Reportagens de nossos correspondentes em várias partes do mundo sobre fatos políticos, sociais, econômicos, científicos ou culturais, ligados à realidade local ou às relações dos países com o Brasil.
Georgia Rodrigues tem artigos publicados questionando a viabilidade de uma moeda única no Mercosul, escreveu sobre a necessidade de pensar o acordo do bloco com a União Europeia de modo a não comprometer o desenvolvimento justo e sustentável. Ela é doutora em economia com uma passagem pelo Instituto de Estudos Latinoamericanos da Universidade de Columbia, onde começou sua trajetória em Nova York.
Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York
Dos tempos de doutoranda, interrompidos pela pandemia, ela guarda amigos e uma decepção amorosa que se transformou no impulso para seu primeiro mergulho no mundo da literatura. A economista acaba de lançar "Uma carta para meu ex-futuro amor: a letter to my ex-future love", uma coleção de poesias sobre um coração partido em contexto pandêmico.
Sobre a transição dos números para as letras, Georgia explica que "foi uma transição e também não foi". "Desde pequena eu escrevo. Eu aprendi a escrever poesia quando eu tinha 14 anos, na escola de Freda que eu estudava, lá em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. E eu fiquei apaixonada pelos sonetos", conta admirada com a "montagem de 4 em 4" e com "a liberdade de rimar" os versos. "Parece música!"
A pandemia frustrou sua experiência de intercâmbio, já que com a ordem de confinamento ela teve de voltar ao Brasil. Buscando uma conexão com o exterior, Georgia entrou no aplicativo de relacionamentos Coffee Meets Bagel para encontrar alguém com quem conversar sobre Nova York e, assim, conheceu o que chama de seu "Ex-Futuro Amor".
Como muitos solteiros na pandemia, Georgia descobriu que as dificuldades do namoro pós-Covid-19. Segundo o Pew Research Center, o interesse em encontrar um parceiro permaneceu o mesmo após a pandemia, mas a maioria considera a paquera um processo mais difícil. Estudos mostram que aplicativos de namoro podem afetar negativamente a saúde mental, gerando sentimentos de solidão e ansiedade. No caso da economista, a promessa de um amor resultou em um único encontro e uma dolorosa decepção. Mas com o apoio dos amigos e da poesia, ela conseguiu se reerguer e decidiu financiar seu primeiro livro.
Georgia conta que teve que buscar editoras independentes e lidar com feedbacks desanimadores. Uma das razões era seu desconhecimento do mercado. "Eu comecei a pesquisar um monte de editoras e um dos feedbacks que tive é que eu não era uma pessoa famosa, porque eu não tinha histórico de vendas", relata.
Com o incentivo de um fundo cultural, ela cobriu parte dos custos da publicação. "Eu tive que colocar um pouco mais do meu dinheiro, mas não foi muita coisa. O fundo cobriu quase tudo. Neste fundo da cultura, no Rio de Janeiro, na classificação de mulheres e escritoras tinha uma cota para mulheres. Então fui, consegui e fiz."
Publicado pela editora Labrador e apresentado na Festa Literária Internacional de Paraty, o livro chegou também aos primeiros lugares de venda de poesia em português na Amazon França. "A internet nos gerou um mundo com menos barreiras, onde você pode ter maior visibilidade. Eu pensei, nossa, o pessoal realmente gostou", Georgia comenta.
O caminho da economista pela literatura ilustra como a digitalização dos livros possibilitou que escritores iniciantes alcançassem maior visibilidade e pudessem chegar ao seu público-alvo de modo mais eficaz, como explica um relatório sobre o impacto da digitalização no mercado literário feito pela Pontifícia Universidade do Paraná. "Eu acho que se não tivesse esse ambiente virtual, provavelmente as pessoas no exterior não ficariam sabendo do livro", acredita.
As livrarias e editoras especializadas também ampliaram o mercado para novas autoras. Georgia lançou seu livro em Nova York na livraria feminista Cafécon Libros, no Brooklyn. De propriedade de uma mulher afro-latina, a editora se dedica a dar visibilidade a mulheres artistas e minorias.
"Eu pensei, a história foi aqui no Brasil e lá (Nova York). Tem que ter um desfecho lá também. Tem também que florescer aqui em Nova York. É uma história que ressoa universalmente. Mulheres do Brasil, mulheres em Nova York. Todo mundo passa por um relacionamento tóxico. Todo mundo sofreu na pele as consequências da pandemia", diz.
A atriz brasileira Luana Piovani recebeu a RFI para falar do seu mais novo espetáculo "Cantos da Lua", que está em cartaz no Auditório dos Oceanos, em Lisboa, capital de Portugal.
Por Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Portugal
“Desde que vim para Portugal quase seis anos atrás, comecei a ter vontade de voltar ao teatro. Eu acredito em formação de plateia e, depois de observar o mercado, achei que não seria prudente tentar entrar em algum grupo ou fazer um texto clássico. A melhor porta de entrada seria usufruir da curiosidade das pessoas e criar algo diferente do que existe no mercado e sempre levando em consideração que estou fazendo 35 anos de carreira. Foi então que veio esta ideia, no fundo um compilado de desejos”, explica a atriz.
Esta apresentação marca a celebração dos 35 anos da carreira artística da atriz brasileira e traz um formato intimista e inédito, onde Luana compartilha momentos da sua vida e trajetória. No espetáculo, Luana canta músicas ligadas às histórias que conta, criando uma atmosfera que mescla teatro, musical e stand up. O público divide o palco com a atriz em um formato cabaré o que intensifica a sensação de proximidade e interação.
Em “Cantos da Lua”, Luana está “despida”. “O espetáculo é muito dúbio porque entro com uma postura de diva, naquela entrada silenciosa, triunfal e impactante e, ao mesmo tempo, eu estou pelada, estou humana. Eu rio de mim mesma. Enquanto o mundo se aplaude, se põe em um pedestal, se coloca perfeito, eu estou fazendo exatamente o oposto, o caminho inverso, eu vou para a humanização”, revela.
Diferente do que fez até agora, "Cantos da Lua" é uma forma da atriz se conectar com o público de maneira mais pessoal. “Essas minhas histórias que conto já são clássicas, pois tenho 35 anos de carreira, mas pelo menos 40 de vida bem vivida. Algumas meus amigos próximos já conhecem, pois são muito antigas e clássicas e outras fui desenterrando”.
O espetáculo combina canções e relatos da vida da atriz, proporcionando uma experiência envolvente e reflexiva para os espectadores que ainda podem participar na escolha das músicas antes do espetáculo começar via QR code. Segundo a artista, cantar no palco tem sido o maior desafio.
“Eu tenho que ter muita disciplina. Fico muito orgulhosa de mim quando não erro nada e sei que aprendo quando erro alguma coisa”, confessa a artista, que estreou na televisão em 1993.
Durante a apresentação, Luana canta músicas em português e inglês e conversa com a plateia, relembrando momentos marcantes de sua carreira e vida pessoal. As histórias abordadas incluem episódios engraçados e emocionantes, revelando um lado mais íntimo da atriz que o público normalmente não vê.
“Eu não conto as minhas vitórias, eu estou no palco dividindo as minhas derrotas. As histórias que eu conto são engraçadas hoje, mas só eu sei o que senti quando abri o olho e acordei ao lado de uma pessoa que nunca vi na vida, num quarto de hotel”, revela.
O espetáculo conta com a direção de Ando Camargo, que chegou a Lisboa dois meses antes da estreia para os ensaios, contribuindo com sua experiência para a criação de um ambiente autêntico na apresentação.
“É um trabalho de amor, de amizade, mais do que um trabalho profissional. Fiquei muito feliz em fazer parte de todo este processo e de saber que as pessoas conseguiram ver meu trabalho em todas as sutilezas do espetáculo”, comenta Camargo.
Luana e Ando começaram a trabalhar na peça em abril deste ano, quando a atriz esteve no Brasil. “Esse espetáculo passou por um processo enorme de transformação desde quando eu tive a ideia de fazê-lo. Acredito que tudo o que vai saindo é para a melhor. As coisas que aconteceram ao longo do tempo foi para deixar no formato perfeito. É impressionante como o universo conspira a favor quando se esta fazendo corretamente, é a lei da física”, diz Luana.
A artista se conecta de maneira sincera e autêntica com o público. “Eu não quero mostrar o lado da Luana atriz e sim de uma pessoa que é idealizada dentro de um conceito que o mundo criou. Meu objetivo é desmistificar e mostrar que isso tudo é mentira. Isso é um produto que está sendo vendido, não comprem! Todos esses seres humanos que as pessoas idealizam também passam pelas mesmas coisas e, por exemplo, aqui estão algumas das minhas histórias. O espetáculo é sobre isso”, explica a artista.
Para o diretor, a performance da atriz gera muitas emoções.“Isso foi aparecendo durante os ensaios. Fomos percebendo que depois das histórias engraçadas, quando chegava neste lugar da emoção, percebíamos que toda a equipe também se emocionava, isso ainda durante os ensaios”, revela Ando Camargo.
Emoção que, segundo a atriz, ela também vê na expressão do público. “Estar no palco aqui em Portugal vem sendo uma experiência extremamente satisfatória. As pessoas têm muito carinho e respeito por mim. Eu tinha uma vaga ideia da proporção deste carinho, mas agora eu estou sentindo realmente. Eu vejo isso na feição das pessoas. O espetáculo tem capacidade para oitenta pessoas e quando saio tem sempre, pelo menos quarenta me esperando. É muito surpreendente”, conta Piovani.
Depois de quase seis anos morando em Portugal, a atriz se sente realizada com esta peça. “Não consigo pôr em palavras como tem sido a minha experiência até agora. Hoje mesmo olhei para dentro da alma do Ando e disse para ele: 'se fui mais feliz, não me lembro'. Este espetáculo era o que faltava para coroar a grande mudança que fiz na minha vida, sair do meu país, ter atravessado um oceano, trazido minha família para Portugal, desfeito minha família aqui, ter reencontrado uma nova receita de família, ter aumentado o meu trabalho como mulher e mãe em, pelo menos 60% a mais do que era”, comenta Luana.
As apresentações de "Cantos da Lua" seguem em cartaz nas próximas semanas na capital portuguesa, mas a atriz já tem planos de levar o espetáculo para outros teatros do país em 2025, expandindo a oportunidade de compartilhar suas histórias e experiências com um público ainda mais amplo. Mas levar para o Brasil ainda não está nos planos.
“A ideia de levar para o Brasil existe, mas mais para frente. Este espetáculo é pensado para Portugal. Queremos levar para o Cassino do Estoril, Porto, que vamos fazer na mesma dinâmica com o público no palco”, revela Piovani.
"Quero que mais pessoas possam ver e sentir o que estou vivendo nesse espetáculo", afirma a atriz.
A dupla de atores brasileiros deu início a uma jornada de 25 dias de campanha nos Estados Unidos para divulgar o filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles. O objetivo é conquistar Hollywood e uma vaga na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional.
Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles
Os atores Fernanda Torres e Selton Mello, protagonistas do filme “Ainda Estou Aqui”, representante brasileiro na corrida pelo Oscar, estão em Los Angeles para uma intensa agenda de 25 dias para essa primeira fase da campanha. A dupla, que tem conquistado o público e a crítica com suas atuações, busca agora ganhar os votos dos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, e tentar uma estatueta inédita para o país.
"É igual campanha política, você vai de cidade em cidade. É muito louco!", contou Fernanda Torres à RFI.
"São muitas sessões, várias sessões fechadas para o SAG, o sindicato dos atores, sindicato dos diretores, dentro de agências, sessões fechadas para convidados, para votantes da academia, é hora de mostrar que o filme existe e conversar com as pessoas. Dizer que estamos aqui trabalhando", completa Selton Mello.
A primeira apresentação do filme, em Los Angeles, aconteceu no AFIfest, promovido pelo American Film Institute, que é um dos principais eventos pré-Oscar de lançamentos de filmes que devem aparecer na concorrida lista de indicados à premiação.
Já nesta última terça-feira (29), os atores abriram o 16º HBRFF - Hollywood Brazilian Film Festival, que aconteceu no Museu do Oscar.
"A resposta tem sido linda. Por todos os lugares onde a gente passa, todas as culturas recebem o filme muito bem, porque eu acho que é um filme afetuoso, fala através dessa família, conta a história de um país e isso, acho que o mundo todo acaba se conectando", diz Selton Mello.
"Ainda Estou Aqui" foi dirigido por Walter Salles e mostra a história de Eunice Paiva. O marido dela era o ex-deputado federal Rubens Paiva, que foi torturado e assassinado pela ditadura militar, em 1971. O longa foi baseado no livro do filho deles, o jornalista Marcelo Rubens Paiva.
Fernanda Torres interpreta a personagem principal e Selton Mello faz o papel do ex-deputado.
"É um filme que fala de política, de viver num Estado autoritário, do que significa você escolher viver num Estado autoritário ou não escolher e acabar vivendo, e no que isso pode mudar a sua família, suas relações afetivas. Então o que eu gosto desse filme é que ele vai pelo afeto. É uma resistência pelo afeto, é super bonito", conta a atriz.
"É um filme que conta a nossa história, um período importante da nossa história e que é importante relembrar para não cometer os mesmos erros", falou o ator.
Os atores tentam ao menos passar pelos quase cem filmes que anualmente brigam por uma vaga entre os cinco selecionados na categoria de Melhor Filme Internacional. A última vez que o Brasil apareceu nesta lista foi em 1999, com outro filme de Walter Salles, "Central do Brasil". Na época, Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, foi indicada a "Melhor Atriz". Fernanda Montenegro também atua em "Ainda Estou Aqui", fazendo o papel de Eunice Paiva mais velha, já com Alzheimer.
Agora, a filha dela aparece como uma possível indicação também na categoria de Melhor Atriz, ao lado nomes como Demi Moore, de "A Substância", Nicole Kidman, por "Babygirl", Angelina Jolie, com o filme "Maria Callas" e Karla Sofía Gascón, protagonista de “Emilia Pérez”.
"Eu acho até que se acontecer alguma coisa, é milagre, porque é um ano de grandes performances", fala a atriz.
Para Selton Mello é preciso "ter cuidado para, se isso não acontecer (indicação ou mesmo a vitória), parecer que o filme não rolou. E o filme já está rolando muito pelo mundo todo, então vamos ver até onde a gente vai. E acho que a gente vai longe".
Em outubro, Fernanda Torres já recebeu pelo papel um prêmio da "Critics Choice Association", maior organização de críticos e jornalistas de entretenimento da América do Norte, que celebrou os talentos latinos.
A atriz também concorreu na categoria de atuação no Festival de Veneza, onde o filme ganhou o prêmio de Melhor Roteiro.
"Ainda Estou Aqui" chega aos cinemas brasileiros em 7 de novembro. O HBRFF 2024 que encerra neste sábado (2) trouxe ainda para Los Angeles outras oito produções, entre elas "Malu", de Pedro Freire, "Motel Destino", dirigido por Karim Ainouz, "Cidade; Campo" de Juliana Rojas, "Oeste Outra Vez", do diretor Érico Rassi, e "Baby", de Marcelo Caetano.
Marcelo Macedo, artista carioca, apresenta sua nova exposição intitulada "Cross Roads" na Galeria Eritage, em Lisboa. Conhecido por seu estilo que combina formas geométricas e reutilização de materiais, especificamente madeiras e objetos descartados, Macedo traz à tona questões relevantes sobre a interseção de culturas e a responsabilidade ambiental na arte contemporânea, além de uma nova ótica sobre o autoconhecimento.
Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Portugal
“Dentro do meu trabalho existe este lugar “de estar perdido”, como uma encruzilhada. Estar perdido e ter caminhos para trilhar. É como se estivéssemos em um mato fechado e sem caminho. Temos que encontrar uma trilha através da intuição e da ação. Vou desbravando, é como se fosse um mergulho para dentro de mim mesmo. Aprendi que você só encontra a trilha quando olha para trás e descobre que já percorreu tudo isso, descobre o caminho que fez até ali”, diz.
A exposição "Cross Roads”, a primeira mostra individual do artista na Europa, reúne uma coleção de obras que refletem a identidade urbana e a diversidade cultural, características marcantes da trajetória artística de Macedo. Usando formas geométricas, ele cria padrões que transmitem uma sensação de ordem e reflexão, ao mesmo tempo que dialogam com a estrutura das cidades e de rituais.
Segundo ele, a geometria tem muito a ver com a vertigem que “engana o olho”. “Eu fiquei com uma espécie de obsessão em querer mostrar que o tempo de observação do trabalho não é o mesmo tempo de observação da vida corrida do dia a dia. Eu gosto de um outro tempo. A padronagem que escolho está cumprindo esta função de fazer o olho circular pelo trabalho, de compreender a imagem”, explica o artista.
Além do uso estético das formas, Macedo se destaca pela prática de dar nova vida a materiais descartados, incorporando madeiras e outros objetos em suas criações. Esta abordagem transforma o que seria considerado lixo em peças de valor artístico e funcional, inserindo uma narrativa profunda sobre consumo e ressignificação.
“Faço uma análise sobre uma sociedade de consumo excessivo. Eu me vejo produzindo muito lixo e isso me incomodava. Foi então que comecei a mudar meu comportamento ao fazer compras no supermercado, por exemplo. Compro um vidrinho que sei que depois vou reutilizar. Ou seja, ja não é um sentimento só de consumo pois vou consumir, mas depois vai virar outra coisa. Isso pra mim já é uma revolução e já se tornou uma revolução na minha vida”, afirma.
O carioca João Cavalcanti, dono da galeria Eritage e curador da mostra tem desempenhado um papel fundamental na valorização de artistas emergentes e na promoção de diálogos culturais. Em “Cross roads”, Cavalcanti trabalhou lado a lado com Macedo.
Segundo ele, essa experiência em Lisboa foi diferente de todas as outras. “ O que estou vivenciando qui eu ainda não tinha tido na minha trajetória, pois não foi apenas uma residência e sim o preparo de uma exposição individual em Lisboa. O convite do João veio em julho e desde então começamos a montar uma estratégia de utilização do espaço da galeria. Foi uma troca muito grande com o João”, explica o artista.
Segundo Macedo, esse foi um trabalho a quatro mãos. “O João começou a catar coisas pela rua. Ele já tinha este espírito, sempre gostou de móveis antigos e acho que isso até o aproximou do meu trabalho. Foi tudo a quatro mãos. Eu precisei muito do João para formular o que dava para fazer”, afirma o artista.
Para o galerista carioca, João Cavalcanti, “Cross Roads”, foi um genuíno encontro de caminhos.“ Me dá muito prazer participar deste processo. As residências artísticas são um pilar muito importante dentro da galeria. O que mais me marcou neste projeto é a beleza dos caminho cruzados. Não conseguimos ter o controle da vida. Temos que usar e confiar nos nossos instintos e acreditar que quando os caminhos se cruzam existe algo muito mais poderoso, permitindo que ele se cruze e se materialize. O que marca para mim no “Cross Roads” é esta simbologia representada através do trabalho do Marcelo em forma de exposição”, explica Cavalcanti.
A jornada artística de Marcelo Macedo é marcada por uma evolução contínua e um compromisso com a inovação. Desde suas primeiras exposições no Brasil, ele se firmou como uma voz importante na cena artística contemporânea. “Cross Roads” não é apenas uma manifestação da singularidade de Marcelo Macedo, mas também uma plataforma para diálogo sobre a arte e as questões sociais que a cercam.
A exposição promete não apenas encantar os visitantes, mas também instigá-los a refletir sobre suas próprias experiências e a complexidade das interações humanas. A mostra é uma oportunidade de se conectar com a arte contemporânea e os desafios do mundo atual.
“Tem pinturas minhas que quando olhamos mais profundamente começam a vibrar. Podemos achar que estamos vendo um túnel mas se continuarmos observando, poucos minutos depois, iremos ver uma pirâmide. Esse lugar, que é o meio do caminho, é o que me interessa pois é como se fosse uma janela para a imaginação. Esse trabalho não cansa, ele permanece e fornece muitas informações ao longo do tempo”, conclui Macedo.
“Cross Roads”, de Marcelo Macedo, fica em exibição da galeria Eritage (Rua das Janelas Verdes 128,B), em Lisboa, ate 31 de Janeiro de 2025.
A diretora brasileira Gandja Monteiro acaba de marcar presença no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) com a estreia do sexto episódio de Agatha Desde Sempre, que entrou no ar na última quarta-feira (16), na plataforma Disney+. A cineasta dirigiu este e os capítulos oito e nove, que finalizam a minissérie e estarão disponíveis em 30 de outubro e 6 de novembro, respectivamente.
Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles
Gandja é hoje uma das cineastas brasileiras com maior destaque na direção de séries de TV norte-americanas, com produções que trazem à tona narrativas autênticas e complexas e representam um avanço significativo na busca por uma indústria do entretenimento mais inclusiva. Mas nem por isso é fácil, muito pelo contrário: o sucesso individual da cineasta, embora inspirador, não apaga a realidade de que as mulheres latinas ainda enfrentam desafios sistêmicos em Hollywood.
"Estamos bem longe de uma representatividade real em Hollywood. Acho que a representatividade latina é bem minúscula e de mulheres também, os números parecem que não sobem. Pré-pandemia, os números estavam mais altos, aí caíram durante a pandemia e isso faz uma diferença muito grande", afirma Gandja.
"Eu acho que todo trabalho ajuda o próximo, então é lógico que a Marvel tem um certo espaço na indústria. Mas, é interessante porque o estúdio não estava em um lugar tão brilhante nos últimos tempos e eu acho que dirigir uma série como Agatha ajuda, porque ela é uma desconstrução do que a Marvel tem feito", destaca a cineasta brasileira.
Agatha Desde Sempre explora a origem e a história da poderosa feiticeira Agatha Harkness, personagem icônica dos quadrinhos. Após sua aparição marcante em "WandaVision" (2021), a série se aprofunda no passado de Agatha, revelando seus segredos, poderes e conexões com outros personagens do MCU. A minissérie foi dirigida por três diretoras.
"Todas mulheres e muitas roteiristas mulheres, a criadora também é mulher, a executiva da Marvel, também. É bem feminino o universo", constata.
Gandja nasceu em Nova York, mas é filha de pais brasileiros. A cineasta morou no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte quando era criança, e vive há 14 anos em Los Angeles. Apesar de estar há pouco tempo dirigindo produções de TV nos Estados Unidos, já carrega no currículo grandes títulos do universo da fantasia e do terror.
Além deste lançamento da Marvel, de 2022 até agora ela dirigiu dois episódios de Wandinha, a série de Tim Burton sobre a adolescente de A Família Addams, e episódios de The Witcher (Netflix) e Dead City, spin-off do sucesso The Walking Dead.
"Eu ando dirigindo TV nos Estados Unidos há uns 6 anos. Foi a série que menos esperaria que chamou a atenção da Marvel: uma série de terror chamada Brand New Cherry Flavor, que acabou sendo um sucesso underground, um sucesso cult. Eu acho que essa série queria um pouco disso, uma textura um pouco mais cult, mais dark mesmo", revela a cineasta.
Gandja revelou à RFI que o foco não é apenas uma carreira em Hollywood, mas internacional. Além de projetos nos Estados Unidos, tem outros no Brasil, onde também já assinou produções como a série documental Outros Tempos e o curta Quase todo dia.
"Eu acabei de dirigir a série nova do Vince Gilligan, que foi o criador de Breaking Bad. Fiz uma outra série com um ator maravilhoso que é o Sterling K. Brown e a Julianne Nicholson, e estou com vários longas e projetos", antecipa.
A atual contração da indústria cinematográfica impacta diretamente o número de empregos e, consequentemente, a representatividade latina e feminina. Com os estúdios priorizando projetos de menor risco, tudo continua "como era antes", avalia a brasileira.
Mas, a cineasta é um exemplo de como a resistência e a criatividade florescem mesmo em tempos desafiadores, abrindo caminho para que outras identidades e histórias ganhem mais espaço. "Eu sou brasileira. Nasci nos Estados Unidos, mas meus pais são brasileiros, de Minas. Acho que tudo que eu vivo, tudo que eu penso tem essa pegada. Tem muito Brasil nisso", conclui.
Em uma das salas da Universidade de Columbia, em Nova York, um coro entoa uma das canções de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras negras do Brasil. Autora do best-seller autobiográfico Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, Carolina foi a primeira brasileira negra a vender mais de um milhão de exemplares no mundo. Carolina faleceu aos 63 anos, deixando três filhos, dos quais apenas Vera Eunice permanece viva.
Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York
"Quando minha mãe faleceu, ela me deixou uma carta, entregue um dia após sua morte. Dentre os pedidos, ela queria que eu propagasse sua memória. E é isso que eu tenho feito", conta Vera.
Apesar de "Quarto de Despejo" ter sido traduzido para 13 idiomas e alcançado cerca de 40 países, esta é a primeira vez que Vera é convidada a falar sobre a mãe no exterior. Ela participou do ciclo de debates "Carolina - A Escritora do Brasil", celebrando a obra da autora em Nova York e Washington, uma iniciativa do coletivo Mulheres na Escrita.
"Ela é uma pensadora do Brasil e representa, de alguma forma, a mulher, especialmente a mulher negra, fora do Brasil, como é o caso agora aqui nos Estados Unidos, em Nova York", disse Tom Farias, biógrafo de Carolina e também presente nos debates.
Vera, uma das personagens principais de Quarto de Despejo, tinha apenas 21 anos quando Carolina morreu. Foi nesse momento que ela e seus irmãos deixaram de receber os direitos autorais da escritora no Brasil.
"O que ainda ajudava a gente a sobreviver eram os direitos autorais dos Estados Unidos, que nunca deixaram de pagar", conta Vera.
Quarto de Despejo foi publicado nos Estados Unidos como Child of the Dark em 1962 e logo se espalhou pelo mundo. A iniciativa de Mulheres na Escrita, ao revisitar a obra da escritora, busca colocar Carolina de volta no radar literário e incluí-la como leitura obrigatória nos programas de faculdades que estudam obras brasileiras.
"Espero que, com essa abertura, Carolina volte a ser reconhecida mundialmente, como nos anos 1960", diz a filha, Vera.
Carolina nasceu na cidade de Sacramento, no início do século 1920. Tom Farias, que está reescrevendo uma biografia dea autora a ser lançada no ano que vem, afirma que, ao contrário do que se pensava, Carolina não nasceu em 1914, mas em outubro de 1915. Filha de uma família de lavradores, ela frequentou a escola por apenas dois anos, período no qual se apaixonou pela leitura. Os livros, no entanto, tiveram que esperar, já que ela precisava ajudar a sustentar a família.
"Ela começou a trabalhar cedo como empregada doméstica, babá e cozinheira, mas nunca perdeu o amor pelos livros e pela escrita", conta Tom.
Carolina se mudou para São Paulo em 1937, depois de ser injustamente acusada de roubo em Minas Gerais. Na capital paulista, trabalhou como empregada doméstica na casa do renomado cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini. Nas horas livres, saciava sua sede de leitura na biblioteca da casa.
"Foi em São Paulo que ela se revelou como escritora, morando na favela do Canindé e criando seus três filhos sozinha", relata o biógrafo.
Durante esse período, Carolina acumulou muitos textos em seus diários, que foram descobertos pelo jornalista Audálio Dantas em 1958. Durante uma reportagem em Canindé, seu caminho se cruzou com o da escritora. Dantas ajudou Carolina a publicar suas obras, e em 1960, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada foi lançado.
"O livro se tornou um sucesso instantâneo, chegando a vender mais de dois mil exemplares por dia", relembra Tom.
No mesmo ano, Carolina foi homenageada pela Academia Paulista de Letras e recebeu o título honorífico da Orden Caballero del Tornillo, na Argentina. Publicou outros livros de forma independente, como Pedaço da Fome (1963) e Provérbios (1964), mas nenhum alcançou o sucesso de sua primeira obra.
"Carolina foi uma figura importante para a literatura brasileira, porque era mulher, negra e favelada", celebra Vera, ao ressaltar que a mãe foi a primeira a contar a história do negro pobre brasileiro em primeira pessoa. Tom Farias destaca que Carolina, ao contrário de pensadores da época como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, conseguiu pensar o Brasil sob a ótica da miséria.
"Minha mãe tinha tudo para não dar certo,mas ela era ousada. E agora estou aqui para ver sua ascensão no Brasil e no mundo", festeja Vera, que luta para reunir o acervo deixado pela mãe e concretizar o sonho de inaugurar um centro cultural, onde o público possa conhecer melhor a sua obra.
"A cachaça é um projeto 100% brasileiro, único, que só pode ser fabricado nos alambiques brasileiros", afirma Raquel Lopes, brasileira apaixonada pela tradição da cachaça que encontrou em Portugal o palco perfeito para compartilhar sua paixão com o mundo.
Luciana Quaresma, correspondente da RFI no Portugal
A empreendedora carioca criou a “Casa Cachaça”, um projeto para promover a cachaça brasileira na Europa, em busca de um novo público e de uma oportunidade de mostrar ao mundo a riqueza e a sofisticação da bebida brasileira.
"A cachaça é muito mais do que uma bebida. É um reflexo da nossa história, da nossa cultura, da nossa gente. É uma tradição que precisa ser preservada e compartilhada com o mundo", explica Raquel.
A paixão de Raquel pela cachaça nasceu em sua terra natal, no Rio de Janeiro, onde a bebida faz parte da cultura e da história do povo brasileiro. Raquel sempre se encantou com o sabor único da cachaça, com as festas e tradições que a envolvem, e com o espírito que ela representa.
Ao se mudar para Portugal em 2016, Raquel percebeu que a cachaça brasileira era pouco conhecida no país. Ela viu uma oportunidade de compartilhar sua paixão e de mostrar ao mundo a riqueza da bebida brasileira. Assim, criou a “Casa Cachaça”, um projeto que tem como objetivo promover a cachaça brasileira em Portugal e no mundo.
"Eu queria mostrar ao mundo que a cachaça não é apenas uma bebida barata e de baixa qualidade. Ela pode ser sofisticada, com um sabor único e uma história rica", explica Raquel.
A “Casa Cachaça” tem também como objetivo se tornar um ponto de encontro para amantes da cachaça e para aqueles que desejam conhecer mais sobre a cultura brasileira. Raquel realiza degustações, palestras, eventos e promove a cachaça de alta qualidade, produzida com ingredientes e processos tradicionais.
"A minha missão é mostrar a cachaça brasileira como um produto de qualidade, com uma história rica e um sabor único. Trabalho com cachaças premium, cuidadosamente selecionadas no Brasil, para apresentar ao mundo a riqueza e a sofisticação da nossa bebida", afirma Raquel.
Raquel viaja pelo Brasil em busca das melhores cachaças, conhecendo produtores que se dedicam à tradição e à qualidade. Durante sua curadoria, a empresária se encanta com a história de cada alambique, com os processos de produção tradicionais e com o amor que os produtores têm pela cachaça.
"Cada alambique tem uma história única, um processo de produção próprio e um sabor singular. É fascinante conhecer cada um deles e entender a paixão que move cada produtor", comenta Raquel.
A Casa Cachaça já conquistou o paladar de muitos europeus, e Raquel sonha em levar a cachaça brasileira para ainda mais países. Ela acredita que a cachaça tem o potencial de se tornar um símbolo da cultura brasileira no mundo, uma bebida que represente a tradição, a qualidade e a paixão do povo brasileiro. Em um mundo globalizado, a Casa Cachaça “surge como um exemplo de como a tradição e a cultura podem ser compartilhadas e celebradas", diz Raquel.
O movimento religioso pentecostal, surgido nos Estados Unidos no começo do século 20, espalhou-se rapidamente pelo Sul Global, desafiando o Vaticano a intensificar seus esforços de evangelização entre muçulmanos, principalmente depois dos atentados extremistas de 11 de setembro de 2001. Com as guerras no Afeganistão e no Iraque tornando perigosa a presença de missionários americanos, cristãos latino-americanos foram mobilizados para dar continuidade a essa missão global.
Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York
No livro Soul by Soul (Columbia Global Reports, 2023), a jornalista Adriana Carranca aborda a expansão do cristianismo evangélico pentecostal usando como fio condutor a experiência de uma família missionária brasileira que se muda para o Afeganistão. Carranca é uma jornalista conhecida por seu trabalho como correspondente de guerra, tendo coberto conflitos no Oriente Médio, na Ásia e na África, além de temas como direitos humanos, questões de gênero e política internacional.
A Rádio França Internacional conversou com a autora durante o lançamento de sua primeira obra em inglês no teatro Martin E. Segal, na Universidade da Cidade de Nova York, na última terça-feira (17). Ela falou sobre as razões para o crescimento exponencial do número de missionários brasileiros no Brasil e no exterior.
Segundo ela, um movimento pouco conhecido vem ganhando força nos últimos anos: famílias brasileiras estão indo, de forma clandestina, para países de maioria muçulmana, como Afeganistão, Iraque e Síria, com o objetivo de evangelizar esses povos. Por isso, o encontro com um casal brasileiro, dono de uma pizzaria em Cabul, levantou as suspeitas da experiente repórter: "Na época, pensei que eles poderiam ser mercenários, pessoas independentes que vão lutar nesses países por contrato, ou então traficantes, porque o Afeganistão tem muito ópio", relembra. No entanto, logo ficou claro que essa família tinha outro propósito: disseminar a fé cristã em regiões de difícil acesso.
O Brasil, embora tenha uma forte tradição católica, desponta como o segundo país que mais envia missionários evangélicos ao exterior. "É um número absurdo de pessoas", comenta Adriana. Esse crescimento tem suas raízes no movimento pentecostal, que, no início, se espalhou pela América Latina com a premissa de que a palavra de Deus estava sendo distorcida pela Igreja Católica. "Eles começaram a traduzir a Bíblia para várias línguas, com a ideia de que precisavam espalhar a palavra de Deus, pois acreditavam que a Igreja Católica estava distorcendo essa mensagem", explica.
O pentecostalismo encontrou terreno fértil na América Latina, em parte devido à mistura de influências culturais e religiosas. "Foi facilmente aceito, também pela influência africana na região. O pentecostalismo prega que não há hierarquia na igreja, que todos são filhos de Deus e qualquer pessoa pode receber o Espírito Santo", aponta a autora. Esse modelo igualitário atraiu muitas pessoas, especialmente nas comunidades mais pobres. "No Brasil, a mensagem era: 'Você pode se tornar pastor, mesmo que não saiba ler ou escrever, porque o poder do Espírito Santo vai te guiar'", conta.
A expansão desse movimento foi significativa, e, em 2002 e 2003, líderes começaram a ver os perigos de enviar missionários americanos para regiões de conflito, como o Afeganistão. "Houve muitos casos de assassinatos, e os líderes se perguntavam o que fazer. Foi quando perceberam que tinham um 'exército' não utilizado na América Latina. Decidiram enviar latino-americanos, pois eles não eram alvos de ataques como os americanos", explica Adriana.
Após o atentado de 11 de setembro de 2001, o cenário se tornou ainda mais arriscado para os americanos. "O campo ficou muito perigoso, e então começaram a enviar latino-americanos em massa para o Oriente Médio e a Ásia", acrescenta. Os missionários latino-americanos, sem depender de grandes recursos, encontravam maneiras de se sustentar. "Eles não precisavam do dinheiro das igrejas americanas para sobreviver. Arranjavam o que fazer por lá", comenta.
O trabalho missionário, no entanto, é cercado de complexidades. No Afeganistão, por exemplo, a maioria dos convertidos eram hazaras, uma minoria étnica e religiosa historicamente perseguida pelos talibãs. "Os talibãs são de etnia pashtun, enquanto os hazaras são uma minoria xiita. Eles são historicamente massacrados e perseguidos", diz Adriana. Ela não tem dúvidas de que parte das conversões acontece por necessidade de segurança, ajuda humanitária e pelo sentimento de estarem sendo abandonados por seus próprios irmãos de fé. "Os irmãos muçulmanos estão me matando, estão me perseguindo", relata.
Um outro fator curioso quanto à facilidade de adaptação dos missionários brasileiros em zonas de conflito é que a realidade de violência e pobreza no Afeganistão não choca tanto os missionários brasileiros quanto os americanos. "A pobreza no Afeganistão não é tão chocante para o brasileiro como é para os americanos. A própria violência também não assusta tanto. O Brasil, em termos de assassinatos, é o país com o maior número", ressalta Adriana. Em comparação, segundo ela, o Afeganistão, em números, é mais seguro do que o Brasil.
Além do Oriente Médio, muitos missionários brasileiros tais como os que compõem a família central do livro de Carranca passam a ver a crise dos refugiados como uma oportunidade para evangelizar na Europa. "Viram isso como uma bênção", explica a jornalista.
Para esses missionários, tudo faz parte de um plano maior. "Para eles, tudo era um plano de Deus desde o começo", conclui Carranca.
De Belém para a Semana da Moda de Milão, a estilista Val Valadares esperou mais de 25 anos pela realização de um sonho antigo: mudar a cara do Pará a partir das roupas. Ela sempre quis saltar do folclórico regional para o cosmopolitismo carregado de ancestralidade e alta qualidade. No início deste ano, foi escolhida para formar a Cápsula Marajó, iniciativa que deve ser pontapé inicial do polo de moda da capital paranese e que ganhou espaço em uma das principais semanas de moda do planeta, na Itália.
Vivian Oswald, correspondente da RFI em Brasília
Val chegou ali por uma série de coincidências e por estar nos lugares certos, na hora certa – mas jamais terá sido por acaso. Por insistência de uma amiga, inscreveu-se em cima da hora em um curso de capacitação do Sebrae e, desde então, seu trabalho de anos ganhou visibilidade. Perguntada sobre quando começou a costurar, Val diz que é como se o fizesse desde que nasceu.
Neta de artesã, aos quatro anos já costurava as roupas das próprias bonecas, que fazia desfilar em uma tábua que equilibrava entre açaizeiros na comunidade quilombola onde cresceu. Val sonhava grande, mas não tinha ideia do que era empreendedorismo. Foi alfabetizada aos 13 anos.
"Aos 14 anos, quando eu fiz a minha primeira peça de roupa, eu tive certeza que era isso que eu queria fazer a vida inteira”, conta.
Ela garante lembrar-se como se fosse hoje de cada detalhe do modelo. Era uma blusa vermelha e branca listrada com um laço vermelho no bolso que promete replicar em breve. Autodidata, Val imagina uma peça e vai trabalhando diretamente o tecido.
O que produz são peças diferenciadas, contemporâneas, inspiradas na cena amazônica que viu desde a infância. A coleção uirapuru tem as linhas garça, guará, sururina, bicho-chato e marreca.
"Montei o meu primeiro ateliê aos 25 anos, quando eu mudei para um projeto da vale do Rio Doce, no interior do Pará, chamado mineração Rio do norte, em Oriximiná. Foi quando eu realmente me empenhei em fazer peças, mesmo sendo desacreditada pelas pessoas que me procuravam, devido a minha aparência de menina”, acha graça.
Quando chegavam no ateliê, as potenciais clientes perguntavam onde estava a sua mãe. Com 1,5m de altura, era magrinha e tinha jeito de adolescente. "Mesmo assim, consegui provar que era capaz de trabalhar com moda. De lá para cá, eu não parei mais”, diz.
Anos mais tarde, de volta a Belém, aumentou a clientela, sobretudo depois de desenhar peças medievais a pedido de uma menina de boa família que organizava seu trabalho de escola, uma peça de teatro. Recebeu o pagamento em um saquinho de dinheiro, com as moedas e notas picadas que a autora conseguira arrecadar pela entrada. Tirou nota máxima. Era a primeira vez Val que fazia roupas estilizadas – passou para o tecido o que a menina colocou no papel.
A estilista não parou nem quando teve o primeiro filho, aos 41 anos, até que veio a pandemia, que a obrigou a fechar o ateliê, mas não a paralisar suas atividades. Dedicou-se a peças casuais e leves e chegou a fazer 60 kaftans em uma única semana. Manteve ateliê em casa, e, quando a situação melhorou, tinha 10 costureiras trabalhando com ela.
No desfile de 20 de setembro, no Museo della Scienza, na Meca da moda italiana, vai contar a história do caso de amor do Padre Giovani Gallo com a Amazônia, onde o sacerdote atuou desde a década de 1970 até morte, no ano passado. A coleção que Val vai apresentar aos italianos tem o nome dele.
Em seus projetos sociais, Padre Giovani Gallo ficou conhecido como "o padre marajoara": ajudou a transformar as tramas marajoaras das cerâmicas encontradas em escavações em pontos perfeitos com que as bordadeiras pudessem trabalhar.
“Estou colocando na passarela o desejo de um padre italiano, que vai ser representado por uma evangélica brasileira", afirma.
A coleção se baseia na história dele e nas roupas que usava. Será uma releitura de batinas em kaftans e quimonos, um estilo “mais litúrgico”, como explica a estilista. "A coleção Giovanni Gallo é uma moda leve, simples, onde quem vai protagonizar é o grafismo, motivos marajoaras nos quais ele se empenhou tanto”, diz.
Desde aquele primeiro curso de capacitação no Sebrae, para o qual foi escolhida com outras 10 empresas, Val quase não acredita na velocidade de sua trajetória. O próximo passo é exportar.
Até chegar à Europa, no final do mês, pretende estar 100% pronta para vender no exterior moda sustentável: nada de sintético, só algodão. Parte do grafismo de suas blusas fica por conta dos botões que mandou fazer sob encomenda com pau Brasil reciclado. Foi assim que foi descoberta pela Brasil Eco Fashion Week.
"Espero que esse desfile possa me dar espaço para eu contar não só para a Itália, mas para todos os outros países da Europa, a riqueza do nosso bordado, do nosso grafismo, a história linda do padre Giovanni Gallo. Que os italianos possam conhecer esse italiano mais paraense do que muitos paraenses”, garante.
O sonho de Val agora é ter um ateliê-escola no qual possa ensinar o povo paraense a fazer moda com qualidade. Hoje, emprega 18 costureiras independentes, que produzem só para ela.
"Eu desejo muito mudar a cara do Pará com relação à produção de moda. Mesmo que não vá ser grande polo de moda, ou referência, mas que seja moda com qualidade.”
Pela primeira vez, o modernismo brasileiro vai ser tema de uma exposição em um museu da Suíça. O renomado “Centro Paul Klee” (Zentrum Paul Klee), de Berna, abriu as portas, no sábado (7), para “Brasil! Brasil! O nascimento do modernismo”, exposição que tem como uma das curadoras a brasileira Roberta Saraiva Coutinho, que falou com a RFI.
Valéria Maniero, correspondente da RFI em Lausanne
Roberta Saraiva Coutinho conta que a ideia surgiu depois de uma exposição do Centro Paul Klee no Brasil, antes mesmo da pandemia. A surpresa com a boa recepção do público fez com que a curadora-chefe do museu, Fabienne Eggelhoefer, fosse ao país e tivesse contato com a pintura moderna brasileira.
“É importante falar que o Centro Paul Klee é um museu dedicado a um artista que é um grande expoente do modernismo mundial. Também é um museu que vê o modernismo de forma bastante ampla, o modernismo global. Quando ela chega ao Brasil e vê o modernismo brasileiro, ela pensa, 'como essas obras não são conhecidas na Europa?' Gostaríamos de fazer essa exposição", conta Roberta Saraiva Coutinho.
A curadora explicou que foram mais de cinco anos de trabalho, “olhando essas obras do Brasil, conhecendo o modernismo brasileiro e preparando esse projeto que agora chega em Berna”.
Roberta explica quem são os representantes do modernismo presentes na exposição e que foi "duro" fazer a seleção.
“Foi uma escolha dura. Fazer uma exposição é sempre fazer uma escolha. Então, o que pensamos e, sobretudo, a Fabienne, com um olhar muito dedicado ao público suíço, foi escolher dez artistas, se debruçar sobre a obra deles, para poder mostrar um pouco mais sobre a obra de cada um", diz.
"A gente começa com um conjunto de artistas que estão consagrados no cânone modernista brasileiro: Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Tarsila do Amaral, Lasar Segall e, claro, Candido Portinari. Depois, os que vêm de uma espécie de segunda geração, aqueles que só posteriormente foram incluídos no cânone. E aí a gente tem um conjunto importante de obras do Flávio de Carvalho, do Volpi, da Djanira, do Rubem Valentim e do Geraldo de Barros”, descreve a curadora.
Quem visitar o Centro Paul Klee “vai ter essa sensação linda, que é quase como encontrar um velho amigo na parede de um museu da Suíça”, diz Roberta.
“É uma exposição muito emocionante: o conjunto completo e esse passeio pela obra de cada artista."
Roberta, que também é diretora técnica do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, falou com a RFI sobre a importância de ter uma exposição sobre o modernismo brasileiro num museu na Suíça.
“Eu carrego esse desejo muito grande de ver o Brasil brilhando no exterior. Então, sempre, minha carreira tem sido dedicada a esses intercâmbios para fora e para dentro do Brasil. Nesse sentido, a primeira alegria é ver o Brasil escrito no Centro Paul Klee”, afirma.
Mas, além disso, ela diz que “a gente sabe que a arte brasileira tem sido pouco vista fora do Brasil”.
“Então, acho que é uma oportunidade maravilhosa poder trazer para o público suíço esse conjunto de obras que são, de fato, obras-primas do nosso modernismo”, diz.
Segundo Roberta, o grande idealizador e organizador é o Centro Paul Klee, “que inventou toda essa história maravilhosa”. Mas, como o projeto é feito em colaboração com a Royal Academy of Arts, de Londres, ela também vai receber a mostra.
“É uma trajetória muito bonita, porque a gente tem a chance de expandir para o público londrino. Uma oportunidade maravilhosa poder disseminar esse conjunto de obras e mesmo a imagem do Brasil no exterior”, comemora.
Roberta explica que uma exposição como essa não é feita com pouca gente. Também contou com a presença e o apoio de uma quantidade enorme de instituições.
“Você imagina cada primeira visita, cada conversa. A gente conta com um catálogo, com especialistas. Você pode imaginar a quantidade de pessoas envolvidas direta e indiretamente em um projeto como esse e de instituições nacionais, o próprio ministério, instituições na Suíça”, enumera.
De acordo com a curadora, o “mais bonito de tudo é poder ter um projeto em que a gente mostre o Brasil na sua máxima potência”.
“O modernismo brasileiro, enfim, está brilhando na Suíça e a gente consegue mostrar essas obras para um público mais amplo, que teve pouca oportunidade de ver. Mas, sobretudo, é um projeto que conta com a participação de muita gente. Então, é quase um prestígio em cascata. Para mim, é uma grande alegria”.
A exposição “Brasil, Brasil! O nascimento do modernismo” vai até 5 de janeiro no Centro Paul Klee. Interessados podem comprar as entradas para a mostra no site do museu
Pinguins não são bichinhos de estimação, não é possível adotar um deles. Mas, nessa história, foi um desses animais - de andar apaixonante - que, bendizer, adotou um pescador. Uma trama inusitada, de uma amizade extraordinária, que viralizou e chamou a atenção de produtores de Hollywood, que levaram às telas o enredo inspirado em fatos que aconteceram no Brasil.
Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles
"Meu Amigo Pinguim" chega às telas com a direção de David Schurmann e elenco multinacional. Filme já está em cartaz nos EUA e na França. A data de estreia no Brasil é em 12 de setembro
"Tô muito feliz de levar o Brasil para o mundo com essa história. Nós estamos lançando nos Estados Unidos no país inteiro. Esta, acredito, vai ser uma das histórias brasileiras mais vistas nos cinemas americanos. Fico muito orgulhoso de ser brasileiro, de contar essa história brasileira e levar o Brasil para o mundo com uma história muito bonita e com uma mensagem também sobre o meio ambiente, que eu acho que o Brasil tem esse papel tão forte e tão importante", contou o diretor David Schurmann à RFI.
A história de amor de Seu João Pereira de Souza e do pinguim teve início em 2011, quando a ave chegou na Ilha Grande (município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro). O animal muito debilitado e cheio de óleo foi encontrado na praia de Provetá, o pescador o levou para casa, deu banho, comida e muito amor e carinho. Mas, isso foi só o começo de uma amizade inusitada: o pinguim ganhou o nome de Dindim, e assim como todo amor incondicional que tem laços fortes, sobreviveu à liberdade e à distância.
Seguindo a premissa de que o bom filho à casa torna, Dindim, nas suas viagens de inverno - já que os pinguins migram durante essa época do ano do extremo sul da América do Sul para o Brasil em busca de águas menos gélidas - retornou durante oito anos seguidos para visitar o amigo em Angra dos Reis.
A amizade viralizou e chamou a atenção de produtores norte-americanos, que contrataram o brasileiro David Schurmann para dirigir o filme. Conhecido por "Pequeno Segredo", filme indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de 2017, aos 13 anos Schurmann começou a demonstrar sua paixão pelo cinema ao filmar as aventuras a bordo do veleiro de seus pais, durante a primeira volta ao mundo da família Schurmann, o que o conecta ainda mais com essa história.
"Eles falaram, nós temos essa história, a gente quer fazer uma ficção, mas vai ser em inglês. Perguntei onde queriam filmar e disseram que seria na Espanha, um lugar completamente fora. Eu falei 'não, precisamos filmar no Brasil, essa história é brasileira'. Tudo bem filmar em inglês, porque eles tinham pesquisado e não havia atores mundialmente conhecidos na idade que precisavam, mas eu falei: vamos fazer no Brasil e acabamos filmando a maior parte em Ubatuba", relembra o diretor.
Estão no elenco os brasileiros Pedro Urizzi, Thalma de Freitas, a argentina Alexia Moyano, e nos papéis principais a atriz mexicana indicada ao Oscar, Adriana Barraza, e o francês Jean Reno, que contou que achou a história muito tocante.
"Eu gosto do fato de que um animal tem uma alma, de alguma forma, e pode me salvar da minha solidão, da minha dor. No filme falamos sobre preservar os animais, preservar o mar e não destruir o planeta. Nós temos muitos objetivos com esse filme e como humanos temos muitos objetivos, e queremos viver juntos, essa é a ideia", contou o ator francês.
Para fazer o papel de Dindim vários pinguins de verdade se revezaram, mas alguns robôs e a tecnologia também entraram em cena.
"A gente usou todas as técnicas, a gente se resguardou. Quando eu encontrei o Fabian Gabelli, que foi o treinador de pinguins, um cara que se comunica com pinguins, ele me disse: o pinguim faz tudo. Eu não sei se acreditei imediatamente. A gente sempre sabe: 'não faça filme com crianças, animais e na água', que são os três perigos maiores. E a gente tinha os três nesse filme. Então eu falei, vamos garantir também ter animatronics, robôs, pinguins digitais para o que não for possível fazer com robôs, e foi isso que aconteceu", detalha.
"Mas a gente conseguiu utilizar em 80% do tempo pinguins reais e foi incrível. Por mais que tenha sido um desafio, foi absolutamente lindo filmar com pinguins reais porque eles são muito inteligentes. Para a nossa sorte, em Ubatuba, tem o Instituto Argonauta para Conservação Costeira e Marinha e o aquário que resgatam pinguins que vem parar na costa brasileira, nessa época do ano. Eles resgatam, alimentam esses pinguins e os devolvem para o mar. Há alguns pinguins que eles não conseguem devolver, que os que têm problemas na asa, por exemplo, e foram esses pinguins que a gente acabou usando no filme", conta Schurmann.
Algumas cidades brasileiras já tiveram pré-estreias e outras acontecerão nas próximas semanas. Mas, "Meu Amigo Pinguim" chega oficialmente aos cinemas do país em 12 de setembro com muito da história do Seu João, mas também liberdade cinematográfica.
"Esta é uma história baseada em fatos. Como toda ficção baseada em fatos, a gente toma uma liberdade artística. O Seu João, por exemplo, tem uma história com o filho dele que é diferente um pouco da nossa, a gente comprimiu o tempo, a gente toma essas liberdades. Mas eu acredito que está muito fiel dentro da história, principalmente da amizade do Seu João e do Dindim. Se você procura na internet, você vai ver os vídeos de verdade e se assiste ao filme, a proximidade é muito grande das duas histórias", finaliza o diretor.
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