Crônica de política internacional de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris
Os ingleses têm uma expressão original para descrever o momento em que uma situação negativa se agrava: “the plot”, isto é, o enredo, “thickens”, ou seja, engrossa, ou ainda, se complica. A melhor tradução é: “o caldo engrossa”. É o que está acontecendo na Alemanha.
Flávio Aguiar, analista político, de Berlim
Na quarta-feira da semana passada, pela manhã um choque elétrico percorreu todo o continente, inclusive a Alemanha: Donald Trump foi eleito pela segunda vez presidente dos Estados Unidos. Os partidos e políticos de extrema-direita exultaram. Os de centro e de esquerda ficaram em estado de choque. À noite, um novo choque elétrico se espalhou: o chanceler Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD, na sigla alemã), demitiu o ministro das Finanças, Christian Lindner, do FDP (Freie Democratische Partei, usualmente traduzido por Partido Democrático Liberal). Em consequência, a coalizão que formava o governo, chamada de “Semáforo”, devido às cores representativas dos partidos, se desfez. Aquelas cores eram o vermelho (SPD), o amarelo (FDP) e o verde, da Aliança 90/Verdes.
Desde o começo, em 2021, quando Scholz tornou-se o chanceler, a coalizão foi descrita como “instável”. Com três partidos, ela reunia dois descritos na mídia do país, como de “centro-esquerda”, o SPD e os Verdes, e um de “centro-direita”, o FDP. No plano dos direitos humanos ou da política externa não havia grandes divergências entre eles, mas no econômico e administrativo, sim. O SPD e os Verdes queriam investimentos públicos, e Lindner se opunha.
A partir de 2022 a economia alemã entrou em queda livre. A adesão do governo de Berlim às sanções econômicas contra a Rússia e ao apoio militar e financeiro à Ucrânia provocaram de imediato a suspensão do fornecimento de gás por parte da Gazprom, a estatal russa. E o gás russo era vital para a indústria alemã. Ao mesmo tempo, a guerra na Ucrânia provocou o aumento de preço dos insumos e de produtos agrícolas que vinham daquele país (e em menor escala da Rússia), como fertilizantes e o óleo de girassol. Resultado: inflação subindo, sobretudo no custo da energia e dos alimentos, com reflexos na habitação e na saúde, fechamento de indústrias, o consequente aumento das taxas de desemprego, sobretudo entre os jovens, queda no consumo interno e nas importações e exportações.
Efeito imediato: a popularidade do governo despencou. Em sucessivas eleições regionais, SPD, Verdes e o FDP começaram a se sair muito mal. Com as eleições federais previstas para o ano que vem, as oposições de direita começaram a crescer nas intenções de voto. Hoje a União Democrata Cristã (CDU) ocupa o primeiro lugar. O AfD, (de Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, ultrapassou o SPD e está em segundo.
Uma desavença interna roeu as entranhas da coalizão governamental. O SPD e os Verdes desejavam aumentar os investimentos públicos para socorrer a indústria e a agricultura. O FDP bloqueava a iniciativa, aferrando-se ao princípio da austeridade fiscal.
Afinal, na noite de quarta-feira passada o enredo e o caldo engrossaram e a corda rompeu-se. Scholz acusou Lindner de trair a sua confiança, e demitiu-o. Lindner saiu atirando: disse que Scholz levara o país à incerteza. Dois dos outros três ministros do governo que são do FDP se demitiram. O dos Transportes preferiu sair do partido e ficar no governo. Resultado: um ar de Titanic se espalhou pelo governo e pelo país, num momento em que o iceberg Trump aparecia no horizonte.
A Alemanha está com um governo fraco, minoritário, e com uma economia à deriva, beirando o naufrágio. Scholz anunciou a realização de um voto de confiança no Bundestag, o Parlamento Federal, para janeiro de 2025, com a possível antecipação das eleições para março. A CDU e o AfD querem que tudo aconteça ainda antes. A Comissão Eleitoral do país alertou que a preparação do pleito exige tempo, e que o Natal está logo ali, paralisando o país por duas semanas, pelo menos. Em resumo, o caldo engrossou mesmo, e ninguém sabe quando a Alemanha sairá do buraco em que se meteu.
Na contagem regressiva para o dia da eleição, os Estados Unidos vivem uma disputa política intensa, com Trump e Harris representando visões diametralmente opostas. As últimas pesquisas mostram uma corrida acirrada nos principais estados decisivos, evidenciando uma profunda divisão entre os eleitores. Ambas as campanhas estão com força total, promovendo comícios de última hora, endossos de alto nível e mensagens direcionadas para conquistar os sempre indecisos eleitores em estados-chave.
Thiago de Aragão, analista político
As políticas dos candidatos oferecem um contraste marcante, com cada um prometendo reformar os EUA de maneiras que parecem incompatíveis. A abordagem de Trump se baseia em uma visão assertiva, quase nacionalista: tarifas, independência energética através do "perfure, perfure, perfure" e o compromisso de fortalecer as fronteiras dos EUA com deportações sem precedentes.
Seu plano econômico—enraizado na crença de que a autossuficiência americana pode combater a inflação—é um reflexo dos valores conservadores tradicionais. No entanto, sua dependência de tarifas e disposição para cortar impostos em detrimento do déficit federal preocupam críticos, que temem os efeitos econômicos a longo prazo.
Por outro lado, Harris apresenta uma visão voltada para a reforma social e a inclusão. Suas políticas buscam apoiar compradores de primeira casa, enfrentar custos com saúde e reverter leis restritivas de aborto. Harris também adota reformas ambientais, embora equilibrando entre posições progressistas e moderadas—como se vê em seu apoio ao fracking (técnica de produção de gá e petróleo), apesar de sua oposição anterior.
Sua proposta de expandir os créditos fiscais para crianças e restringir a prática de elevação de preços em situações de emergência atrai eleitores de baixa renda, enquanto sua postura sobre os direitos reprodutivos ressoa com aqueles preocupados com o retrocesso do Roe v. Wade, como ficou conhecido o caso que levou a Suprema Corte dos EUA a garantir o direito das mulheres ao aborto.
Mas, além dos contrastes políticos, o clima ao redor da eleição se tornou um estudo de caso sobre a política americana. A campanha de Trump se apropriou de sua imagem como um combatente populista, desafiando a mídia tradicional e confrontando críticos de maneira que alguns chamam de autêntica e outros consideram perigosa. Seus comentários recentes sobre veículos de mídia, vistos como antagonistas, geraram críticas e preocupações sobre os riscos de tal retórica em um ambiente midiático já polarizado.
Enquanto isso, a campanha de Harris manteve o foco nos temas de unidade, mas não evitou pressionar Trump sobre suas controvérsias e, em particular, sobre suas alegações de fraude eleitoral—uma jogada estratégica que agrada sua base, mas eleva o risco caso ocorra alguma agitação pós-eleitoral.
Enquanto ambos os candidatos se aproximam da reta final, seus respectivos representantes pintaram a eleição como uma disputa imprevisível, com cada lado insistindo em um resultado otimista.
Líderes republicanos como o Senador Tim Scott preveem uma vitória republicana, baseados em pesquisas nos estados decisivos que, segundo eles, refletem a forte posição de Trump. Simultaneamente, democratas como o Senador John Fetterman e a Senadora Catherine Cortez Mastro demonstraram confiança no apelo de Harris, especialmente em estados como a Pensilvânia, onde a vice-presidente supostamente investiu um esforço considerável.
A conversa política mais ampla se tornou reflexiva, com comentaristas como Chuck Todd, da NBC, ponderando o possível impacto a longo prazo de uma vitória de Trump sobre a cultura política do Partido Republicano. Preocupações sobre cleptocracia e a natureza transacional da política de Trump refletem os temores de quem vê o risco de o partido se afastar de suas raízes conservadoras.
Da mesma forma, dentro do Partido Democrata, vozes como a de Jen Psaki levantaram questões sobre o impacto de uma derrota de Harris no futuro das mulheres em cargos políticos de destaque, questionando como o resultado poderia moldar a disposição do partido de apoiar candidatas no futuro.
Em uma eleição onde políticas, personalidades e lutas pelo poder estão interligadas, os EUA se encontram em um momento crítico. Com grandes apostas e opiniões divididas, não se trata apenas da escolha entre dois candidatos, mas do que essa escolha diz sobre o rumo que o país quer seguir. Enquanto os últimos anúncios são exibidos, as últimas palavras são ditas e os eleitores se preparam para votar, a verdadeira pergunta talvez seja: o que esta eleição revelará sobre os valores que moldam a sociedade americana?
Enquanto o país prende a respiração, uma verdade é certa: a escolha à frente não é apenas sobre Trump ou Harris. Trata-se do futuro de uma América cada vez mais dividida entre visões, valores e verdade. E, em dois dias, veremos qual visão ressoa mais.
Além das duas principais guerras em curso, a na Ucrânia e a no Oriente Médio, durante a semana passada o noticiário e os comentários na mídia internacional ocuparam-se significativamente com a reunião de cúpula dos Brics em Kazan, na Rússia, sob a presidência do governo de Moscou.
Flavio Aguiar, analista político
Para além das declarações de praxe contidas no documento conjunto final, falando em paz, manifestando preocupações humanitárias sobre Gaza e a Cisjordânia, condenando a expansão regional do conflito no Oriente Médio por parte de Israel, sugerindo a construção de uma nova ordem econômica mundial, a reunião deixou como saldo algumas evidências muito significativas.
A primeira é que a Rússia não está tão isolada quanto os Estados Unidos e seus aliados gostariam que estivesse. Aliás, ela pode estar isolada em relação aos países do “Ocidente ampliado”, mas fora deste círculo as sanções contra ela não encontram apoio.
A segunda é que cresceu bastante o interesse por parte de outros países em entrar ou se manter próximos ao grupo. Além dos quatro países fundadores do grupo, Brasil, Rússia, Índia e China, e da África do Sul que nele foi admitida em 2010, os Brics agora incluem como membros plenos ou convidados nesta qualidade mais 5 países: Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Irã.
E há dezenas de países interessados em ingressar ou se associar ao grupo, com destaque para a Turquia, que é membro da OTAN, organização que apoia a Ucrânia contra a Rússia, e da Sérvia, que também está se candidatando a entrar para a União Europeia, que tem a mesma posição da OTAN naquela guerra.
A cúpula deste ano convidou mais 13 países a integrar o grupo na condição de Estados Parceiros, isto é, sem direito a veto nem voto, entre eles Cuba e Bolívia, Nigéria e Uganda, Tailândia e Vietnã, além da Turquia.
Ficou também evidente a força da posição brasileira no grupo. Rússia e China manifestaram desejo de incluir a Venezuela no convite. O Brasil vetou e os demais países aceitaram este veto sem reclamação. A posição do governo brasileiro é controversa mesmo entre seus apoiadores.
O fato é que Brasília e Caracas já vinham trocando farpas diplomáticas há algum tempo. O Brasil ainda não reconheceu a reeleição de Nicolás Maduro na presidência, alegando que as atas eleitorais não vieram a público. E o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, acusou o presidente Lula de “ser um agente da CIA”, embora o Ministério de Relações Exteriores venezuelano tenha desmentido a acusação.
O interesse mundial pelo projeto dos Brics cresceu muito desde que os Estados Unidos e seus aliados próximos, como a União Europeia, começaram a utilizar o sistema internacional de pagamentos e de reservas financeiras em dólares norte-americanos para punir quem considerem adversários ou inimigos através de sanções econômicas, como no caso da Rússia.
Esta teve reservas internacionais congeladas e reaplicadas no mercado financeiro pelos agentes que as detêm, para seus dividendos servirem como garantia a empréstimos à sua inimiga, a Ucrânia. A insegurança gerada pela guerra na Ucrânia e pelo conflito no Oriente Médio também contribuiu para acrescer o interesse pelos projetos dos Brics.
Um dos projetos centrais dos Brics é a criação de um sistema paralelo, independente do dólar, para as transações internacionais dos países membros e outros. Isto é um claro desafio à hegemonia financeira mundial dos Estados Unidos e de seus aliados próximos, mantida através da hegemonia do dólar como meio de pagamento desde a conferência de Bretton Woods, em 1944, que também criou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Ao mesmo tempo, é um desafio para o próprio grupo dos Brics, pois a criação de um sistema paralelo demanda uma engenharia financeira de grande monta e de longo prazo.
Embora a hegemonia do dólar submeta o sistema financeiro aos Estados Unidos, que emite a moeda, e seus aliados próximos do Ocidente, ela garante uma certa estabilidade nas transações internacionais que, de outro modo, estariam sujeitas às inúmeras variações cambiais das outras moedas nacionais.
O sucesso deste projeto dos Brics depende, portanto, da construção de um meio de pagamento alternativo, mesmo que seja inteiramente virtual, reconhecido por todos os interessados. Não teria sentido substituir a hegemonia do dólar pela de uma outra moeda nacional, como o renmimbi chinês, muitas vezes chamado pela nome de sua unidade, yuan, de pronúncia mais fácil.
A criação, emissão e administração desta moeda ou meio de pagamento virtual, que não substituiria as moedas nacionais, mas correria paralelamente a elas, como faz o dólar norte-americano, caberia ao Banco dos Brics, hoje presidido pela ex-presidenta Dilma Rousseff ou a um outro organismo especialmente criado para este fim.
Dada a heterogeneidade dos países membros e/ou na mira dos Brics, esta tarefa não será de fácil execução. Esta heterogeneidade é o ponto forte do projeto Brics, apontando para um mundo de fato multipolar. Mas é também um ponto frágil, exigindo, mais do que uma engenharia financeira, uma arquitetura política de grande sofisticação. A ver.
A recente revelação de que tropas norte-coreanas estão sendo enviadas para lutar ao lado da Rússia na Ucrânia marca um ponto crítico no conflito em curso, despertando preocupações em todo o mundo. Segundo o Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul, aproximadamente 1.500 soldados norte-coreanos já chegaram à Rússia, e há relatos de que esse número pode aumentar significativamente. Com isso, Seul convocou o embaixador russo nesta segunda-feira (21) a fim de denunciar a decisão de Pyongyang, segundo o Ministério das Relações Exteriores.
Thiago de Aragão, analista político
Por sua vez, o embaixador Georgy Zinoviev, durante sua reunião com as autoridades diplomáticas sul-coreanas, “enfatizou que a cooperação entre a Rússia e a Coreia do Norte é conduzida dentro da estrutura do direito internacional e não é dirigida contra os interesses de segurança da República da Coreia”.
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, anunciou na manhã desta segunda-feira que chegará a Kiev, onde demonstrará o apoio dos EUA e terá reuniões com autoridades ucranianas de alto escalão. O chefe do Pentágono também deve conversar com o presidente Volodymyr Zelensky e com o ministro da Defesa da Ucrânia, Rustem Umerov. Espera-se que eles discutam o pedido de adesão da Ucrânia à Otan, o primeiro ponto do “plano de vitória” do presidente Zelensky.
Esse desenvolvimento, se confirmado, pode desestabilizar ainda mais a já volátil situação no Leste Europeu e sinaliza uma mudança geopolítica mais profunda, que lembra as alianças da Guerra Fria. Historicamente, o envolvimento de nações externas em conflitos costuma marcar um ponto de virada.
Um paralelo pode ser traçado com a Guerra da Coreia (1950-1953), quando a Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética e pela China, travou um conflito prolongado e sangrento com a Coreia do Sul, que foi apoiada pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais. Aquela guerra, enraizada em divisões ideológicas, preparou o terreno para décadas de tensão geopolítica entre o Oriente e o Ocidente, com a Coreia como o ponto de discórdia.
Hoje, em uma reversão surpreendente, o envolvimento da Coreia do Norte na Ucrânia pode ser visto como uma nova extensão dessas dinâmicas históricas da Guerra Fria. As ramificações dessa aliança entre a Rússia e a Coreia do Norte são profundas. Não apenas sinaliza uma escalada no conflito, mas também destaca a crescente cooperação entre regimes autoritários que se sentem cada vez mais acuados pelas sanções ocidentais e pela pressão militar.
Para a Rússia, que tem enfrentado escassez de mão de obra e de suprimentos, as tropas e munições norte-coreanas podem fornecer um reforço necessário. Relatos sugerem que a Coreia do Norte tem oferecido à Rússia quantidades significativas de equipamentos militares, incluindo projéteis e mísseis, que foram recuperados na Ucrânia. Essa assistência militar surge em um momento em que as nações ocidentais estão intensificando o apoio à Ucrânia, criando uma situação assustadoramente semelhante às guerras por procuração da era da Guerra Fria.
No entanto, o envolvimento de soldados norte-coreanos apresenta desafios significativos para a Rússia. Integrar tropas estrangeiras a uma força militar exige mais do que apenas fornecer armas; requer coordenação, treinamento e a capacidade de superar barreiras linguísticas. O exército norte-coreano, embora altamente disciplinado, não participa de operações de combate em larga escala há décadas.
A possibilidade de falhas de comunicação e logísticas é alta, o que pode limitar a eficácia dessas tropas na linha de frente. Alguns especialistas sugerem que as forças norte-coreanas podem ser relegadas a funções de guarda nas seções da fronteira russo-ucraniana, em vez de participarem de combates ativos. No entanto, a importância simbólica desse desenvolvimento não pode ser subestimada.
A decisão da Coreia do Norte de enviar tropas reflete uma mudança mais ampla na estrutura de poder global, onde nações antes consideradas isoladas ou periféricas estão agora se tornando peças-chave em conflitos internacionais. A crescente aliança entre Rússia, Coreia do Norte, e até mesmo China e Irã sugere um realinhamento potencial das forças globais que pode remodelar as relações internacionais nos próximos anos. Também é preciso considerar as implicações para a Coreia do Sul e seus aliados ocidentais.
O presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, já classificou o envolvimento da Coreia do Norte como uma “grave ameaça à segurança”, e com razão. A possibilidade de que o engajamento militar da Coreia do Norte na Ucrânia possa aumentar as tensões na Península Coreana não pode ser descartada. Historicamente, a Coreia do Norte tem usado conflitos externos para fortalecer sua legitimidade interna e demonstrar seu poder militar.
Ao alinhar-se com a Rússia, a Coreia do Norte pode estar buscando solidificar seu status como um jogador global, aumentando assim sua influência em futuras negociações com o Ocidente. A comunidade internacional deve responder de forma rápida e decisiva. Se as tropas norte-coreanas de fato estiverem lutando na Ucrânia, isso representaria uma perigosa escalada do conflito.
A Ucrânia, já devastada por anos de guerra, pode encontrar-se enfrentando não apenas a agressão russa, mas também uma nova onda de soldados estrangeiros, complicando ainda mais sua estratégia de defesa. As nações ocidentais, incluindo os Estados Unidos e a Otan, precisarão reavaliar sua abordagem ao conflito, considerando as implicações mais amplas de uma guerra multinacional envolvendo não apenas a Rússia, mas seus aliados cada vez mais próximos na Ásia.
O envio de tropas norte-coreanas para a Ucrânia, pode marcar um novo e perigoso capítulo na guerra. Esse movimento não apenas destaca o crescente desespero das forças russas, mas também reflete as alianças em mudança no cenário internacional. Como a história tem mostrado, a intervenção externa em conflitos pode prolongar e agravar a violência, transformando disputas regionais em crises globais. O mundo deve estar atento a esses desenvolvimentos e agir com urgência para evitar que o conflito na Ucrânia se descontrole ainda mais.
Recentemente, o economista e pesquisador ligado ao Deutsche Zentral-Genossenschafts Bank (DZ-Bank), Christoph Swonke, declarou que a Alemanha se tornou “a nova criança-problema entre os países europeus”. Ou seja: para ele, a economia alemã está deixando de ser o carro-chefe da economia europeia, para atravancá-la com seus problemas internos.
Flávio Aguiar, analista político
Na quarta-feira (9), o ministro da Economia e vice-chanceler do governo alemão, Robert Habeck, do Partido Verde, declarou que pelo segundo ano consecutivo a economia do país iria se retrair. Em 2023 ela encolheu 0,3%. Agora a previsão é de que em 2024 ela encolha mais 0,2%.
Diante da situação interna adversa, com aumento do custo da energia, dos alimentos, queda no consumo, falta de investimentos, empresas alemãs estão se voltando para o exterior em busca de socorro, às custas de seus ativos. A Deutsche Bahn, empresa ferroviária alemã e outrora uma das meninas-dos-olhos do transporte europeu, enfrenta dificuldades de caixa e desempenho. Em consequência, decidiu vender sua subsidiária de cargas, a rentável Schenker, para a dinamarquesa DSV, por 14 bilhões de euros (cerca de R$ 85 bi), a fim de equilibrar seu caixa.
O Comerzbank, segundo maior banco privado do país, vendeu parte de seus ativos para o banco italiano Unicredit. Este manifestou interesse em adquirir todo o banco alemão, e o Banco Central Europeu já deu luz verde para esta possível transação.
Outras empresas estão pensando em buscar locações mais atraentes. A indústria química BASF decidiu investir € 10 bilhões para montar uma unidade na China. Os proprietários suíços da empresa Techem, do setor energético, considerada de médio porte, pensam vendê-la para a norte-americana TPG.
A tradicional Volkswagen anunciou que pretende fechar unidades de produção, em parte devido à concorrência dos carros chineses, e rompeu um acordo salarial com o sindicato de trabalhadores que durava 30 anos, protegendo empregos e salários.
Um problema suplementar surgiu com a decisão alemã de romper parcial e temporariamente com o chamado acordo de Shengen, restabelecendo o controle policial de passaportes e veículos em suas fronteiras terrestres. Empresários cujas empresas localizam-se perto da fronteira com a Polônia e empregam trabalhadores deste país dizem estar apreensivos pela dificuldade de circulação que isto provoca.
Como a Alemanha ainda é a maior economia do continente, e a principal importadora e exportadora de produtos, seus problemas internos atingem toda a Europa. O clima geral é de apreensão e expectativa negativa para os próximos tempos.
Para amenizar a situação, o ministro Habeck previu que a Alemanha voltará a crescer a partir do próximo ano, anunciando a adoção de medidas desburocratizantes na relação entre governo e empresas e a busca de um novo programa de geração de energia elétrica considerado climaticamente neutro.
Mas as dificuldades não são pequenas. Desde 1980, sucessivos governos anunciam a intenção de desburocratizar a rotina desta relação, com resultados considerados insatisfatórios.
Além disto, o clima geral dos mercados mundiais de comércio, finanças e investimentos produtivos também é de apreensão e cautela, devido à guerra na Ucrânia e aos confrontos no Oriente Médio, com a ação armada de Israel se expandindo na região.
Por fim, mas não menos importante, grupos ecológicos manifestam grave preocupação diante das, crescentes resistências, por parte de empresários do setor industrial e de produtores agrícolas, em relação às iniciativas verdes, consideradas pouco rentáveis e prejudiciais diante da concorrência estrangeira. A Alemanha e a Europa como um todo podem passar de líderes no setor a novas "crianças-problemas" no que diz respeito à preservação do planeta.
Os EUA historicamente mantiveram fortes relações bilaterais com Israel, baseadas em interesses estratégicos compartilhados, colaboração militar e um compromisso com a segurança de Israel na volátil região do Oriente Médio.
Thiago de Aragão, analista político
No conflito atual, a política dos EUA continua a afirmar o direito de Israel à autodefesa, enquanto defende esforços para minimizar as baixas civis. Esse apoio está alinhado com as posições de longa data dos EUA, apesar da crescente pressão global e doméstica para lidar com as preocupações humanitárias.
A ajuda militar dos EUA a Israel, incluindo o sistema de defesa antimísseis Iron Dome, desempenhou um papel crucial na proteção dos civis israelenses contra os ataques de foguetes do Hamas. Os EUA também forneceram apoio de inteligência e diplomático a Israel, promovendo iniciativas para restaurar a estabilidade e evitar a escalada regional.
Ao mesmo tempo que apoia a segurança de Israel, os EUA têm tentado mitigar a crise humanitária em Gaza. Essa abordagem dupla busca respeitar o direito humanitário internacional, garantindo que a ajuda chegue aos civis palestinos sem beneficiar o Hamas.
A administração Biden tem enfrentado o desafio de equilibrar o firme apoio a Israel com a crescente crítica de organizações internacionais e de alguns setores internos em relação ao impacto humanitário das operações militares israelenses em Gaza.
Diplomaticamente, os EUA continuam a trabalhar com atores regionais, como Egito e Catar, para mediar cessar-fogos e manter canais para a entrega de ajuda humanitária.
Os EUA oficialmente designam o Hamas como uma organização terrorista. Como tal, a política dos EUA rejeita qualquer envolvimento direto com o Hamas, enquadrando-o como uma força desestabilizadora não apenas para Israel, mas para todo o Oriente Médio.
No entanto, os EUA reconhecem as complexidades da influência do Hamas nos territórios palestinos, particularmente sua posição entrincheirada em Gaza.
Embora apoiem os esforços militares de Israel para degradar as capacidades operacionais do Hamas, as autoridades dos EUA alertaram contra ações que possam levar a uma ocupação de longo prazo de Gaza, enfatizando que apenas soluções militares não resolverão o conflito mais amplo entre israelenses e palestinos.
Os EUA estão cientes do potencial de escalada do conflito para uma guerra regional mais ampla, especialmente envolvendo o Irã, o Hezbollah e outros atores não-estatais simpáticos ao Hamas. Assim, a política dos EUA inclui engajamentos diplomáticos para evitar o transbordamento do conflito para o Líbano e além.
Além disso, os EUA têm coordenado de perto com seus aliados europeus, buscando uma resposta internacional unificada para desescalar as tensões. O foco permanece em manter a vantagem militar de Israel enquanto se defende por uma estabilidade de longo prazo na região.
Internamente, a política dos EUA em relação a Israel e ao Hamas continua sendo uma questão divisiva, com facções dentro do espectro político expressando diferentes graus de apoio às ações militares de Israel ou aos direitos dos palestinos.
A administração Biden tem enfrentado críticas tanto de defensores pró-Israel, que pedem um apoio militar mais forte, quanto de vozes progressistas que defendem contenção e um foco nos direitos humanos.
O conflito entre Israel e o Hamas também pode ter implicações significativas nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. A postura da administração Biden em relação ao conflito pode influenciar o eleitorado, especialmente entre os eleitores democratas mais progressistas, que criticam o forte apoio militar a Israel e pedem mais atenção às questões humanitárias.
Por outro lado, os eleitores republicanos, em sua maioria, têm apoiado a firme defesa de Israel, o que pode reforçar a divisão entre os eleitores dos dois partidos.
A maneira como o governo lida com a crise no Oriente Médio pode se tornar um ponto central de debate durante a campanha presidencial, com os candidatos sendo pressionados a apresentar suas visões sobre o papel dos EUA no conflito e na estabilidade da região.
No dia seguinte à vitória da extrema direita na Áustria, começaram nesta segunda-feira (30) as negociações para a formação de uma coligação, mas o projeto encontra resistência em razão da personalidade do líder do Partido da liberdade (FPÖ). Projeções divulgadas na noite de domingo (29) apontam para a vitória da legenda com um resultado histórico. Para integrar o governo, porém, a extrema direita depende de uma coalizão e o seu líder, o controverso Herbert Kickl, corre o risco de ser excluído do poder. Mesmo que o FPÖ ainda dependa de alianças para se aproximar do poder, o resultado das urnas na Áustria mostra um movimento mais amplo, com partidos radicais que ganham cada vez mais espaço na Europa.
Em quase toda a Europa os partidos de extrema direita vêm crescendo em percentual de votos de eleição em eleição.
Na Itália a extrema direita está no poder, com o governo de Giorga Meloni e seu partido, o Fratelli d’Italia.
Na França, o Rassemblement National, liderado por Marine Le Pen, só não cresceu mais na última eleição antecipada para o Parlamento devido a uma manobra conjunta da Nova Frente Popular, das esquerdas, e de setores do partido Renaissance, do presidente Emmanuel Macron. A NFP e o partido de Macron fizeram frente comum em vários departamentos em favor do candidato que tivesse melhores condições para derrotar o Rassemblement.
Na Alemanha o Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, cresceu significativamente nas recentes eleições regionais em três províncias alemãs. Foi mais votado na Turíngia e o segundo mais votado na Saxônia-Anhalt e em Brandemburgo, a província que circunda Berlim, assim como o estado de Goiás circunda Brasília.
Entretanto o maior impacto que este crescimento da extrema direita produz nestes países e no continente não está no sucesso, mesmo que parcial, nas votações. Até o momento os demais partidos de todo o espectro político, das direitas tradicionais ao centro e às esquerdas têm se recusado a fazer coalizão com a extrema direita para governar.
O maior impacto provocado pelos partidos de extrema direita é o de puxar a pauta política de quase todos os outros partidos mais para a direita, sobretudo no que se refere aos preconceitos contra refugiados e imigrantes.
Por exemplo, na Alemanha o tradicional partido de esquerda, Die Linke, rachou. Uma de suas principais lideranças, a deputada federal Sarah Wagenknecht, formou um novo partido com seu nome. E no que se refere ao tema da imigração e dos refugiados se aproximou da pauta da direita, defendendo um maior controle nesta área para evitar o rebaixamento dos salários e direitos dos trabalhadores alemães. Teve sucesso, saindo-se bem naquelas eleições regionais antes mencionadas.
Na França o presidente Emmanuel Macron se recusou a formar um novo governo com a Nova Frente Popular, que foi a mais votada nas eleições parlamentares, e nomeou um primeiro-ministro da direita tradicional, Michel Barnier, do partido Les Republicains (Os Republicanos), conhecido por suas posições em favor de mais restrições para a imigração. O novo ministro do Interior, Bruno Retailleau, conhecido como um político de direita linha dura, anunciou que seu programa é “ter mais ordem, mais ordem nas ruas e mais ordem nas fronteiras”.
Entretanto, o movimento de maior impacto nestas guinadas para a direita veio do governo alemão. Este anunciou que está retomando temporariamente o controle sobre suas fronteiras terrestres com os países vizinhos para conter os imigrantes e refugiados que, a partir destes, tentam se mudar para a Alemanha.
Na maior parte da Europa vige um acordo que estabelece a chamada Área de Schengen, prevendo a livre circulação de pessoas e veículos entre os seus países membros. Este acordo começou a ser costurado em 1985, quando cinco dos dez países que então compunham a Comunidade Econômica Europeia: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Holanda e Luxemburgo concordaram em facilitar o trânsito através de suas fronteiras. O acordo foi assinado na cidade de Schengen, em Luxemburgo, que o batizou. Posteriormente, novos acordos e admissões entraram em vigor, em 1990, mais uma vez com assinatura em Schengen, e em 1999, em Amsterdã, na Holanda. Por este último acordo, a Área de Schengen foi reconhecida como lei internacional pela União Europeia, fazendo com que ele passasse a ser um de seus pilares de sustentação.
A medida alemã provocou reações negativas imediatas não só nos países vizinhos, mas no continente todo. Teme-se que a vigência da medida se amplie e provoque medidas semelhantes, de retaliação, em outros países, pondo em risco a existência da Área de Schengen e por tabela a própria União Europeia, pelo menos no seu formato atual.
A existência da União sempre foi motivo de críticas por parte dos partidos de extrema direita. Mais recentemente a maioria destes partidos deixou de reivindicar o fim da União. Mas eles continuam a reivindicar a modificação do seu estatuto, em favor de um reforço das soberanias nacionais. E um dos motivos centrais destas reivindicações é o maior controle e até mesmo a repulsa a refugiados e imigrantes, sobretudo àqueles que venham do chamado Sul do mundo, ou dos países muçulmanos. O anúncio do governo alemão é visto como uma concessão diante de tais pressões.
Como isto vai afetar a União é algo para se verificar no futuro. O risco de afetar seriamente seu estatuto não é imediato, mas não é desprezível, sobretudo num momento em que, devido à guerra na Ucrânia, crescem as inquietações sociais e econômicas em todo o continente, com guinadas à direita de muitos de seus eleitores e um retorno da valorização das atividades e investimentos militares, com vários países reforçando seus arsenais de guerra e com os Estados Unidos anunciando a reinstalação de mísseis e ogivas nucleares na Europa, além da Rússia estar anunciando mudanças em sua política em relação à contenção das armas nucleares.
Em matéria de militarismos o currículo passado da Europa não é dos melhores, sendo que a União Europeia, em parte, foi concebida depois da Segunda Guerra como um antídoto contra o risco de tais conflitos.
A eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos está se mostrando a mais acirrada do século, possivelmente a mais disputada dos últimos 60 anos. Após o debate de 10 de setembro entre Donald Trump e Kamala Harris, as pesquisas indicam uma leve vantagem nacional para a vice-presidente, mas a margem é tão estreita que ainda é impossível prever um vencedor, especialmente considerando o Colégio Eleitoral.
Thiago de Aragão, analista político
As pesquisas divulgadas no último domingo pela CBS News e NBC News foram algumas das mais favoráveis a Harris até o momento, mostrando-a à frente de Trump por 4 e 5 pontos, respectivamente. No entanto, mesmo esses números estão dentro da margem de erro e são significativamente menores do que as vantagens que os candidatos democratas tiveram em 2016 e 2020 nas mesmas fases da campanha. Isso evidencia a dificuldade que Harris enfrenta para consolidar uma liderança clara nas pesquisas nacionais.
Analisando todas as pesquisas nacionais conduzidas desde o debate – incluindo ABC News/Ipsos, Fox News e The New York Times/Siena College – a média mostra Harris liderando por apenas 3 pontos, de acordo com a mais recente CNN Poll of Polls. Esse padrão tem se mantido durante todo o ano, com nenhum dos candidatos abrindo uma vantagem superior a 5 pontos. O fato de nenhum candidato ter liderado por pelo menos 5 pontos neste ciclo é notável, indicando que os eleitores estão altamente polarizados e firmes em suas escolhas.
O que torna essa eleição particularmente imprevisível é a dinâmica do Colégio Eleitoral. Trump tende a ter uma posição mais favorável nesse sistema devido à distribuição geográfica de seus eleitores, especialmente entre os brancos sem diploma universitário, que são super-representados em estados decisivos. Estimativas sugerem que Harris precisaria vencer o voto popular por mais de 3 pontos para ser considerada favorita no Colégio Eleitoral, um patamar que ela ainda não alcançou.
De acordo com as avaliações atuais da CNN, Harris começa com 225 votos eleitorais contra 219 de Trump, com sete estados e um distrito no Nebraska ainda em disputa. Harris parece ter uma ligeira vantagem em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, enquanto Trump está um pouco à frente no Arizona e na Geórgia. No entanto, em todos esses estados, a diferença média é de apenas 1 a 2 pontos, colocando-os bem dentro da margem de erro.
Kamala Harris tem adotado uma estratégia multifacetada para tentar superar esses desafios. Diferentemente de Joe Biden em 2020, que frequentemente retratava Trump como uma ameaça direta à democracia, Harris está optando por uma abordagem que busca diminuir Trump aos olhos do público ao mesmo tempo em que alerta sobre os perigos reais de suas políticas. Ela enfatiza tanto o aspecto "não sério" de Trump – destacando suas declarações controversas e comportamentos erráticos – quanto os riscos concretos que sua eleição poderia representar.
Assessores e estrategistas da campanha de Kamala explicam que essa abordagem reflete a percepção dos eleitores: eles veem Trump como um indivíduo que não é sério, mas reconhecem a seriedade das consequências de uma possível reeleição do republicano. Harris utiliza momentos estratégicos, como debates e entrevistas, para destacar essas dualidades, tentando criar um contraste nítido entre sua competência e o comportamento de Trump.
Além disso, Harris está investindo fortemente em ampliar seu alcance, especialmente entre os eleitores jovens e do sexo masculino, grupos nos quais ela tem enfrentado desafios conforme apontado pelas pesquisas. Reconhecendo a necessidade de se conectar com esses eleitores, a campanha planeja diversificar suas aparições na mídia, incluindo participações em programas e plataformas que tradicionalmente não são frequentados por candidatos democratas. Essa estratégia visa quebrar barreiras e conquistar segmentos do eleitorado que podem ser decisivos nos estados-chave.
Outro elemento central da estratégia de Harris é a necessidade de se apresentar ao eleitorado de forma mais pessoal e autêntica. Diferentemente de Biden, que já tinha um reconhecimento significativo antes de sua candidatura, Harris ainda está se apresentando a muitos americanos. A campanha reconhece que, à medida que mais pessoas conhecem sua história e suas propostas, sua popularidade tende a crescer. Nesse sentido, Harris tem enfatizado sua origem de classe média e sua trajetória como filha de mãe trabalhadora. Ao compartilhar suas experiências pessoais, ela busca criar conexões emocionais com eleitores que se sentem desconectados da política tradicional.
Os desafios, porém, são significativos. A estreita margem nas pesquisas, combinada com a possibilidade de erros históricos nas previsões – como ocorreu em 2016 e 2020 –, significa que nada está garantido. A campanha de Harris está ciente de que precisa não apenas manter sua base de eleitores, mas também persuadir os indecisos e talvez até conquistar alguns eleitores que tradicionalmente votam nos republicanos.
Eventos recentes, como revelações controversas sobre figuras políticas alinhadas a Trump, podem influenciar a percepção pública e oferecer oportunidades para Harris fortalecer sua posição nos estados-chave. A campanha está atenta a essas dinâmicas e pretende aproveitá-las ao máximo.
A eleição presidencial de 2024 é, sem dúvida, uma das mais intensas e imprevisíveis da história recente dos Estados Unidos. Com os candidatos empatados nas pesquisas e cada voto potencialmente decisivo, as próximas semanas serão cruciais. Kamala Harris está adotando uma estratégia que combina crítica contundente a Donald Trump com esforços para ampliar seu apelo junto a diversos segmentos do eleitorado. Sua capacidade de se conectar com os eleitores, apresentar propostas claras e aproveitar as oportunidades que surgirem poderá ser determinante para o resultado final.
Independentemente do resultado, esta eleição servirá como um estudo de caso sobre a eficácia das estratégias de campanha em um ambiente político altamente polarizado e sobre a importância dos estados-chave no sistema eleitoral americano. A trajetória de Kamala Harris e sua abordagem inovadora podem redefinir as estratégias políticas futuras e oferecer insights valiosos sobre como conquistar o eleitorado em tempos de intensa divisão política.
Será a Alemanha uma ameaça para o restante da Europa? Calma: não estou falando de uma guerra, embora graças ao conflito na Ucrânia muitos países do continente, inclusive a Alemanha, estejam aumentando seus orçamentos militares. Estou falando de um outro campo de batalha: a economia.
Flavio Aguiar, analista político, de Berlim para a RFI
Na semana passada uma parte de uma das principais pontes da cidade de Dresden, na província da Saxônia, quebrou-se durante a madrugada e desabou no rio Elba. Equipes de engenharia passaram o fim de semana trabalhando febrilmente para remover os destroços, pois teme-se uma inundação com a cheia do rio, graças a intensas chuvas e neve precoce em sua cabeceira e sobre alguns de seus afluentes.
Ouvi no rádio o comentário de um economista dizendo que esta era uma metáfora perfeita para a economia alemã. Esta vem desabando e a queda vem provocando um efeito cascata no continente, devido ao fato de que muitos outros países dependem das importações da e exportações para a Alemanha, cuja economia ainda é a mais forte da Europa.
Depois de um longo período de prosperidade no começo do século XXI, os problemas da economia alemã começaram com a pandemia da COVID-19, que afetou seriamente o comércio, os serviços e os transportes. De início pequenos e médios estabelecimentos fecharam suas portas e, em seguida, a crise chegou às grandes lojas de departamentos. Para complicar mais a situação, uma parte dos consumidores acostumou-se a fazer compras pela internet. Os efeitos mais dramáticos da pandemia passaram, mas o hábito de comprar à distância não.
Até hoje grandes lojas estão fechando filiais pelo país afora. A situação se agravou com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A Alemanha aderiu ao fornecimento de armas, ao apoio financeiro ao governo de Kiev e às sanções econômicas contra a Rússia. Os gasodutos Nord Stream 1 e 2, este último em construção, que traziam o gás russo para a Alemanha foram sabotados em setembro de 2022, num episódio até hoje não esclarecido. Em consequência de todo este processo, o fornecimento do gás russo foi interrompido bruscamente, atingindo seriamente a indústria alemã, que começou a encolher.
Insumos agrícolas que vinham da Ucrânia também foram prejudicados pela guerra. O custo da energia subiu vertiginosamente, o dos alimentos também. A economia alemã se retraiu e o país se encontra agora à beira do abismo de uma recessão prolongada.
Segundo Franciska Palma, analista da londrina Capital Economics, a queda na economia alemã começou em 2018 e se agravou a partir de 2020 e depois de 2022, e não há sinais de pronta recuperação. Em 2023, a economia do país caiu em 0,3%. A previsão para 2024 é de crescimento zero. Apesar dos esforços do governo, a situação não deve melhorar em 2025.
Para responder à crise, Berlim deseja promover a biotecnologia, as tecnologias verdes, a Inteligência Artificial e as indústrias da defesa, isto é, militares. Mas está amarrado pelo princípio de que a dívida pública, ou déficit orçamentário, não pode ultrapassar os 0,35% do Produto Interno Bruto (PIB).
Houve uma queda de braço interna à coalizão do governo, formada pelo SPD socialdemocrata, os Verdes e o liberal FDP (de Freie Demokratische Partei). Os Verdes e o SPD queriam aumentar o percentual da dívida pública em relação ao PIB, mas o FDP fechou questão e ganhou a parada: só permaneceria no governo se os 0,35% fossem mantidos.
O resultado de tudo é que a Alemanha entrou num processo acelerado de desindustrialização, arrastando consigo o continente todo. De julho de 2023 a julho de 2024 a produção industrial alemã caiu em 5,45%, índice superado apenas pela queda do setor na Hungria ( -6,4%) e na Estônia ( -5,8%). O recuo global foi de 2,2% na Zona do Euro e de 1,7% na União Europeia.
Um sinal agudo da crise apareceu na Volkswagen, empresa culturalmente ligada à identidade alemã. Acossada também pela queda nas importações chinesas e pela concorrência deste país dentro da Europa, pela primeira vez em seus quase 90 anos de existência a empresa anunciou a disposição de fechar unidades de produção para equilibrar as contas. A montadora também anunciou a decisão de romper um acordo trabalhista de 30 anos com o sindicato dos trabalhadores, que protege salários e empregos. Como o sindicato tem uma forte representação no Conselho Diretor da empresa, a batalha promete ser dura. Como também a luta pela recuperação e pelo equilíbrio na economia alemã e europeia promete ser tenaz e longa.
No que promete ser um dos confrontos mais intensos e inesperados da política americana, Donald Trump e Kamala Harris vão finalmente se enfrentar. Com o cenário montado no National Constitution Center, na Filadélfia, a expectativa é alta, não só pelo histórico dos dois candidatos, mas também pelas circunstâncias inusitadas que colocaram Harris na disputa. E se depender do eleitorado, o entusiasmo não poderia ser maior.
Thiago de Aragão, analista político
Há menos de dois meses para as eleições, Harris conseguiu algo que parecia impossível: reverter a vantagem confortável de Trump nas pesquisas após a saída de Joe Biden da corrida presidencial. O atual chefe da Casa Branca, que viu sua campanha desmoronar depois de uma performance desastrosa no debate anterior, passou o bastão para sua vice, mudando completamente o rumo da disputa. Em menos de dois meses, ela foi capaz de transformar um cenário sombrio em uma eleição acirrada.
Mas o que está em jogo no próximo debate? E será que Harris, com sua trajetória de promotora, vai conseguir confrontar o ex-presidente no palco?
A primeira grande polêmica envolve a ausência de microfones abertos. Harris, cuja habilidade de argumentação afiou nos tribunais, claramente favorece debates com interações mais diretas, e sua campanha já expressou insatisfação com o formato escolhido. Em uma carta enviada à ABC, o time de Harris deixou claro que o formato sem microfones abertos colocaria a vice-presidente em desvantagem, evitando que Trump seja confrontado diretamente.
Por outro lado, o time de Trump se mostrou confiante, aceitando as regras impostas pela ABC sem grandes questionamentos. Seria essa a tática de Trump para se esquivar das investidas mais contundentes de Harris? Ele, afinal, tem um histórico de usar interrupções e ataques diretos como estratégia, e a ausência de microfones abertos pode limitar esse estilo combativo.
Embora Harris tenha conseguido recuperar pontos nas pesquisas, muitos de seus aliados ainda a consideram a “zebra” neste debate. E com razão. Afinal, Trump tem mais experiência em debates gerais – essa será sua sétima vez em um palco presidencial. Sua equipe, no entanto, parece ter adotado uma abordagem mais tranquila em relação à preparação. O ex-presidente decidiu não utilizar um “sparring” para simular o estilo de Harris, preferindo o seu infame “policy time,” em que ele discute políticas de forma informal com assessores.
Já o lado de Harris não deixou nada ao acaso. Sua equipe de preparadores inclui veteranos do Partido Democrata, como Rohini Kosoglu e Karen Dunn. Além disso, ela teve a vantagem de contar com conselhos de peso, como os do próprio Biden e de Hillary Clinton, os únicos dois democratas a enfrentarem Trump diretamente. A pergunta que fica no ar é: será que toda essa preparação vai fazer frente ao estilo imprevisível de Trump?
Uma das maiores cartas de Trump é sua capacidade de capitalizar em temas econômicos e de imigração, áreas nas quais ele, historicamente, teve vantagem sobre Biden. O desafio de Harris será distanciar-se das falhas da administração Biden e convencer o eleitorado de que ela representa uma alternativa melhor. A boa notícia para a vice-presidente é que suas medidas centristas, como sua promessa de combater os gigantes dos supermercados, têm encontrado ressonância entre eleitores preocupados com a alta dos preços.
Mas, ao mesmo tempo, Trump não se cansa de tentar associar Harris às políticas impopulares de Biden, como a retirada caótica das tropas americanas do Afeganistão. Sua tática será tentar fazer com que Harris “carregue” os erros da administração anterior, mesmo que Biden fosse o presidente na época.
No entanto, Harris não vai deixar essa narrativa se solidificar facilmente. Ela já atacou Trump por transformar o que deveria ser um tributo aos soldados americanos mortos no Afeganistão em um “espetáculo político,” depois que o ex-presidente gravou vídeos de campanha em um cemitério militar. Essa troca de farpas será provavelmente intensificada no debate.
Outro ponto sensível será a forma como Trump abordará Harris no palco. Seus assessores já demonstraram preocupação de que o estilo agressivo de Trump pode soar mal quando confrontado com uma mulher. Em 2020, Harris mostrou que sabe se defender em situações como essa. Quem não se lembra de seu famoso “Senhor Vice-Presidente, eu estou falando” durante o debate com Mike Pence?
Trump, no entanto, parece alheio a essa preocupação. Ele já começou a tecer comentários racistas e sexistas sobre Harris, o que pode acabar alienando ainda mais eleitoras – uma demografia com a qual Trump já tem dificuldades. Com 58% de avaliação negativa em uma pesquisa recente da ABC/Ipsos, a questão é se Trump está jogando para sua base ou tentando realmente conquistar eleitores indecisos.
Seja qual for o resultado, o debate entre Trump e Harris será um dos mais comentados da história recente dos Estados Unidos. De um lado, um ex-presidente que tenta, a todo custo, manter sua narrativa de “outsider” enquanto ataca sem filtros. Do outro, uma vice-presidente com um histórico de enfrentamentos afiados, pronta para mostrar que pode não só desafiar Trump, mas também se estabelecer como uma figura independente dentro do Partido Democrata.
O palco está montado, as estratégias estão em ação. Agora resta ver quem vai conseguir dominar o centro do palco e, com ele, o coração dos eleitores americanos.
O governo alemão decidiu endurecer sua política em relação a refugiados considerados em situação ilegal no país. Na semana passada, já houve a deportação de um primeiro grupo para seu país de origem, o Afeganistão.
Flávio Aguiar, analista político
A decisão aconteceu na sequência de um atentado a facadas na cidade de Solingen, perto de Colônia e Bonn, a antiga capital da Alemanha Ocidental. O atentado deixou um saldo trágico de três mortos e vários feridos, alguns com gravidade. A polícia deteve um suspeito, um cidadão sírio que havia pedido asilo no país, mas foi negado. O acusado desapareceu, só reaparecendo no trágico incidente em Solingen.
Ele foi admitido na Bulgária e de lá passou para a Alemanha. O governo alemão aprovou sua deportação para a Bulgária, que concordou com a decisão, mas ela acabou não acontecendo devido ao desaparecimento do acusado.
A organização Estado Islâmico divulgou um vídeo em que reivindicava a autoria de atentado como uma “vingança” pelo que estava acontecendo com os palestinos na Faixa de Gaza.
Seguiu-se um tumulto político, em que o líder do principal partido de oposição, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã, acusou de negligência o governo do chanceler Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD, na sigla em alemão), e propôs uma ação conjunta para solucionar o problema.
Surpreendentemente o chanceler aceitou a proposta, o que levantou receios de que sua coalizão de governo, formada também pelo Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão), rachasse. Isto não aconteceu, pois os líderes deste partido apoiaram a decisão de Scholz.
Na Alemanha, há mais de 50 mil ordens de deportação contra refugiados que tiveram seus pedidos de asilo negados. Entretanto, destas, até o momento, somente pouco mais de 20 mil foram efetivadas. A esmagadora maioria delas atinge originários de nações africanas ou do Oriente Médio, muitos dos quais entraram na União Europeia através de outros países, dirigindo-se depois para a Alemanha.
Scholz comprometeu-se a restringir essa possibilidade de acesso, além de agilizar as deportações já aprovadas e o julgamento dos casos pendentes.
O debate e as medidas restritivas ocorrem num momento em que acontecem eleições regionais em estados do antigo Leste alemão, a Turíngia e a Saxônia, e o governo federal se vê acossado pelo crescimento nas intenções de voto da oposição tradicional - a União Democrata Cristã - e da extrema direita, no partido Alternative für Deutschland (AfD), Alternativa para a Alemanha. Este último radicalmente voltado contra imigrantes e refugiados, vem ditando a pauta sobre esta questão no país, assim como acontece em outras nações do continente.
Para complicar o cenário, a economia alemã vem se retraindo nos últimos tempos, num processo de desindustrialização, apesar dos esforços por parte do governo de revitalizar a indústria bélica alemã.
Neste quadro, à beira do abismo de uma recessão prolongada, a busca de bodes expiatórios prospera. Os candidatos que costumam ser os alvos são os emigrados provenientes do chamado Terceiro Mundo, em particular os muçulmanos, sobre os quais sempre paira a suspeita, na maioria das vezes indevida, de adesão a grupos terroristas.
Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Caritas, vêm manifestando preocupação de que esta circunstância possa desandar num quadro de discriminação generalizada.
Estes últimos episódios na Alemanha se dão em um contexto continental de crescimento das discriminações contra estrangeiros não europeus. Como aconteceu recentemente no Reino Unido, onde um ataque fatal contra crianças, também a facadas, deflagrou uma série de vandalismos contra mesquitas e centros de acolhimento de imigrantes, insuflados por mensagens mentirosas, de extrema direita, sobre a identidade do assaltante, divulgadas na internet.
Durante os dez anos e meio do governo da chanceler Angela Merkel, da União Democrata Cristã, a Alemanha destacou-se por uma política generosa de acolhimento de imigrantes e refugiados de todas as partes do mundo. Agora esta abertura vem se fechando gradativamente, em parte por pressões de seu próprio partido, que, em disputa com o Alternative für Deutschland, arrisca voltar-se, também como a coalizão governamental, para políticas que revigoram o fantasma da xenofobia e da discriminação.
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