dessa mudança, todos os centros culturais que o Itamaraty têm ao redor do mundo passaram a se chamar Instituto Guimarães Rosa.
Gustavo Raposo, chefe do setor educacional da Embaixada do Brasil no México, explica que a mudança consolida o entendimento que o Itamaraty tem sobre a importância da língua portuguesa para a integração latino-americana.
“Essa unificação ocorre em torno de Guimarães Rosa que, além de escritor, teve um papel importantíssimo na Segunda Guerra Mundial, quando atuava no Consulado em Hamburgo, salvando muitas vidas. Então, é a partir desse personagem tão rico que queremos unificar nossa proposta de estimular o conhecimento da língua portuguesa. De Brasília são enviadas as diretrizes para essa rede de institutos, e aqui no México a gente parte de uma experiência bem-sucedida de outros países para, justamente, dar mais força para a promoção da cultura brasileira no exterior, principalmente o idioma”, diz Gustavo.
Além de aulas de português na sede, que fica no bairro de Polanco, na Cidade do México, o Instituto Guimarães Rosa realiza exames de proficiência da língua portuguesa, além de projetos para estimular o conhecimento sobre o idioma.
“Nós temos oito cátedras em universidades mexicanas e estamos trabalhando para criar uma rede e ampliar o número de cátedras. Dessa maneira, crescem as sinergias e a colaboração. A ideia é criar uma plataforma onde as pessoas possam ter acesso à programação dessas cátedras e que elas possam também contar com a coordenação da Embaixada. Também vamos retomar o BraMex, um programa de intercâmbio para alunos de graduação. A gente acredita firmemente nos laços humanos, além do laço acadêmico, que se cria com o intercâmbio. E essa é uma parte muito importante da relação bilateral”, acrescenta o chefe do setor educacional.
Promoção cultural
Além de impulsionar o ensino da língua portuguesa e de ser um centro de estudos do idioma, o Instituto Guimarães Rosa tem o objetivo de promover a cultura nacional. A partir de agora, todas as atividades apoiadas pelas embaixadas brasileiras levarão o selo do Instituto. De acordo com Rodrigo Almeida, conselheiro e chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil no México, ambos países passam por um momento importante de retomada de vínculos e de projetos bilaterais em diferentes áreas.
Em abril, o então Secretário de Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, e o Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, se encontraram na Reunião da Comissão Binacional México-Brasil, na Cidade do México. A partir desse encontro foi produzido um comunicado conjunto sobre projetos que devem ser realizados em parceria.
“Mais de um terço desse documento diz respeito a atividades culturais, o que dá uma dimensão da importância que esse setor tem para os dois países. A principal novidade é a criação do Ano Dual, que significa que será um ano do Brasil no México e, ao mesmo tempo, um ano do México no Brasil, em função dos 190 anos de estabelecimento de relações diplomáticas", explica.
"As comemorações já começam nesse segundo semestre e vão até o ano 2024. É um momento de muita satisfação para ambos os povos porque a gente tem muita coisa em comum, mas a gente precisa também se conhecer mais e, por isso, teremos também atividades mexicanas no Brasil, para o público brasileiro conhecer mais sobre a cultura do México também”, explica o diplomata.
Semana do Cinema Brasileiro
Entre as atividades culturais programadas para este ano está a Semana de Cinema Brasileiro, que estreia no dia 18 de julho na Cineteca Nacional do México. Está prevista, também, uma exposição fotográfica de artistas brasileiros na avenida Paseo de la Reforma, uma das principais da capital mexicana. Além disso, segundo Rodrigo, será lançada uma coleção de livros exclusiva de escritores brasileiros.
“A coleção vai se chamar Vitória Régia e está sendo feita em aliança com a Editora Elefante, uma editora mexicana importante. Vamos estar também na Feira Internacional do Livro de Guadalajara, um dos maiores eventos literários do mundo, com a participação de autores jovens como Jeferson Tenório, Itamar Vieira Júnior e Amara Moira. Neste ano, teremos ainda a banda Cores de Aidé, formada por dez mulheres que tocam ritmos afro-brasileiros, no Festival Cervantino, em Guanajuato, que é um dos principais festivais de música da América Latina”, diz Rodrigo Almeida.
Outro evento será a mostra especial em homenagem a Di Cavalcanti, um dos principais nomes do modernismo brasileiro. De acordo com o chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil, o objetivo é mostrar o lado muralista do pintor, pouco conhecido pelo público.
“Ele foi muito influenciado pelo muralismo mexicano, que é um movimento que está completando 100 anos, assim como a Semana de Arte Moderna no Brasil. Então, foi uma feliz coincidência de datas e a gente vai organizar essa mostra no Colegio de San Ildelfonso, uma das instituições emblemáticas do muralismo", explica.
"Ainda em 2023, vamos participar do Mextropoli, o maior evento de arquitetura do México, com a exposição Muros de Ar, que já foi exibida em Veneza e que já foi exposta em outras unidades do Instituto Guimarães Rosa. Essa é, por exemplo, uma oportunidade de o público mexicano testemunhar uma parte da cultura brasileira que talvez não seja tão conhecida”, finaliza.
Todas as atividades do Instituto Guimarães Rosa do México estão disponíveis nas redes sociais.
Se um brasileiro chega a Madri, seja para passar uma longa temporada ou para viver por tempo indefinido, é bem provável que, cedo ou tarde, ele comece a sentir falta de coisas que só tinha no Brasil. Pensando nesse público que carrega a saudade de casa, a associação sem fins lucrativos Mulheres do Brasil – Núcleo Madrid lançou o guia “Páginas Verde e Amarelas”, em parceria com o Consulado-Geral do Brasil.
Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI em Madri
O catálogo tem o intuito de fortalecer a rede de brasileiros que vendem produtos ou ofertam serviços na capital espanhola. Por isso, é possível encontrar na lista os contatos de empreendedores de diversas áreas, desde fornecedores de doces e salgados brasileiros até autores de obras de arte, revendedores de acessórios, ligerie e óleos essenciais. Estão incluídos serviços, como tratamentos de saúde ou estética, consultoria jurídica, atividades domésticas e música ao vivo, entre outras ofertas.
“É um grande apoio, principalmente para esses núcleos que estão fora do Brasil”, diz Andréa Canone, uma das líderes do núcleo madrilenho do grupo Mulheres do Brasil. “No nosso país, a gente já sabe mais ou menos onde tem que comprar isso, onde tem que comprar aquilo. Quando você chega num país novo, fica super perdido no começo. Você não vai comprar o polvilho em qualquer lugar ou, sei lá, o feijão, que você gosta, é diferente aqui”, explica Andréa.
Na apresentação do “Páginas Verde e Amarelas”, agora disponível na internet, já está o aviso: brasileiros que estiverem interessados em anunciar produtos ou serviços no catálogo podem fazê-lo de forma gratuita. Basta se inscrever. A ideia é que cada vez mais pessoas possam ter uma boa experiência.
No final de 2021, Larissa Alff abriu, em Madri, uma empresa de marketing com outra brasileira, Elisa Portugal. Estar em contato com membros da associação Mulheres do Brasil fez toda a diferença naquele momento.
“Quando a gente abriu a empresa, as meninas do grupo Mulheres do Brasil e do “Páginas Verde e Amarelas” já começaram a perguntar sobre o nosso trabalho. O que eu acho legal desse grupo é que quando alguém precisa de alguma coisa vai primeiro procurar ali”, conta Larissa.
A empreendedora diz que, antes mesmo de criar o nome da sua empresa, já surgiu uma demanda por parte da rede brasileira. “Porque uma quer apoiar a outra, a gente quer se valorizar. Então, se a gente precisa de um pão de queijo ou de um bolo de aniversário, a gente vai no “Páginas Verde e Amarelas”, vê no grupo quem é que tem aquele serviço ou produto, para só depois procurar fora”, disse Larissa à RFI.
O projeto do catálago nasceu de um grupo criado no WhatsApp pelo núcleo de Madri da associação Mulheres do Brasil, que já reunia tanto empreendedores brasileiros que vivem em solo madrilenho quanto aqueles que sentem falta dos produtos da terrinha e queriam saber de quem comprar. Com o tempo, os laços vêm sendo fortalecidos e novos contatos profissionais são feitos dia a dia.
Segundo Andréa Canone, quando a ideia de conectar empreendedores brasileiros surgiu, as voluntárias do Mulheres do Brasil começaram a telefonar para possíveis interessados incentivando a participação no projeto. Rapidamente, formou-se uma lista de 100 pessoas. A partir de então, as organizadoras decidiram esquematizar os contatos e criar o guia. Quando a notícia chegou às redes sociais, o plano se consolidou por completo. “Depois do lançamento a gente teve muita procura”, comenta Andréa.
Antes de criar o catálogo “Páginas Verde e Amarelas”, o núcleo de Madri do grupo Mulheres do Brasil lançou a cartilha “Dignidade, proteção e apoio à mulher brasileira na Espanha”, com informações sobre violência de gênero, guarda e tutela de menores e serviços de apoio.
A publicação é, na verdade, a reedição de um texto que estava disponível no Consulado Brasileiro em Madri, como explica a advogada e colíder do comitê de direito da mulher, Thaís de Camargo Rodrigues. O documento requeria uma atualização que foi realizada pelas brasileiras. "A gente atualizou toda a lista dos órgãos de suporte de Madri e também alguma coisa de Barcelona. Colocamos as diferenças dos dois Consulados, quem atende a que parte da Espanha. A gente queria que a mulher que lesse o texto soubesse onde buscar ajuda”, diz Thaís.
O núcleo madrilenho do grupo Mulheres do Brasil foi fundado em 2019 e, desde então, vem expandindo suas atividades. Um segundo núcleo atua em Barcelona. As participantes se dividem em comitês que abrangem as áreas de cultura, educação, direito da mulher, empreendedorismo, carreiras e comunicação. Elas promovem encontros para fortalecer as redes profissionais, sessões de leitura de histórias para crianças, grupos de conversação para quem está aprendendo o espanhol e orientação jurídica. O projeto original, hoje presente em vários países, foi lançado pela empresária Luiza Trajano.
A cantora brasileira Patrícia Bastos participa da 50ª edição do Festival Cervantino, em Guanajuato, no México. O evento, que reúne nomes nacionais e internacionais da música, do teatro, da dança, das artes plásticas e da literatura, vem se consolidando como um dos mais importantes da América Latina e do mundo. No show do próximo dia 28 de outubro, a cantora apresentará ao público mexicano canções que reúnem ritmos, cantos populares e histórias da região amazônica.
Larissa Werneck, correspondente da RFI no México
Nascida no Amapá, Patrícia Bastos começou a cantar profissionalmente aos 18 anos. Desde o início da carreira, sua música é marcada pela união de ritmos afrodescendentes, como o batuque e o som do marabaixo, uma das principais manifestações culturais e folclóricas do norte do Brasil. E é com essa mistura musical popular que a cantora pretende encantar o público mexicano.
“Essa é minha primeira apresentação no México e eu estou muito ansiosa para participar do Festival Cervantino, já que é uma grande oportunidade de mostrar a cultura de um lugar tão distante para os mexicanos que é o Amapá, na Amazônia. Eu espero subir no palco e dar o recado com os nossos tambores e marabás, com a nossa música da Linha do Equador, que é tão alegre”, diz Patrícia.
Repertório dos shows inclui o zouk, ritmo popular nas fronteiras do norte brasileiro
Para atrair ainda mais o público latino, Patrícia Bastos incluiu o zouk no repertório dos shows que realizará no México. Além da apresentação no Festival Cervantino, ela fará apresentações em Puebla e na Cidade do México, onde contará com a participação especial da cantora cubano-mexicana Leiden.
“Esse intercâmbio de culturas é muito importante. Apesar de só conhecer a Leiden à distância, eu sou muito fã do trabalho dela. Trocamos muitas mensagens até escolhermos as músicas da nossa apresentação. E a música mexicana é muito contagiante também, repleta de histórias bonitas e interessantes, assim como a nossa música. Eu acho que nosso encontro nos palcos será muito bonito”, completa a cantora amapaense.
Brasil tem histórico de participações no Festival de Guanajuato
A 50ª edição do Festival de Guanajuato vai até o dia 30 de outubro. Ao longo dos últimos anos, a participação brasileira tem sido marcante, como explica Gustavo Raposo, chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil no México, que está apoiando a vinda da cantora.
“Para a gente, é muito importante participar do Festival Cervantino pela sua história e pela sua importância para a cultura. Trouxemos artistas de diferentes vertentes musicais, como Chico César, que participou de maneira virtual em 2021. Tivemos também a Dona Onete, do Pará, em 2019, e Yamandú Costa, em 2018. São atrações muito diversas musicalmente, e dessa maneira mostramos que o Brasil tem muito a oferecer. E este ano, nós estamos muito felizes com a vinda da Patrícia Bastos, e a apresentação dela nos enche de alegria”, afirma Gustavo.
Indicação ao Grammy Latino em 2017
A mescla de ritmos amazonenses rendeu a Patrícia várias premiações. Além disso, ela foi indicada ao 18º Grammy Latino, em 2017, na categoria Melhor Álbum de Raízes Brasileiras com Batom Bacaba, uma produção realizada em parceria com Dante Ozzetti e Du Moreira.
“Conseguir chegar a uma premiação desse porte é muito importante para anunciar o que se faz e ao que se propõe a música da Amazônia produzida no Amapá. Ser indicada nessa categoria é um prêmio de reconhecimento do que venho fazendo ao longo dos anos, uma música identitária ancorada na tradição, com arranjos contemporâneos, que ajuda a escrever a identidade cultural do meu país. Isso me enche de alegria e reforça o papel da arte e do artista.”, celebra a cantora.
Mais vulneráveis às doenças das cidades e morando em regiões de difícil acesso, a saúde dos indígenas da Amazônia é muito frágil. No parque indígena do Xingu, o maior território protegido do Brasil, vivem 16 povos diferentes. Nos últimos anos, eles também sofrem dos efeitos do desmatamento e das mudanças climáticas.
Sarah Cozzolino, correspondente da RFI no Brasil.
Camila é atendida sobre uma cama ginecológica improvisada na aldeia indígena Waura. Ela sente uma dor na barriga há dois anos, desde que ela toma um remédio para não menstruar, pois ela é um dos médicos tradicionais da aldeia. "A gente tem cigarro para curar a pessoa que está doente", explica Camila. "O espírito fala qual é a dor que ele está sentindo, qual espírito que tá fazendo mal a ele", completa.
Camila é um dos 6 pajés da sua aldeia, no parque indígena do Xingu, no Mato Grosso. Para os indígenas, existem vários tipos de médicos tradicionais : os pajés, como Camila, que se comunicam com os espíritos, e os raizeiros, especialistas em chás a base de ervas e raízes.
Durante a pandemia de Covid-19, esses médicos tradicionais foram muito solicitados, como explica Caio Machado, presidente e co-fundador da ONG Doutores da Amazônia : "eles começaram a usar a medicina tradicional deles, como um chá que eles tomam. Uma coisa que chamou muito a nossa atenção é que naquela região há cerca de 10.000 indígenas e eles tomaram esse chá. E desses 10.000 indígenas, morreram 2 indígenas. Até os não indígenas estavam começando a tomar esse chá. Isso quer dizer o que? Que a medicina tradicional é muito forte!", avalia.
Apesar das recomendações de isolamento social para lutar contra a propagação da covid-19, os indígenas conservaram a sua forma de vida em coletividade. "Quando a Covid-19 chegou, veio a medida de fora, dizendo para separar… Mas não teve jeito", lembra Tapi Yawalapiti. "Não tem como a gente quebrar nossa organização social, de ficar longe da família… Então foi muito difícil para a gente adaptar uma regra que veio lá da cidade, dentro da aldeia". O cacique Yawalapiti é filho do antigo cacique Aritana, grande líder da luta indígena do Xingu, que morreu em 2020, vítima da pandemia.
Nessas regiões isoladas, o acesso aos atendimentos especializados pode ser muito complicado e os hospitais ficam fora do território indígena, a várias horas de carro. Por isso, a ação anual da ONG "Doutores da Amazônia" é muito necessária : os indígenas conseguem ter acesso a dentistas, ginecologistas e oftalmologistas, entre outros. "Sofremos muito preconceito e discriminação racial na cidade, então às vezes a gente não é bem-vindo nos hospitais, lamenta o cacique. A gente é esquecido, abandonado no hospital. Então, aqui, todo mundo tá muito feliz, os médicos atendendo… e as pessoas voltando para suas aldeias muito felizes. Então isso é muito importante. E uma vantagem em comparação com o atendimento da cidade", diz o cacique.
Tapi Yawalapiti observa com apreensão a grama queimada de sol, no pólo Leonardo Villas-Bôas, onde acontecem os atendimentos da ONG. É a época das queimadas, e o cacique está cada vez mais preocupado com a mudança climática na Amazônia. "Nós que moramos na floresta, sabemos cuidar da floresta, sabemos cuidar do rio, sem poluir, acredita Tapi. Mas a gente esta notando que o tempo mudou. Então hoje, se você tacar fogo aqui, vai embora, perde controle. Na década de 1990, não tinha isso. Então hoje a gente tem que ter muito controle de queimada, muito", afirma.
O desmatamento é visível nas fronteiras do parque. Na estrada, da capital de Goiânia até a entrada do Xingu, é necessário atravessar hectares e hectares de plantações de milho e soja. "Tem onze municípios em volta do nosso território", explica Iakari Kuikuro. "Estão derrubando muitas árvores, mato, para plantar soja, arroz, e muito mais… Eu estou muito preocupado com o futuro", diz. Ao pensar na situação, Iakari Kuikuro não consegue reter as lágrimas. "Daqui para frente, como que a gente vai reagir contra esse crescimento dos municípios em volta do nosso território?", pergunta o indígena. "Hoje em dia, a gente está recebendo muita pressão. Esse nosso território ficou como se fosse uma ilha de floresta… Por isso que estamos lutando para fazer cerca", acrescenta.
Segundo uma pesquisa do instituto Imazon, entre agosto de 2021 e julho de 2022, o desmatamento na Amazônia foi o maior dos últimos 15 anos, com 10.781 km quadrados devastados, o equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo. "Com esse governo atual, nosso território é ameaçado", reclama Tapi Yawalapiti. "Toda a terra da população indígena do Brasil está ameaçada. Então, nossa luta é isso : enfrentar o projeto de lei que o governo sempre vem lançando contra os direitos indígenas. Então isso deixa a gente preocupado. E a gente comunica entre nós, dizendo que no momento, a gente tem que se unir, para gente poder defender o nosso direito", finaliza.
Apesar de ser considerado um dos territórios mais protegidos do Brasil, em 2021 foram reportados no Xingu 305 casos de invasão e exploração ilegal de terras. Um aumento de 180% em comparação com 2018, quando Jair Bolsonaro ainda não era presidente.
“Buenos días, Panamá!” É da varanda com vista para a Cidade do Panamá que todos os dias a goiana Viviane Naves saúda seus seguidores de uma rede social. Deste ponto privilegiado da capital panamenha ela usa o humor para se conectar com o país onde chegou em 2020, em plena pandemia da Covid-19. Também é de lá que agora ela acompanha as manifestações que, nas últimas semanas, vêm agitando este país da América Central.
Por Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas
A insatisfação que tomou conta das ruas de diversas regiões e da capital panamenha começou a ser sentida logo após o fim do confinamento e foi motivada principalmente pelo alto custo de vida. “Após esse período de euforia por recuperar a vida normal do cotidiano, começou essa sensação de que tudo estava caro, da falta de alimentos nos supermercados pela dificuldade de chegar [a mercadoria aos estabelecimentos]. Havia uma sensação de dificuldade de trabalho, das pessoas conseguirem dinheiro”, ela lembra.
Neste país onde o Produto Interno Bruto (PIB) per capta é de US$ 14,5 mil, de acordo com o Banco Mundial, o desemprego chega a 10% e a informalidade gira em torno de 50%, informa a Contraladoria Geral do Panamá. E com a economia dolarizada, o custo de vida é bastante alto. “A comida aqui é muito cara. O custo de vida no Panamá é bem caro. Isso me assustou muito no início. Desde o início eu sentia essa preocupação [por parte do povo].”
O recente fenômeno da inflação no Panamá fez com que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) chegasse a 5,2% em junho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. A taxa pode ser moderada se comparada com a de outros países, mas vem pesando no bolso das famílias. A alta mais significativa foi a de 40% no preço da gasolina durante o primeiro semestre de 2022.
“O que eu vejo que deixa mais cara a condição de vida é a comida e os remédios. Então veio a guerra na Ucrânia e o preço da gasolina aumentou muito por aqui, de uma hora para outra. Isso foi muito forte”, destaca Viviane.
Indígenas
Por causa da distância entre as zonas agrícolas e as cidades de médio e grande portes, o preço do combustível, que não é produzido no Panamá, gerou um efeito dominó. “Tudo ficou mais caro ainda porque muitos alimentos vêm de caminhão da região de Chiriqui (a cerca de 420 km da Cidade do Panamá), onde há produção de café e de muitos tipos de produtos. Tudo ficou mais caro e isso também pesou muito para os produtores.”
Uma das principais forças desses protestos sãos os indígenas, muitos deles detentores de terras em determinadas áreas do Panamá. Ao lado dos produtores de alimentos, eles têm sido a principal pedra no sapato do governo de Laurentino Cortizo.
Por causa da pressão social, o presidente, que chegou ao poder em julho de 2019, decidiu congelar em US$ 3,25 (cerca de R$ 16) o preço do galão da gasolina, que antes chegou a custar US$ 5. Junto com o anúncio feito nesta terça-feira (26) estão subsídios a outros produtos, como o arroz e o atum.
Os sindicatos e outras associações não ficaram satisfeitos com as medidas. Eles também pedem a redução do preço dos alimentos, energia, remédios, e o aumento do orçamento da Educação, além do combate à corrupção, o que continua motivando os protestos. As perdas estimadas por causa das manifestações e paralisações das últimas semanas superam a quantia de US$ 500 milhões.
“Da [minha] varanda dá para ver os protestos. Eu vi o caminho que eles [os manifestantes] estavam fazendo e desci para me juntar ao protesto. Foi quando eu encontrei o humorista Kenny Dancer, que faz muito sucesso aqui com a personagem ‘La Ministra’”, conta a ex-fisioterapeuta que agora trabalha como tradutora e produtora de conteúdo.
“São pessoas que estavam com muita raiva principalmente pela corrupção que existe dentro do Panamá, dos partidos políticos. Nos protestos as pessoas reclamavam muito dos subsídios que os políticos têm até para bebidas alcoólicas. Eles recebem garrafas de rum! Esse tema foi muito forte dentro dos protestos”, ela explica.
Corrupção
Além de ser um paraíso fiscal, o Panamá também carrega outra fama: a de ser um dos países mais corruptos do mundo. Em 2016, a investigação jornalística intitulada de Panama Papers denunciou um gigantesco esquema de corrupção articulado pelo escritório de advocacia Mossack Fonseca, então sediado na capital panamenha, junto a governos, autoridades e empresas de todo o mundo.
Apesar das medidas e do início dos diálogos do governo com os grupos de opisição, ainda há manifestações no país. “Os protestos ainda continuam, mas não tem mais bloqueios de estradas. Houve um acordo com o governo na última mesa de diálogo. Alguns itens básicos, 72 de uma lista proposta ao governo, ainda não foram aprovados. Então eles ainda estão brigando, mas as principais vias não estão mais fechadas. Já está chegando mercadoria na Cidade do Panamá e nas províncias também”.
Viviane, que já morou no Peru e em Cuba, além de desejar “Buenos días, Panamá”, também faz votos de um futuro melhor ao país que a acolheu: “O Panamá é um país lindo, rico e que merece dar uma melhor qualidade de vida a toda sua população. Eu espero que esses protestos, que esse anseio da população e dos meus amigos que querem um país melhor, consigam [resultados]”.
Brasileiras que vivem no México realizam trabalhos voluntários para diferentes organizações. Além de apoiarem causas importantes, elas contam que a atividade ajuda na familiarização com a vida fora do Brasil.
Larissa Werneck, correspondente da RFI no México
Em uma busca rápida na internet por programas de voluntariado no exterior, é possível encontrar uma grande quantidade de projetos e organizações que realizam trabalhos voluntários em diferentes regiões do mundo, que oferecem às pessoas a possibilidade de contribuir para ações que vão desde o desenvolvimento de comunidades desfavorecidas até programas de proteção ao meio ambiente. As vantagens são muitas, tanto para os beneficiários dos projetos, quanto para os voluntários.
Além do sentimento de ajudar quem necessita e de colaborar para a transformação social, ser voluntário fora do Brasil traz muitos benefícios, entre eles, a possibilidade de conhecer novas culturas e novos costumes, o aprendizado de um idioma e a criação de novas relações sociais, sejam elas profissionais ou pessoais. No caso de famílias expatriadas ou em transição, as vantagens vão além: o voluntariado pode ser um grande aliado no processo de adaptação à vida em um novo país.
Foi o que aconteceu com a Karla Machado, mineira de Belo Horizonte que mora no México há treze anos. “Quando a gente chega no México, como expatriada, a gente tem muito tempo ocioso, né? E, logo que eu cheguei, eu fui apresentada um grupo de brasileiras que já faziam um trabalho voluntário na Abrame, que significa Amigas Brasil-México. Esse grupo realizava encontros para arrecadar dinheiro, produtos de limpeza e alimentos para abrigos que necessitavam de assistência. Além de fazer voluntariado, esses encontros são uma forma para a gente se enturmar e de receber dicas sobre o novo país, como informações sobre médicos e serviços, por exemplo”, afirma.
Os anos foram passando, e Karla começou a se envolver ainda mais nos projetos, assumindo novas funções a cada ano. Hoje, ela é coordenadora da Abrame, organização que atualmente direciona o trabalho para dois abrigos: um para pessoas idosas e outro para crianças e jovens em situação de pobreza que foram afastados das famílias por questões de violência e abuso.
“A Casa Hogar San Francisco, que fica em Toluca, no Estado do México, era um lugar muito precário, sem armários nem camas para as crianças dormirem. Além disso, elas não tinham como levar merenda para a escola. Com o trabalho das nossas voluntárias, conseguimos fazer reformas na casa e organizar doações de alimentos, que são realizadas mensalmente. Eu fico muito feliz porque algumas das crianças que nós conhecemos aos 8 anos de idade já estão na universidade”, conta Karla.
Já o trabalho no Asilo Emanuel, localizado em Coacalco, também no Estado de México, começou há dez anos. Atualmente, vinte homens e mulheres vivem no lugar, que necessita de reformas urgentes. “Sempre ajudamos com doações de dinheiro, alimentos e produtos de higiene. Agora, vamos apoiar na reforma do asilo. Uma brasileira que é arquiteta está fazendo o projeto sem custo e nós vamos levantar os recursos para as obras”, diz a coordenadora da Abrame.
Famílias brasileiras apoiam fundação para crianças com câncer
Outra organização que recebe o apoio de famílias voluntárias brasileiras no México é a Fundación Mark, criada há 16 anos pela mexicana Sonia Zuani. A fundação leva o nome do seu filho, diagnosticado com leucemia, aos seis anos de idade.
“Inicialmente o tratamento do Mark foi em um hospital público do México e, infelizmente, eles não cuidavam da parte emocional das crianças internadas. Eles não permitiam que elas levassem jogos e não havia espaços lúdicos de atividades direcionadas para elas. A fundação foi um sonho do meu filho, que quis criar um lugar para que crianças,como ele, pudessem brincar e se divertir. Ela foi constituída no mesmo dia em que ele faleceu. Esse foi o seu legado”, diz Sonia.
Atualmente a Fundación Mark possui sete brinquedotecas em hospitais públicos que tratam de crianças e adolescentes com câncer. Quatro deles estão na Cidade do México. Os outros estão em Toluca, no Estado do México, em Villahermosa, capital do estado de Tabasco, e La Paz, que fica no estado de Baja Califórnia Sul. Nesses espaços, além das crianças poderem brincar com os jogos e brinquedos, são oferecidas atividades físicas, pedagógicas e cursos de bem-estar emocional para as famílias e profissionais de saúde.
“Temos o apoio de muitas empresas, mas o voluntariado para a nossa fundação é indispensável. Nesse sentido, eu posso dizer que metade da nossa bandeira é brasileira, porque as famílias brasileiras nos apoiam muito, não apenas com doações de brinquedos, roupas e alimentos, mas na organização de eventos e, principalmente, na mobilização para novos voluntários”, afirma a presidente e fundadora da Fundación Mark.
As paulistanas Ellen Negrão e Desyrre Beber estão entre essas famílias. Ambas vivem no México há cerca de dez anos.
“Eu conheci a Fundación Mark através da minha cunhada, que é mexicana. E na festa de seis anos da minha filha nós doamos todos os presentes que ela ganhou para as brinquedotecas. Foi assim que eu comecei a me envolver. Hoje, graças ao voluntariado, eu tenho contato com realidades que eu não tinha no Brasil, e ajudo a uma causa importante. Além disso, quando eu cheguei, ajudou a ocupar meu tempo e a criar amigos e oportunidades”, salienta Desyrre.
Ellen foi uma das convidadas da festa. Hoje ela é uma das principais mobilizadoras do grupo formado por cerca de 40 brasileiras que apoiam a fundação, com doações de brinquedos no Natal, realização de festas, quermesses e venda de produtos. Em maio deste ano, por exemplo, a Fundación Mark recebeu a doação de milhares de cápsulas de café expresso. Em apenas um dia, as brasileiras venderam cerca de cinco mil.
“Eu sempre trabalhei como voluntária, desde a minha adolescência no Brasil. E quando eu cheguei ao México eu conheci a fundação e me encantei pelo trabalho da Sonia. Fiz curso nos hospitais para trabalhar nas brinquedotecas e me orgulho muito do que já fizemos. Mobilizamos muitas famílias e empresários brasileiros para a causa. Infelizmente com a pandemia os eventos foram suspensos, mas este ano, voltaremos com uma grande festa para os adolescentes. Pra mim, o mais importante, também, é poder passar essa mensagem para os meus filhos”, diz Ellen.
Voluntariado para o mercado de trabalho
Além de ajudar na adaptação das pessoas que vivem fora do Brasil e de ter uma função social importante, o trabalho voluntário é um caminho, também, para brasileiros que buscam recolocação profissional no exterior. Segundo Carolina Porto, que trabalha como consultora e voluntária da ONG Families in Global Transition, que oferece apoio às famílias em transição, o voluntariado é um primeiro passo para a criação da sua rede de relacionamento profissional.
“A principal ferramenta para alguém que está mudando de um país para outro é criar uma rede de relacionamentos para se adaptar melhor. E se você tem o objetivo de buscar um trabalho, uma posição de voluntariado pode te ajudar bastante nisso porque, provavelmente, você vai conhecer pessoas com interesses em comum aos seus. Ou, também, pode ser a oportunidade de você aprender alguma coisa nova. Você estará fazendo o bem para o próximo e para você mesmo”, explica ela.
Além disso, segundo Carolina, é preciso, primeiro, entender a cultura de voluntariado do país onde você vai viver. “O voluntariado é visto de maneira diferente em cada país. Na Holanda, por exemplo, quase 80% da população realiza algum tipo de trabalho voluntário e isso é muito bem visto pelas empresas. As vagas de voluntariado, inclusive, são anunciadas nas mesmas plataformas usadas para o trabalho remunerado. Já no México, onde eu morei, eu não tive essa perceção. Mesmo que eu estivesse trabalhando para uma organização internacional, se eu não tinha salário, muitos não consideravam trabalho”, conclui a consultora brasileira.
Com a série de eventos "Antropofagia Revisitada", o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba) presta homenagem ao centenário da chamada Semana de 22, que marcou o começo do modernismo brasileiro. O movimento influenciou a arte em toda a América Latina, passando pela Bossa Nova, pelo Tropicalismo e até o Rock Brasil, que completa 40 anos.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Até a próxima semana, o Malba mantém uma visita guiada pelas 15 peças modernistas de artistas brasileiros que fazem parte da coleção do local, que conta com obras de Tarsila do Amaral, Lígia Clark, Di Cavalcanti, Portinari, Hélio Oiticica, entre outros.
Em sintonia com o centenário da emblemática Semana de 22, o museu argentino e a Embaixada do Brasil em Buenos Aires organizaram uma série de atividades, presenciais e virtuais, com artistas e acadêmicos, brasileiros e argentinos, sob o conceito de "Antropofagia Revisitada" que incluiu mesas redondas e apresentações.
Macunaíma, de Mário de Andrade, ganhou uma nova tradução em espanhol. Os debates puseram a lupa sobre as temáticas em voga na época, Mulheres, Negros e Índios no modernismo brasileiro. Se Tarsila do Amaral propunha "devorar" a arte europeia com o seu quadro do "homem que come gente", o Malba inaugurou o Café Tarsila, onde uma parte do Abaporu foi transformado em biscoito e pode ser devorado.
Influência brasileira
Por alguns instantes, o Malba desta semana de 2022 remetia ao Theatro Municipal de São Paulo, palco daquela semana de 1922. Aquele Brasil de cem anos atrás também completava o seu primeiro centenário de independência e requeria identidade própria. O modernismo brasileiro propunha devorar a arte europeia não para copiá-la nem para se submeter a ela, mas para transformá-la em brasileira, com elementos próprios daquela nova nação.
Ao longo das décadas seguintes, o modernismo contribuiria para uma identidade de vanguarda através pintura, da escultura, da poesia, da arquitetura, da literatura e da música.
Diego Murphy, responsável pelo passeio através das obras brasileiras, explica que a Semana de 22 catalisou o que acontecia de forma generalizada pela América Latina, tornando o movimento brasileiro a referência que influenciaria a arte em toda a região.
"No começo do século 20, os países da região discutiam qual era a sua identidade. Vários olhavam para a Europa, mas alguns começaram a olhar para dentro de si. Enquanto no resto da América Latina as discussões aconteciam de forma individual, caótica e pouco clara, no Brasil, aconteceram de forma muita clara e contundente. E isso começa a se irradiar do Brasil a toda a América Latina", explica Diego Murphy à RFI.
Naqueles anos 1920, dois movimentos ecoavam pela América Latina: a "Antropofagia brasileira" e o "Muralismo mexicano" que tinha uma conotação mais política, após a Revolução Mexicana.
"O Muralismo mexicano é muito forte e se irradia pela América Central, mas também nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, havia muita resistência a esse movimento tão político. A Antropofagia brasileira, em contraposição à Europa, tem muita influência na região, mas, sobretudo, na América do Sul, especialmente no Chile e na Argentina. Não chega a surgir um movimento, mas surgiram individualidades que geraram frutos interessantíssimos na arte", compara Murphy.
A curadora chefe do Malba, Maria Amalia García, conta que os vanguardistas argentinos se espelhavam nos brasileiros.
"Durante os anos 1920, tudo o que aconteceu na Semana de 22 do Brasil teve impacto na Argentina. Os modernistas argentinos observavam com atenção o que acontecia no Brasil. Os intelectuais e os artistas argentinos tiveram um vínculo fluído com o Brasil e com todas essas publicações e núcleos vinculados também com a vanguarda local", aponta Maria Amalia García à RFI.
Abaporu em Buenos Aires
O ponto de ebulição da Semana de 22 aconteceu em 1928, quando Tarsila do Amaral pintou um quadro como presente de aniversário ao marido, o poeta e escritor Oswald de Andrade, um dos líderes do movimento modernista.
A imagem de um gigante sem boca que devora através da reflexão, com pés e mãos grandes sobre a terra e com as cores da bandeira brasileira em composição, foi a melhora tradução do conceito antropofágico que devorou a arte europeia para transformá-la em brasileira. Nascia assim o "Abaporu" (homem que come gente, em tupi-guarani) e inaugurava-se o canibalismo tropical. O ícone do modernismo brasileiro repousa há 21 anos no Malba.
O casal Dorival Neto e Átina Rocha, os dois de Marcionílio Souza, interior da Bahia, estudantes de Medicina em Buenos Aires, tiveram o primeiro contato com o Abaporu neste centenário da Semana de 22.
"Como alguém que veio do interior é a primeira vez que tenho contato pessoal com essas obras. E é irônico que seja em outro país. Muitas dessas obras com as quais eu só tive contato através de imagens nos livros ou em estudos para o vestibular, pude ver agora em Buenos Aires. Foi uma experiência muito boa", ressalta Dorival à RFI.
"Apesar de não estar em casa, o Abaporu está num lugar que se tornou o seu lar. Está bem contemplado, como deve ser. Fico com uma certa inveja por esta obra não estar no Brasil, mas, ao mesmo tempo, fico orgulhosa porque está bem cuidada. Está num lugar que abraçou a nossa cultura e que fez dela também um pouco sua. Aqui você se sente em casa e isso é muito legal", reflete Átina, após a visita guiada.
A visita pelas obras brasileiras chega ao final dos anos 1960, quando o canibalismo cultural já não é mais com a Europa, mas com os Estados Unidos, consequência do pós-Segunda Guerra Mundial. Nesta época, aparecem o concretismo e a Pop Art.
Identidade brasileira na música
Outra diferença que permitiu o modernismo brasileiro se tornar referência foi a conjugação de diversas disciplinas artísticas num mesmo movimento. Pintores, escultores, poetas, escritores, arquitetos e músicos giraram em torno de um conceito.
"Essa conjunção é muito importante. O Brasil tem essa grande vantagem: uma comunhão entre artistas interdisciplinares. Nos outros países, isso não acontece", observa Diego Murphy.
"Há outra característica brasileira, diferente do resto da América Latina: a música. É central para a identidade brasileira", indica.
O conceito antropofágico de devorar influências de fora para transformar numa arte brasileira incluiu a Bossa Nova, o Tropicalismo e até mesmo o Rock Brasil.
A Bossa Nova era o samba moderno sob influência do jazz. Tom Jobim exaltava a influência nas suas composições de Heitor Villa-Lobos, integrante da Semana de 22. O Tropicalismo, sob influência do rock e do concretismo pós-moderno, também influenciou o rock brasileiro.
Foi há exatamente 40 anos que uma música jovem irrompeu com elementos do modernismo e do pós-modernismo. A Pop Art aparecia nas capas dos discos e nos figurinos. A estética abusava das cores vivas, de identidade tropical. As letras contavam com diálogos teatrais de estilo jocoso e com um jogo de palavras sob influência do concretismo.
Nascia no Circo Voador, no verão carioca de 1982, a Blitz, o primeiro grupo que abriria as portas das gravadoras para a explosão do denominado Rock Brasil durante os anos 1980.
"O Brasil tem essa grande diferença: gente agrupada com um objetivo em comum. Nada de individualidades perdidas, mas um movimento forte numa direção. Essa é justamente uma característica da vanguarda", conclui Diego Murphy.
Aos 8 anos de idade, Cinthya Coutinho foi pela primeira vez a um parque aquático. Aquele momento despertou na brasileira o sonho de trabalhar com golfinhos, baleias orcas e outros cetáceos. Ela chegou a estudar veterinária, mas decidiu que biologia marinha seria o melhor caminho para chegar à meta. Também percebeu que precisaria morar fora do Brasil para trabalhar com o que sempre quis. Ainda na faculdade, ela foi preparando o terreno, fazendo contatos para consolidar a almejada carreira.
Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela
Cinthya conta que o começo da carreira foi bem difícil. "Quando cheguei nos Estados Unidos, fiz um trabalho voluntário no zoológico e depois entrei como estagiária no aquário. Vida de estagiário não é fácil. E aqui não é diferente", recorda. O estágio da brasileira incluía lavar, limpar, preparar os peixes para alimentação e monitorar os golfinhos. Mas ela conseguiu uma vaga e ficou satisfeita. No início, foi treinadora aprendiz até conquistar, etapa por etapa, o posto de treinadora sênior.
É no Miami Seaquarium, um dos parques aquáticos mais visitados da Flórida, que Cinthya trabalha. Ela vive seu sonho de infância, mas reconhece que o cotidiano como treinadora é exigente e a dedicação, praticamente integral.
“O que ninguém sabe é que a gente tem que estar no parque 24 horas por dia quando nasce um bebê. A gente não tem feriado, nem sábado e domingo, Natal ou Ano-Novo. A gente tem que trabalhar!", destaca. Mesmo tendo uma filha, Cinthya conta que há dias em que precisa trabalhar até a madrugada. "Tem vezes que eu trabalho 16 horas por dia, e as pessoas que estão do lado de fora não sabem disso. As pessoas só veem que a gente vai para o trabalho e que brincamos com os golfinhos.”
A rotina no parque começa bem cedinho, com o preparo da comida dos animais e com a limpeza dos tanques e piscinas. Além, claro, dos treinos e ensaios diários para que profissionais e bichos façam bonito na hora do show. Pela regra, é preciso que sempre um treinador esteja de plantão no parque. Para este profissional, não há sábado, domingo ou feriados.
A vida agitada é amenizada pelo contato diário com os animais. A brasileira cuida e treina golfinhos-nariz-de-garrafa, focas, leões marinhos e também uma baleia. O aquário onde Cinthya trabalha também abriga tubarões, tartarugas marinhas, aves, répteis e peixes-boi.
Para a brasileira, é um prazer interagir com os bichos. “A maior alegria que eu tenho é ver a carinha de cada um dos animais, passar o dia com eles, ver o reconhecimento deles e a relação que você cria, o convívio do dia a dia", avalia. "Você ensinar algo para eles, treinar algo que ajude na saúde deles... A relação com os animais é a melhor parte do trabalho”, declara.
Em 2010, uma experiente treinadora morreu após ser atacada pela orca Tilikum, no parque SeaWorld.
Batizada com o nome da famosa personagem do escritor Vladimir Nabokov (1899-1977), Lolita é a mais antiga orca cativa do mundo e atualmente a única do parque onde Cinthya trabalha. O show deste animal de quase seis metros de comprimento e de mais de três toneladas de peso é a atração mais esperada do aquário.
Mesmo lidando diariamente com um superpredador, como é o caso de Lolita, Cinthya garante não ter medo.
“No meu aquário nunca aconteceu nenhum acidente. Claro, trabalhando com animal é tudo sempre imprevisível. Os treinadores conhecem os animais muito bem. Mas, como eu digo, qualquer bicho tem boca pode morder. Isso faz parte do trabalho”, resume.
A treinadora explica que nesta carreira o prazer pela interação com os bichos é o que prevalece.
“A gente começa ganhando mal nessa profissão. É um trabalho que não se faz pelo dinheiro. É por amor! Para os outros departamentos e para os CEOs dos parques, eles não são tão focados nos animais. Para eles é um negócio. Mas para quem está ali todos os dias, e cuidando dos animais, é por amor”, enfatiza.
Parece complexo ensinar animais aquáticos a interagirem com humanos, mas a treinadora garante que a tarefa é fácil.
“Treinar golfinhos é o mesmo que treinar qualquer animal. Hoje em dia não se trabalha mais com punição e sim com reforço positivo. A gente só chama a atenção para aquilo que se quer e ignoramos o que é feito e a gente não quer. Se o golfinho fizer alguma coisa que vai chegar ao ponto do que quero, eu soo meu apito e ele ganha um peixinho. Tudo o que ele fizer e você não gostar, é ignorado.”
Após anos de estudos e prática, Cinthya chegou à categoria sênior dos demais treinadores. O tempo também a ajudou a consolidar uma relação de cumplicidade com os animais.
“A gente se comunica por sinais e por gestos. Cada coisa que a gente treina tem um gesto diferente. Mas dependendo da relação que se tem com o animal, dá para se comunicar pelo olhar, toques, brincadeiras... Às vezes eu olho para o meu golfinho e ele já sabe o que eu quero. É bem mágico trabalhar com eles”, diz encantada.
Embora os cetáceos e mamíferos do parque sejam animais com longa expectativa de vida, para Cinthya o mais difícil da profissão é quando um dos bichos morre.
“Estou trabalhando de novo com os golfinhos. Eu já trabalhei com foca, com leão marinho e é muito complicado quando a gente perde um animal, você perde um dos seus, essa é a parte mais complicada da profissão”, pontua.
Além das centenas de pessoas que visitam diariamente o parque, ativistas de direitos dos animais costumam protestar nas imediações do local pedindo a libertação dos residentes do Miami Seaquarium.
Lolita, a orca e principal atração, foi protagonista de um documentário no qual ativistas pedem que ela seja reintroduzida na natureza. Eles afirmam que ela recebe treinamentos cruéis.
Mesmo com tantos cuidados e a intensa dedicação aos animais, Cinthya vez ou outra recebe críticas, as quais rebate.
“As pessoas julgam muito essa profissão dizendo que os animais não deveriam estar sob cuidados de humanos e que o bicho não deveria morar em uma piscina. Eu até entendo. Não deveriam tirar um bicho da natureza para colocar em parque para entreter humanos. Mas esses animais são todos nascidos lá (no aquário). Eu digo: eles não saberiam viver na natureza. A interação humana é o que eles sabem. Eles buscam a atenção humana. São totalmente diferentes dos animais que estão na natureza. As coisas na natureza também não estão nada bem. Acho que tendo esses animais para o público ajuda na preservação, afinal as pessoas só cuidam do que conhecem. Conhecer esses animais é fundamental para proteger a natureza.”
No dia 12 de setembro passado, cerca de 1.400 golfinhos-de-cara-branca foram mortos nas Ilhas Faroe, território autônomo do Reino da Dinamarca, sob a alegação das autoridades locais que a matança fazia parte da tradição local. A ação foi duramente criticada por defensores dos animais, que denunciaram a forma como o cruel abate foi orquestrado.
Na opinião da brasileira, a matança de centenas desses animais, que estão “sob ameaça”, demonstra que nem na natureza os bichos estão a salvo.
“Eu recebo muitas críticas com o que trabalho. Mas ninguém olha para a realidade do mundo. Eles (os críticos) não têm ideia de quão bem tratados são nos nossos animais”, conclui.
Em 1821, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves foi o primeiro a reconhecer a Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina, e também do Chile. O reconhecimento internacional era um aval fundamental para que os novos países pudessem consolidar o processo de libertação. Porém, mais do que Portugal, o projeto de reconhecimento dos novos vizinhos era um interesse do Reino do Brasil.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
O crucial reconhecimento das independências da Argentina e do Chile está completando 200 anos, tendo os dois vizinhos o mesmo patrocinador desse passo que abriu o caminho para a legitimação internacional do processo: o então Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Mas, dos três reinos, foi o do Brasil o grande interessado e impulsor da decisão.
"O reconhecimento da Independência por parte do Reino de Portugal e do Brasil abriu um caminho importante para outros reconhecimentos posteriores. Foi o primeiro passo", indica à RFI o historiador Roberto Azaretto, apontando o exemplo seguido pelos Estados Unidos em 1822 e pela Grã-Bretanha em 1825.
Posteriormente, será a Argentina a primeira a também reconhecer a Independência do Reino do Brasil e a formação do novo Império.
"O passo que o Reino de Portugal e do Brasil deram foi importante para a consolidação do processo de Independência porque foi o primeiro de um reino importante com influência no Rio da Prata e na Europa. Teve um efeito político forte", acrescenta à RFI o historiador Guillermo Cao.
Os dois novos países tinham declarado as suas Independências anos antes num frágil processo que requeria de legitimação internacional para evitar uma reconquista por parte da Espanha.
No caso do Chile, a Espanha chegou mesmo a reconquistar o território por um breve período. Já as Províncias Unidas do Rio da Prata ou Províncias Unidas do Sul, a situação não era menos frágil. Em 1820, disputas de poder entre as províncias no Rio da Prata tinham levado a região a uma guerra civil. O Governo de Buenos Aires tinha a representação das Relações Exteriores, mas disputava o poder com as demais províncias.
O reconhecimento, portanto, teve um efeito internacional, mas também interno, ajudando a consolidar o poder de Buenos Aires. O nome Argentina surgiria, como alternativa, seis anos depois, mas só se consolidaria 50 anos depois.
Presença no Brasil permitia proximidade
O Brasil tinha sido elevado à categoria de Reino em 1815. Possuía bandeira e armas próprias. O Rio de Janeiro era a capital do Império, de onde o Rei D. João VI percebia que os movimentos de Independência na vizinhança eram irreversíveis.
A Revolução Liberal do Porto, em 1820, exigia a volta do Rei a Portugal e o estabelecimento de uma monarquia constitucional. Antes de partir, D. João VI preparou o terreno para os interesses do Brasil na região.
"A Casa de Bragança no Rio de Janeiro percebeu a importância do processo que acontecia no Rio da Prata. Era uma Corte europeia, mas, ao estar no Rio de Janeiro, tinha uma percepção mais próxima do que acontecia no continente. O Reino Unido de Portugal e Brasil viu que o processo de Independência era irreversível e que precisava inserir o Brasil na América, vincular-se com os países que estavam surgindo. Precisavam que o Brasil, já incorporado ao Reino, se vinculasse com essa nova geografia política que surgia", explica Roberto Azaretto.
No dia 26 de abril de 1821, o Rei D. João VI retornou a Portugal, depois de 13 anos no Brasil. Dez dias antes, o então ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, escreveu uma carta, por parte do Rei, na qual reconhecia a Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata.
Na carta, Pinheiro Ferreira anuncia que "Sua Majestade Fidelíssima não hesitará em reconhecer a independência dos Estados vizinhos ao Reino do Brasil que forem estabelecidos, instalados e obedecidos pelos seus respectivos povos".
"O Rei sempre quis manter relações estreitas com os povos vizinhos ao Reino do Brasil", escreveu o ministro português, destacando que "as Províncias de Buenos Aires ocupavam, incontestavelmente, o primeiro lugar".
A carta foi entregue no Rio de Janeiro ao então designado cônsul agente mercantil em Buenos Aires, o comerciante português João Manuel de Figueiredo. No dia 28 de julho de 1821, Figueiredo apresentou-se em Buenos Aires ao então ministro de Governo e Relações Exteriores, Bernardino Rivadavia, que, em 1826, seria o primeiro presidente constitucional das Províncias Unidas do Rio da Prata.
A carta de "Reconhecimento da Independência por parte de Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal D. João VI" causou comoção naquela Buenos Aires de 50 mil pessoas, das quais 8,5% eram portugueses, muitos vindos do Reino do Brasil.
Duas semanas depois, no dia 11 de agosto de 1821, Figueiredo também entregaria o reconhecimento ao representante diplomático do Chile.
Projeto brasileiro
Para o historiador argentino, Guillermo Cao, embora essa seja uma história administrada pela Corte portuguesa, o reconhecimento da Independência era um projeto brasileiro.
A província Cisplatina, atual Uruguai, tinha sido ocupada pelas tropas luso-brasileiras entre 1817 e 1820. Com a partida de D. João VI a Portugal, o conflito precisava ser resolvido pelo Reino do Brasil.
"Os Reinos de Portugal e do Brasil unidos foram os primeiros a reconhecerem a Independência da atual Argentina, mas o interesse foi mais pelo lado do Reino do Brasil do que pelo lado do Reino de Portugal. Esse reconhecimento é mais um projeto brasileiro devido a sua necessidade de expansão territorial, especialmente sobre o atual Uruguai", aponta Guillermo Cao.
"O reconhecimento da Independência da Argentina obedece a uma pressão da elite brasileira ao redor de Pedro que queria consolidar um domínio sobre o estuário do Rio da Prata e era preciso resolver esse conflito", sublinha.
Influência na Independência do Brasil
Para o historiador Roberto Azaretto, esses reconhecimentos das Independências de Argentina e Chile terão influência um ano depois na Independência do próprio Brasil.
Até então, como reino independente e única monarquia no continente americano, o processo brasileiro era diferente do vivido pela América hispânica. Porém, em 1822, quando D. João VI quis recuar o Reino do Brasil ao anterior status de colônia, os exemplos de Independência na região ajudaram a elite brasileira a articular um movimento com Pedro, quem, no dia 12 de outubro de 1822, tornou-se D. Pedro I, o Imperador do Brasil
Foi a aclamação de D. Pedro I como imperador -e não "o grito da Independência" de 7 de setembro- a ruptura formal com Portugal.
"Sem dúvida, os brasileiros que estavam no Reino do Brasil foram influenciados por esses processos de Independência na atual Argentina e no Chile. Era mais um elemento que provava ser possível declarar a Independência. Além do mais, os brasileiros já tinham consciência do que representavam: um imenso território com riquezas", compara Roberto Azaretto.
O histórico mandato de João Manuel de Figueiredo
Ainda naqueles dias de 200 anos atrás, João Manuel de Figueiredo, quem veio do Rio de Janeiro para ser cônsul em Buenos Aires, faleceu repentinamente no dia 21 de agosto de 1821, apenas dez dias depois de formalizar o reconhecimento à Independência do Chile. O seu mandato como cônsul, portanto, durou apenas três semanas.
No dia 29 de julho, dia seguinte ao reconhecimento da Independência da Argentina, Figueiredo participou do funeral do General Manuel Belgrano, autor da bandeira argentina e quem, em conjunto com o general San Martín, é o máximo herói da Independência de 1816.
No dia 12 de agosto, participou na inauguração da Universidade de Buenos Aires. Nove dias depois, morreu de forma repentina na sua casa, a 300 metros do convento de Santo Domingo, onde permanece sepultado, justamente ao lado do general Manuel Belgrano.
"É incrível o que ele fez a partir de 28 de julho de 1821, após a sua apresentação formal de credenciais. Em apenas três semanas, passou à história e, com isso, à imortalidade", ressalta o historiador Guillermo Cao.
Retribuição argentina
Outra prova de que o reconhecimento das Independências dos novos países era mais um projeto brasileiro do que português é a continuação desta história.
Em maio de 1822, quem assumiu o cargo vago pelo óbito de João Manuel de Figueiredo foi Antonio Manuel Correa da Câmara, enviado do Rio de Janeiro para representar o Reino do Brasil em Buenos Aires -já não o Reino de Portugal. As credenciais foram apresentadas ao mesmo ministro das Relações Exteriores, Bernardino Rivadavia, em 1º de agosto de 1822.
No ano seguinte, em junho de 1823, será o ministro Rivadavia quem vai oficializar o reconhecimento das Províncias Unidas do Rio da Prata à Independência do Brasil, mas essa será uma história a ser contada dentro de dois anos, no bicentenário do primeiro reconhecimento internacional ao Império do Brasil.
A Bolívia está entre os dez maiores produtores mundiais de soja. Mas também ainda é um país carente de recursos, onde parte da população não tem acesso à alimentação adequada. Inspiradas em fazer a diferença, as empresárias brasileiras Flavia Cabral e Karina Cabral criaram há mais de 18 anos a Fundação Soya y Vida, radicada no departamento de Santa Cruz, no sudeste boliviano.
Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na América Latina
Com este trabalho social elas apoiam mais de 5.000 pessoas por ano com doações de soja e de produtos derivados da oleaginosa. Marina Cabral, filha de uma das fundadoras e que também ajuda a levar adiante este sonho feito realidade, dá detalhes:
“Esse projeto surgiu quando as pessoas que fizeram a Fundação reconheceram a baixa nutrição das pessoas aqui na Bolívia. Pelo fato de a carne ser uma comida um pouco mais cara e a soja ser um grão com muita produção em território boliviano, principalmente aqui em Santa Cruz, ela é barata e tem bastante proteína”, conta.
“Então, em vez da pessoa comprar a carne, que é cara, ou então ela dar a soja para o porco comer e depois comer a carne do porco, ela pode consumir a soja diretamente e assim melhorar o consumo de proteína. E de uma forma que não é preciso gastar tanto para ter acesso à nutrição um pouco mais barata”, explica.
Programa brasileiro
Foi graças a um programa colocado em prática na década dos anos 1980 pela Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, que as Cabral decidiram fazer a diferença na terra que as recebeu, explica Flávia.
“A gente veio do Brasil e lá tem um trabalho muito interessante da Embrapa em eles se preocupavam em aproveitar os benefícios nutricionais da soja na alimentação. Chegando aqui, em conversa com as amigas, falamos sobre fazer alguma coisa. Começamos aos poucos com essas amigas. Os amigos que acreditavam na gente iam doando e assim íamos fazendo, e tudo foi crescendo.”
Seis anos após o início do projeto, as integrantes da família Cabral perceberam que o programa ganhava maior dimensão, parte delas graças às doações de voluntários. Era preciso ampliar e formalizar a estrutura, conta Flávia.
“Percebemos que para entrar em empresas para que elas fizessem doações - muita gente queria doar-, mas não tínhamos documentação. Então formalizamos a Fundação e fizemos tudo. Hoje em dia a gente recebe doações de multinacionais. O negócio cresceu muito mais do que a gente esperava”, continua.
Na Fundação boa parte dos membros ativos são brasileiros, perfil similar ao dos produtores de soja na Bolívia: muitos chegaram do Brasil, mas há também bolivianos e argentinos.
Entre os maiores produtores mundiais
A terra e o clima tropical do sudeste boliviano favorecem a produção da oleaginosa. No departamento de Santa Cruz estão 90% das plantações de soja do país.
Essa característica posiciona a Bolívia entre os dez maiores produtores mundiais de soja. Na região sul-americana, o país andino ocupa a quarta posição entre os semeadores do grão. A safra anual da soja gira em torno de 2,7 milhões de toneladas. Desse volume, 60% são exportados. A produção da soja gera mais de 110 mil empregos diretos e indiretos, e representa cerca de 6% do Produto Interno Bruto boliviano.
As integrantes da família Cabral estão entre os mais de 14 mil produtores de soja radicados em Santa Cruz.
Com o excedente da colheita a Fundação Soya y Vida, apoiada por outros produtores, faz a diferença nas mesas bolivianas.
“A Soya y Vida atende a mais de 5.000 pessoas, entre orfanato de crianças e adolescentes, hospitais, clubes de mães (que é algo onde mães do mesmo bairro se unem para a ajuda mútua), asilos, centros para pessoas com necessidades especiais... Então são mais de 12 toneladas de alimentos, seja em forma de leite, soja em grão ou em purê, e em 18 municípios diferentes”, enumera Marina, que é filha de Flávia.
O foco da Fundação Soya y Vida é melhorar a qualidade de vida da população carente através do consumo da soja. Para isso, se baseia em quatro pilares, explica Marina:
“A primeiro é a produção do leite de soja e do purê; a outra é a distribuição do purê, do leite e do grão; também ensinamos a usar a soja. O último é fazer o acompanhamento para saber se eles estão gostando e se estão usando (a soja) corretamente”.
Alto valor proteico
A soja tem alto valor proteico. De acordo com o Instituto Boliviano da Soja (IBS), o consumo de 100 gramas satisfaz cerca de 80% das necessitadas diárias de proteína.
De acordo com o Unicef, a desnutrição aguda na Bolívia é inferior a 5% da população, mas este número pode variar motivado pela crise alimentar ocasionada pela pandemia da covid-19.
“Pegamos essa soja, a transformamos no leite de soja e também usamos o resíduo após a extração do leite - que é tipo um purê de soja - e o doamos a pessoas de baixos recursos. Às vezes doamos o grão, às vezes o leite e o purê. Além disso oferecemos aulas de culinária para ensiná-los a introduzir a soja na alimentação diária, já que não é algo que se saiba consumir. Ensinamos a usar a soja para aportar mais proteína (na alimentação) dessas pessoas”, enumera Marina.
De acordo com dados do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - até 2019 cerca de 37,2% da população boliviana vivia na pobreza.
As ações da Fundação Soya y Vida acontecem sobretudo em regiões carentes de Santa Cruz de la Sierra, cidade que é considerada a capital econômica da Bolívia.
“A gente ajuda sem distinção. Nosso objetivo e, doando a soja, melhorar a nutrição das pessoas. Porque, inclusive, a gente sabe que quanto menos instrução a pessoa tem, menos condição de fazer uma alimentação adequada”, cita Flávia.
A Soya y Vida conta com o reforço de peso de outros produtores da região. É graças a doações de toneladas de soja, feitas após a colheita anual de março, e aos aportes feitos em dinheiro que a Fundação leva adiante o plano de alimentação.
Flavia explica que “os doadores depositam ou em soja ou em dinheiro". "A gente precisa que a máquina (de moer a soja) funcione, a gente tem que pagar funcionários, impostos e todo esse tipo de coisas que custa: luz, água e etc. Então alguns pagam em grãos e outros pagam em dinheiro”.
Há pouco tempo a Soya y Vida passou a ser um braço da Associação dos Produtores de Oleaginosas, a Anapo. Por meio dessa parceria a Fundação consegue reduzir custos e armazenar em silos as toneladas de soja doadas.
“Nessa associação, a gente tem a nossa cozinha escola dentro de um dos silos da Anapo. Então quem doa em grãos envia para a associação onde temos a câmara fria para guardar a semente. Para o grão durar um ano, sem bichos, eles (a associação) têm toda essa estrutura de armazenamento para a gente puder fazer as doações”, detalha a fundadora.
Além da proteína, a soja tem alto teor de ferro, cálcio, zinco, potássio e vitamina E, o que demonstra o aporte nutricional do grão na alimentação. Para incentivar o consumo, sabendo que muitos ainda desconhecem o benefício da oleaginosa, Flavia descreve o que motiva as ações da Fundação:
“A nossa preocupação é introduzir a soja na receita da senhorinha que cozinha. Ela vai fazer a sopinha então a gente orienta: põe um pouquinho de soja que você está pondo proteína e melhorando a sua alimentação. Essa era a nossa preocupação. Aliás, sempre foi”.
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