A equipe de jornalistas da Ilustríssima, da Folha, entrevista autores de livros de não ficção ou de pesquisas acadêmicas.
No fim da década de 1940, Cesar Lattes tinha pouco mais de 20 anos, mas já vivia anos de glória. Pouco tempo depois de chegar a Bristol, na Inglaterra, ele se firmou como um figura-chave na pesquisa sobre o méson pi, uma nova partícula atômica, descoberta que rendeu o Prêmio Nobel de Física a Cecil Powell, chefe do laboratório em que trabalhou.
O próprio Lattes recebeu sua primeira indicação ao Nobel em 49, e a reputação internacional transformou o físico nascido em Curitiba e formado pela USP em um inesperado cientista-celebridade no Brasil.
Comprometido a voltar ao país e usar suas credenciais para impulsionar a física brasileira, Lattes recusou convites de universidades de ponta no exterior e logo se viu mergulhado em um cipoal de burocracia, falta de recursos e instabilidade política, que culminou com um caso de corrupção, denunciado por ele, no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), instituição que tinha se empenhado em criar.
Aos 30 anos, o físico enfrentou um episódio de depressão que o obrigou a abandonar o trabalho e ir se tratar nos Estados Unidos. Tanto o diagnóstico quanto o tratamento eram muito mais frágeis que hoje, mas Lattes se deparava com os sintomas do transtorno bipolar.
No centenário do seu nascimento, comemorado em 2024, o livro "Cesar Lattes, uma Vida: Visões do Infinito" (Record), revisita a trajetória extraordinária de um dos mais importantes cientistas brasileiros da história. A obra é assinada por Marta Góes e Tato Coutinho e tem organização de Maria Cristina Lattes Vezzani, a segunda filha do físico, e Jorge Luis Colombo.
Góes e Coutinho, convidados deste episódio, lançam luz sobre a importância de Lattes em momentos cruciais da física do século passado, mencionam seus embates com o transtorno bipolar ao longo da vida e o situam nas tramas políticas e da ciência brasileira das décadas em que viveu.
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Além de sobreviver ao regime militar, a psicanálise brasileira floresceu durante a ditadura. Esse aparente paradoxo foi um dos pontos de partida da pesquisa de doutorado de Rafael Alves Lima, professor colaborador da USP.
O trabalho, publicado sob o título "Psicanálise na Ditadura (1964-1985)", compõe uma história do campo psicanalítico do país nessas três décadas, além de investigar sua configuração às vésperas do golpe de 1964.
O pesquisador discute, por exemplo, as estratégias que um grupo de psicanalistas de São Paulo empregou para projetar uma imagem de prestígio e questiona o conformismo que dominou boa parte dos consultórios durante a ditadura, apesar de os militares não enxergarem os psicanalistas como uma ameaça.
Neste episódio, o autor aborda a imagem pop de Freud e da psicanálise no Brasil em pleno regime militar e debate a hipótese de que o boom do campo nos anos 1970 está relacionado a mudanças mais amplas nas formas de nomear o sofrimento psíquico: em uma sociedade que se transformava muito intensamente, a psicanálise e outras terapias ofereciam uma nova gramática tanto para conceber o mundo quanto para se entender nele.
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Ernesto Rodrigues, que acaba de lançar o primeiro volume de uma trilogia sobre a história da Rede Globo, diz não acreditar em isenção no jornalismo. Para ele, um esforço sincero para apresentar as várias interpretações de um acontecimento é o melhor caminho.
O autor afirma ter se guiado por esse princípio ao escrever sobre os quase 60 anos da Globo, a partir, principalmente, dos depoimentos do acervo institucional da emissora.
O retrato que surge do primeiro livro, "Hegemonia: 1965-1984", é mais comedido que outros trabalhos sobre a Globo. Rodrigues narra, o imbróglio relacionado ao acordo com o grupo americano Time-Life, o alinhamento de Roberto Marinho com a ditadura militar e a parcialidade em coberturas históricas, como as greves do ABC e o comício na praça da Sé em janeiro de 1984.
O jornalista, por outro lado, recusa a ideia de orquestração deliberada para manipular a opinião pública do país. Em sua opinião, a Globo foi, ao longo da sua história, mais espelho do Brasil, tanto na dramaturgia quanto no noticiário, que um Grande Irmão que tentou dominar a mente dos brasileiros.
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A desigualdade brasileira tem uma gramática intricada, muitas vezes invisível às pessoas comuns. Esse é o ponto de partida de "Poder e Desigualdade", de Cesar Calejon e André Roncaglia.
Roncaglia, professor da UnB e diretor-executivo do Brasil no FMI, debate neste episódio a evolução da economia brasileira nas últimas décadas. O pesquisador também discute as características do que chama de um novo espírito do tempo, marcado por um individualismo que valoriza riscos e se afasta de organizações coletivas.
"Poder e Desigualdade" propõe que, com o avanço da agropecuária na estrutura produtiva do país e de bets e coaches na subjetividade dos trabalhadores, o Brasil está se transformando em um "fazendão com cassino".
Roncaglia defende que, para ter chances nesse cenário, a esquerda precisa encontrar um novo discurso e passar a dialogar com as aspirações de prosperidade e de recompensa pelo esforço e pelo mérito individual, ainda que desafiando essas ideias.
O pesquisador também abordou o papel da sensação de estagnação do poder de compra na vitória de Donald Trump e o que o resultado das eleições tem a dizer sobre a política econômica que Joe Biden implementou em seu mandato.
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Em 2018, Tiago Rogero ouviu a escritora Conceição Evaristo falar, em uma palestra, que as escolas brasileiras ensinavam a Revolução Farropilha, no Rio Grande do Sul, mas não a Revolta dos Malês, levante de escravizados de Salvador em 1835.
O jornalista diz que, depois disso, passou a pensar nas histórias nunca foram contadas ou silenciadas sobre a herança africana do país. Dessa inquietação, surgiu a ideia se debruçar sobre o passado do Brasil a partir das experiências e do protagonismo de pessoas negras.
Nasceu assim o projeto Querino, investigação jornalística coordenada por ele que resultou em um podcast narrativo de oito episódios, lançados em 2022.
A série em áudio acaba de virar livro pela Fósforo. O espírito da obra é ampliar e aprofundar questões e temas discutidos no podcast, mantendo a estrutura e o tom que centenas de milhares de ouvintes conhecem bem.
Rogero, hoje repórter do jornal The Guardian, fala neste episódio sobre os desafios que enfrentou para transpor o áudio para o registro escrito e discute a dificuldade do Brasil de lidar com o passado escravocrata e reconhecer como africanos e seus descendentes forjaram o país.
Ele diz que os brancos são o grupo que sempre dominou a pauta identitária brasileira e defende que a luta compartilhada com outros grupos étnico-raciais é essencial para o movimento antirracista hoje.
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Por que eleitores pobres que votaram em Lula e Dilma em quatro eleições seguidas passaram a dar vitórias à direita? O sociólogo Jessé Souza tenta responder a essa questão em seu mais recente livro, o recém-lançado "O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos" (Civilização Brasileira).
Jessé, entrevistado deste episódio, divide essa classe empobrecida de eleitores em dois grupos: o pobre branco de São Paulo e do sul do Brasil e o negro evangélico. Em comum, ambos manifestam repúdio pela esquerda, por políticas de inclusão de grupos marginalizados e por programas como o Bolsa Família. Guardam, entretanto, diferenças significativas, que remetem às desigualdades do país, avalia ele.
Na entrevista, Jessé também comenta o segundo turno em São Paulo, diz que o PT deveria aprender com Getúlio Vargas e argumenta que a esquerda em geral afasta eleitores ao dar protagonismo a pautas identitárias.
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Quando as manifestações de Junho de 2013 estouraram, era fácil situar politicamente a defesa da gratuidade no transporte coletivo: o movimento estava ligado à esquerda.
Dez anos depois, tudo mudou. O número de cidades brasileiras com tarifa zero universal passou de 19 em 2013 para 116 em 2024, e a maioria delas é governada por partidos de direita.
Esse cenário é analisado por Daniel Santini no recém-lançado "Sem Catraca: da Utopia à Realidade da Tarifa Zero". Para o autor, a pandemia de Covid-19 escancarou que o transporte coletivo está colapsando no país.
Neste episódio, ele afirma que mesmo uma política de gratuidade mal desenhada é melhor que o modelo atual, baseado na receita das catracas, e se contrapõe às críticas que qualificam a tarifa zero como algo irrealizável.
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A Igreja foi uma peça fundamental do colonialismo europeu e da escravização de africanos, mas a espiritualidade cristã pode se comprometer com um projeto de emancipação.
Esse é o horizonte de "Teologia Negra: o Sopro Antirracista do Espírito", de Ronilso Pacheco, publicado em 2019 e relançado neste mês. Para Pacheco, a teologia não deve continuar a ser vista como uma área de estudo puramente especulativa, sem contato com a realidade social. Em vez disso, ele defende que se considere que a teologia nasceu no deserto, referência à jornada de libertação narrada no Êxodo.
A religiosidade, nessa perspectiva, vem da experiência concreta da opressão —e a teologia negra, além de ressaltar as raízes africanas de acontecimentos e personagens bíblicos, disputa a própria ideia de uma espiritualidade universal, desvinculada da história dos povos.
Pacheco é mestre em teologia pela Universidade Columbia, diretor do Iser (Instituto de Estudos da Religião), pastor auxiliar da Comunidade Batista e colunista do UOL. Na entrevista, ele afirma que a representação de Jesus como homem branco contribuiu para legitimar a escravidão e reverbera até hoje, por exemplo, na intolerância contra religiões de matriz africana.
O pesquisador discute os riscos do nacionalismo cristão, movimento de extrema direita que, em sua avaliação, usa uma gramática religiosa para subjugar a sociedade a um cristianismo conservador, e aborda as perspectivas de organização política nesse contexto.
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Em 1611, Johannes Kepler apontou que organizar laranjas como os feirantes fazem hoje em dia —em arranjos hexagonais e camadas sobrepostas— era a melhor forma de aproveitar o espaço disponível. O astrônomo e matemático alemão, no entanto, não conseguiu provar essa conjectura na época e o problema só foi de fato resolvido em 2017, mais de 400 anos depois.
Tanto tempo para tão pouco, muitas pessoas podem pensar. Afinal, que diferença isso faz?
Em "Histórias da Matemática: da Contagem nos Dedos à Inteligência Artificial" (Tinta-da-China Brasil), Marcelo Viana mostra que até as pesquisas mais teóricas podem dar origem a novas tecnologias, mesmo que, em alguns casos, isso demore vários séculos.
O pesquisador escreve que o problema do empacotamento de esferas (o exemplo das laranjas) ajuda hoje a detectar e corrigir erros de transmissão de informações e que pesquisas sobre números primos foram fundamentais para desenvolver a criptografia moderna, além de lembrar os desdobramentos na astronomia e na física, por exemplo, viabilizados pela matemática.
Não que a utilidade imediata deva ser o único critério da ciência, diz Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro, um dos mais renomados centros de investigação matemática do mundo, mas pesquisadores não devem perder de vista as consequências concretas dos seus estudos.
"Histórias da Matemática" reúne, em edição revista e atualizada, colunas publicadas na Folha, onde Viana escreve desde 2017.
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Se a leitura de um romance é uma espécie de alucinação —em que a pessoa que lê experimenta a vida de personagens—, quantas vezes as mulheres alucinaram ser homens?
Esse é um dos pontos de partida de "O Homem Não Existe: Masculinidade, Desejo e Ficção" (Zahar), de Ligia Gonçalves Diniz, crítica literária e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
No livro, a autora discute como essa alucinação, movida pela hegemonia masculina na literatura, molda a subjetividade das mulheres. Em primeiro lugar, Diniz questiona de que forma ler como um homem por tanto tempo influenciou como ela própria se vê no mundo.
A pesquisadora busca ultrapassar os termos usuais da equação de gênero, discutindo como obras de ficção incorporam obsessões fálicas e narrativas elogiosas de homens em fúria.
Na entrevista, Diniz insiste ser essencial trazer a noção de corpo para esse debate e defende que escritores misóginos e obras machistas não deixem de ser lidos, por permitirem, entre outros motivos, conhecer os opressores por dentro.
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Não é incomum que, depois de ver uma fake news ser desmentida, o que permaneça reverberando seja a própria informação falsa. Para Paolo Demuru, esse efeito mostra que tentar enfrentar a desinformação e narrativas conspiratórias usando só dados objetivos e argumentos racionais não é suficiente.
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Demuru discute em "Políticas do Encanto" os mecanismos do conspiracionismo e como as forças progressistas podem lidar com esse fenômeno.
O autor aponta que fantasias de conspiração, além de oferecer explicações simples para problemas assustadores, permitem que as pessoas encontrem um propósito e se sintam parte de uma comunidade. Em outras palavras, proporcionam maravilhamento em um mundo competitivo e individualista.
Neste episódio, Demuru debate a atitude preponderante em boa parte da esquerda hoje —que, por não se desvencilhar do que ele chama de supremacismo da razão, acaba se comportando como uma estraga festa.
Para o pesquisador, recorrer à indignação só funciona até certo ponto: se quiser construir maiorias, a esquerda precisa apostar na esperança, disputar o encanto e usar o entusiasmo para engajar as pessoas.
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