Crônica de política internacional de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris
Há exatos 30 anos o regime do Apartheid chegou ao fim na África do Sul. Os principais personagens deste final pacífico para um dos regimes mais odiosos de segregação racial da história humana foram o líder do Congresso Nacional Africano (CNA), o negro Nelson Mandela, e o líder do Partido Nacional da África do Sul (PN), o branco Frederik William De Klerk. Em 1994, na primeira eleição realmente universal e democrática no país, Mandela foi eleito presidente, cargo que ocupou até 1999.
Flávio Aguiar, analista político
O regime do Apartheid foi oficialmente instituído na África do Sul a partir de 1948, quando o Partido Nacional, liderado por Daniel Malan, venceu as eleições comprometendo-se a manter a supremacia política, econômica e cultural da minoria branca, constituída sobretudo pelos então chamados de Boers, descendentes dos colonos holandeses, hoje chamados de Afrikaaners.
O regime segregacionista voltado contra a maioria negra tinha antecedentes longínquos, promovidos pelo colonialismo europeu dos portugueses, da Companhia das Índias Orientais e do Império Britânico, que dominou a maior parte da região até quase o começo da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, o regime de discriminação racial instituído a partir de 1948 e conhecido com o nome de Apartheid chegou a um requinte cruel raramente vistos na história humana, “aperfeiçoando” as segregações anteriores.
O principal arquiteto do regime teria sido Hendrik Verwoerd, que veio a ser primeiro-ministro sul-africano entre 1958 e 1966. Um exemplo do “aperfeiçoamento” do sistema de discriminação foi no chamado “Ato de Imoralidade”, de 1927, que proibia o casamento entre pessoas brancas e negras. O “Ato de Proibição de Casamentos Mistos”, de 1949, proibiu o casamento de pessoas brancas com pessoas de qualquer outra etnia.
O Apartheid reconhecia a existência de quatro “raças” no país: os brancos, os asiáticos, inicialmente chamados de indianos, os “coloured”, que no Brasil o IBGE chamaria de “pardos”, e os negros. Curiosamente, os documentos de identidade de brancos, asiáticos e “coloured” registravam a etnia de seu proprietário. Já os documentos dos negros não traziam nenhuma definição, os condenando a uma espécie de anonimato humano.
A legislação do Apartheid era vasta e abrangente, e sua violação era considerada um crime contra o Estado, ou lesa-pátria, com punições extremamente severas. Estabelecia a segregação racial em todas as dimensões da vida, da intimidade sexual aos locais de trabalho. Abrangia a licença para o estabelecimento de residência, os locais de trabalho, os serviços públicos, o transporte, a educação, a saúde, o lazer e tudo o mais que a vida pudesse compreender.
Apesar da forte resistência interna e internacional, os governos do Apartheid estiveram longe de permanecerem isolados. Devido à Guerra Fria, contaram com fortes apoios entre políticos conservadores, como Ronald Reagan nos Estados Unidos, Margareth Thatcher na Inglaterra, no sistema bancário e financeiro internacional, na indústria de armamentos e nos serviços de inteligência policial de diversos países em todos os continentes, inclusive africanos.
O regime sul-africano se tornou um defensor dos remanescentes do colonialismo europeu na África e um apoiador de políticos de direita nos países que declaravam sua independência.
Preso em 5 de agosto de 1962, Nelson Mandela tornou-se o principal líder e símbolo da resistência contra o regime, sendo condenado por alta traição algum tempo depois. Passou por algumas prisões durante os mais de 27 anos que ficou no cárcere.
Mandela era submetido a um regime duríssimo. Podia escrever apenas duas cartas por ano, cada uma com no máximo 500 palavras, relidas sistematicamente pela censura antes de serem enviadas.
Frederik William De Klerk, presidente do país entre 1989 e 1994, foi o político branco que chegou à conclusão de que os dias do Apartheid estavam contados, e se dispôs a apressar o seu fim antes que fosse tarde demais para uma solução negociada.
Entre outras providências, apressou a libertação de Mandela, o que aconteceu no começo de fevereiro de 1990. Quatro anos depois, Mandela saia de sua casa no bairro de Soweto, em Johannesburgo, direto e triunfalmente para o Palácio Presidencial.
Se a legislação do Apartheid foi varrida do mapa há 30 anos e hoje o regime é considerado um crime contra a humanidade, as suas cicatrizes estão longe de desaparecer. Um relatório do Banco Mundial de 2022 deu à África do Sul a incômoda posição de ser o país mais desigual do mundo.
Por exemplo, os traços remanescentes da divisão de bairros residenciais por etnias são claramente visíveis, além de outros. Organizações não governamentais e agências do governo reconhecem a existência de racismo e de diferenças graves de oportunidades, emprego e serviços em prejuízo da população negra, que perfaz mais de 80% dos 62 milhões de habitantes do país, sendo que quem têm mais de 30 anos conheceu a vida sob o Apartheid.
Entretanto, apesar das dificuldades, o sentimento que se percebe no tratamento cotidiano com quase todas as pessoas é de alegria e de um otimismo comedido. Claro: viver sob Apartheid devia ser algo tão horrível que qualquer outra forma de vida é bem-vinda.
O possível retorno do "Schedule F" no segundo governo Donald Trump pode alterar significativamente a estrutura da força de trabalho federal dos Estados Unidos. Introduzido inicialmente em outubro de 2020, o plano tinha como objetivo reclassificar funcionários públicos federais, possibilitando sua contratação e demissão sem proteções trabalhistas.
Thiago de Aragão, analista político
Embora tenha sido revogado pelo presidente Joe Biden em janeiro de 2021, antes de sua plena implementação, relatórios recentes indicam que Trump planeja restabelecer o "Schedule F" imediatamente ao assumir o cargo.
A reintrodução do plano envolveria um processo rápido em duas fases. Primeiro, as agências federais identificariam os cargos que atendem aos critérios de reclassificação, com foco em funções relacionadas à formulação de políticas, tomada de decisões, advocacia e atividades confidenciais. Em seguida, o Escritório de Gestão de Pessoal (OPM) revisaria e aprovaria essas classificações, potencialmente em um prazo de 90 dias, levando a uma rápida transformação da estrutura da força de trabalho federal.
As implicações financeiras dessa reclassificação podem ser substanciais. O processo pode envolver custos relacionados a pagamentos de indenizações, despesas administrativas para reclassificação, além de possíveis litígios decorrentes de problemas legais. Os defensores argumentam que, apesar dessas despesas iniciais, economias de longo prazo poderiam ser alcançadas, com maior flexibilidade das equipes de trabalho e redução da ineficiência gerada pela burocracia.
Os críticos expressam preocupações sobre a possível erosão do conhecimento institucional e o risco de politização de cargos tradicionalmente apartidários. A reclassificação poderia levar ao deslocamento de servidores experientes, prejudicando o sistema de serviço público baseado no mérito e potencialmente causando interrupções nas operações governamentais. Além disso, há temores de que tais mudanças possam comprometer a precisão de dados governamentais críticos, já que agências como o Bureau of Labor Statistics, que coleta, processa, analisa e divulga dados estatísticos, poderiam ser afetadas pela politização de seus funcionários.
As implicações mais amplas da volta do "Schedule F" vão além do emprego federal direto. Contratantes do governo, particularmente em regiões como Washington, Maryland e Virginia, podem precisar ajustar seus modelos de negócios para lidar com o aumento da rotatividade entre seus parceiros federais. Governos estaduais que dependem de orientações e cooperação federal também podem precisar desenvolver planos de contingência para enfrentar possíveis interrupções na coordenação entre os níveis federal e estadual.
Moçambique vive uma crise que se intensificou desde as eleições gerais de outubro. Esse país lusófono da costa leste do continente africano enfrenta tensões políticas e ideológicas complexas, permeadas por elementos históricos que dividem a nação desde a sua independência, em 1975.
Flávio Aguiar, analista político
Em 9 de outubro realizaram-se eleições gerais em Moçambique, para a presidência da República, a Assembleia Nacional e as dez assembleias provinciais. O Conselho Nacional de Eleições proclamou vencedor o candidato Daniel Chapo, da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e do atual presidente, Felipe Nyusi. A FRELIMO é usualmente apontada como um partido de orientação marxista-leninista.
Como já de costume, o principal candidato de oposição, Venâncio Mondlane, do Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS) e pela Aliança Democrática, considerado um político pró-Ocidente, não aceitou o resultado e denunciou a ocorrência de fraudes na votação e na apuração.
Na sequência, chamou manifestações contra o governo, que vêm ocorrendo desde então, sobretudo na capital, Maputo. Registram-se cotidianamente choques entre a polícia e unidades militares pró-governo e os manifestantes oposicionistas. O número de mortos nestas manifestações sobe a dezenas, bem como o de detidos pela polícia.
Os policiais e as unidades militares envolvidas na repressão aos manifestantes são acusados de usarem violência excessiva. Em contrapartida, alegam que, frequentemente, as manifestações degeneram em atos de vandalismo e depredação.
A FRELIMO, fundada em 1962 e líder da campanha e da guerra contra o colonialismo português, está no poder desde a independência, em 1975. Contra ela há acusações de autoritarismo crescente, manipulações eleitorais, e de corrupção, provocada por uma aliança de exercício do poder por oligarquias, inclusive familiares, negócios escusos, e tráfico de influência. Dentre os mais de 200 representantes de organizações internacionais, os da União Europeia apoiaram, ainda que de modo moderado, as denúncias de Mondlane, também apoiadas por outros partidos de oposição.
Por sua vez, Mondlane é uma personalidade política bastante controversa. Pastor evangélico, recebeu no passado o apoio de remanescentes da RENAMO, Resistência Nacional Moçambicana, fundada em 1977 por apoiadores do colonialismo europeu na África e defensora do apartheid na África do Sul.
Todas as suas ligações internacionais são com partidos e políticos de extrema-direita. Elogia Donald Trump e, no Brasil, se diz aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Nikolas Ferreira, do Partido Liberal (PL), de extrema-direita. Em Portugal apoia e tem o apoio do partido CHEGA, fundado em 2019 por André Ventura, também de extrema-direita.
Simpatizantes desta tendência afirmam que os problemas de Moçambique decorrem de uma processo de independência mal conduzido pelo “abrileiros” (sic), uma referência à Revolução dos Cravos que em 25 de abril de 1974 derrubou a ditadura salazarista, e sua proximidade em relação à FRELIMO marxista.
As manifestações contra o governo e a favor de Mondlane têm tido apoio entre jovens, parcela em que a taxa de desemprego é muito alta, sobretudo nas cidades. A FRELIMO conta com um apoio mais firme em regiões rurais e entre veteranos que viveram o estertor do colonialismo português na África.
O escritor angolano José Eduardo Agualusa publicou um artigo com críticas veementes a Mondlane. O escritor moçambicano Mia Couto divulgou uma carta aberta pedindo moderação a todas as partes no tratamento da crise moçambicana, recebendo críticas de oposicionistas que a consideraram omissa em relação às denúncias de violência por parte do governo.
Os países africanos vizinhos acompanham atentamente a situação, inclusive a África do Sul, porque Maputo tornou-se um porto importante para o escoamento de seus produtos. Idem a União Europeia, cujos países têm muitos investimentos na região.
De toda esta crise, duas conclusões prévias se impõem. A primeira é a de que, como o Brasil, Moçambique não é para principiantes. A segunda é a de que, se a FRELIMO pode ter-se tornado um problema, Mondlane, com suas ligações autoritárias, parece longe de ser uma solução.
As relações comerciais entre os Estados Unidos e o México enfrentam um período de tensão renovada com a recente eleição de Donald Trump à presidência dos EUA e de Claudia Sheinbaum à presidência do México. Trump anunciou a intenção de impor uma tarifa de 25% sobre todas as importações mexicanas, justificando a medida como uma resposta ao fluxo de drogas e à migração ilegal através da fronteira sul dos EUA.
Thiago de Aragão, analista político
Em reação, a presidente Sheinbaum sugeriu que o México poderia retaliar com tarifas próprias, enfatizando que "uma tarifa alfandegária seria seguida por outra em resposta, e assim por diante, até colocarmos em risco negócios comuns".
Ela destacou que o tráfico de drogas é uma questão de saúde pública nos EUA e que o México tem enfrentado desafios devido ao contrabando de armas provenientes dos Estados Unidos.
A perspectiva de uma guerra tarifária preocupa economistas e líderes empresariais, dado o impacto potencial em setores-chave, como o automotivo e o agrícola, que dependem de cadeias de suprimento integradas entre os dois países. Além disso, consumidores americanos podem enfrentar preços mais altos em produtos como abacates e tequila, enquanto produtores mexicanos temem a perda de acesso ao seu principal mercado de exportação.
Apesar das tensões, ambos os líderes expressaram disposição para o diálogo. Após uma conversa telefônica, Trump afirmou que Sheinbaum concordou em "fechar imediatamente a fronteira" para deter a migração e o fluxo de drogas. No entanto, Sheinbaum enfatizou que o México já está "cuidando" das caravanas de migrantes e que a posição do país é "não fechar fronteiras, mas construir pontes entre governos e entre povos".
A comunidade internacional observa atentamente, consciente de que uma escalada nas tarifas pode desestabilizar a economia regional e afetar acordos comerciais existentes, como o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA). Analistas sugerem que uma abordagem colaborativa seria mais eficaz para abordar questões complexas como migração e tráfico de drogas, evitando medidas unilaterais que possam agravar as tensões.
As relações comerciais entre os EUA e o México estão em um momento onde dificilmente ambos vencerão. As ações e negociações nos próximos meses serão cruciais para determinar se os dois países podem encontrar um terreno comum ou se seguirão por um caminho de medidas retaliatórias que podem prejudicar ambas as economias.
Um autêntico calafrio percorreu toda a Europa na semana passada. Noticiou-se com destaque que os governos da Suécia e da Finlândia divulgaram para seus cidadãos manuais sobre como proceder no caso de uma guerra contra terceiros. O governo sueco distribuiu pelo correio uma brochura de 32 páginas. O finlandês disponibilizou uma publicação online
Flávio Aguiar, de Berlim
Embora o nome não aparecesse, era óbvio que se tratava de uma guerra com a Rússia. A Suécia não tem uma fronteira terrestre com a Rússia. Há uma fronteira marítima entre ela e o enclave russo de Kaliningrado, espremido entre o Mar Báltico, a Lituânia e a Polônia. A Finlândia tem uma fronteira terrestre com a Rússia de 1.343 km.
Ambas mensagens abordam outras crises, como a ocorrência de pandemias, desastres naturais e ataques terroristas. Mas o destaque no noticiário foi para a guerra, graças à existência do conflito direto entre a Rússia e a Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, de que não faz muito Suécia e Finlândia passaram a integrar..
Tanto na Suécia como na Finlândia as instruções envolvem a manutenção de estoques de alimentos, água, remédios e dinheiro, a guarda de cartões de crédito, conselhos sobre como se manter informado através do rádio, a busca de abrigos coletivos no caso de ataques aéreos ou nucleares, como neles se comportar ou onde se proteger caso seja impossível chegar até eles.
Logo no começo das instruções suecas, encontra-se a seguinte exortação patriótica: “Se a Suécia for atacada, nós nunca nos renderemos. Qualquer sugestão em contrário é falsa”.
Aos poucos surgiram informações complementares. Em ambos os casos, tratava-se de uma atualização de instruções anteriores. Também noticiou-se que outros governos, como os da Dinamarca e da Noruega distribuíam instruções semelhantes. Nada disto atenuou o impacto midiático do clima de preparação para uma guerra.
Para engrossar o caldo, a Alemanha entrou na dança. A mídia do país noticiou a existência de um documento do Exército até então secreto, com mil páginas sobre a possibilidade e os desdobramentos de uma guerra com a Rússia. Entre outras coisas, o documento prevê que a Alemanha se transformaria num imenso corredor por onde passariam centenas de milhares de tropas da OTAN - norte-americanas e outras. O país se transformaria no grande organizador logístico do fluxo de tropas, suprimentos e armas de variada espécie para o conflito.
Outras informações vieram à tona. O Exército está disponibilizando instruções específicas para empresários sobre como adequar suas empresas à circunstância de uma guerra, com destaque para a questão dos transportes.
Para compreender o impacto destas informações, deve-se levar em conta a moldura em que surgiram e alguns antecedentes.
Concomitante a elas noticiava-se uma escalada de fato ou retórica em torno da guerra na Ucrânia e agora também em território russo, com a invasão da região de Kursk por tropas ucranianas.
Noticiou-se a presença de tropas norte-coreanas em território russo, em apoio a Moscou. O governo Biden autorizou a utilização pela Ucrânia de mísseis de longo alcance contra território russo, e o fornecimento de minas terrestres contra veículos e pessoas para o governo de Kiev. Este anunciou que a Rússia lançara um míssil de longo alcance, capaz de levar uma ogiva nuclear, contra seu território.
Moscou relaxou as normas para utilização se armas nucleares em caso de conflito, sobretudo se atacada por um país que tivesse o apoio de uma potência nuclear. França, Alemanha e Polônia anunciaram estarem aumentando significativamente seus orçamentos militares. O exemplo pode ser seguido por outros países.
Os Estados Unidos anunciaram o restabelecimento de mísseis em território europeu. A TV russa divulgou uma reportagem comentando quais cidades europeias poderiam ser alvo de ataques por mísseis de longo alcance. Não faz muito o governo Biden aumentou em 20% a presença de pessoal militar e conexo norte-americano no continente europeu, contingente que hoje passa de 120 mil, maior do que, por exemplo, todo o Exército do Reino Unido. Autoridades civis e militares alemãs já falaram abertamente que é possível haver uma guerra com a Rússia em cinco ou seis anos. Em suma, a Europa se prepara para a possibilidade da guerra.
Políticos que admitem o risco usam com frequência o dito popularizado em latim, “si vis pacem para bellum”, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Entretanto, lembremos que o currículo europeu na matéria não é bom. Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos.
O presidente eleito Donald Trump está montando um gabinete que reflete uma ênfase significativa na lealdade pessoal e em políticas conservadoras rígidas. Essa composição promete alterar substancialmente a dinâmica do governo dos Estados Unidos em comparação com administrações anteriores.
Thiago de Aragão, analista político
Entre os indicados, destacam-se figuras como o senador Marco Rubio para o cargo de Secretário de Estado, o ex-apresentador da Fox News Pete Hegseth como Secretário de Defesa, e o deputado Matt Gaetz para a Procuradoria-Geral.
Além deles, Robert F. Kennedy Jr. foi escolhido para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, e a ex-congressista Tulsi Gabbard foi nomeada Diretora de Inteligência Nacional.
Com o objetivo de reduzir gastos federais e implementar reformas estruturais, Elon Musk e Vivek Ramaswamy foram designados para coliderar o recém-criado Departamento de Eficiência Governamental.
A seleção de nomes com fortes laços pessoais com Trump e posições políticas firmes sugere uma administração mais coesa e alinhada com a doutrina “America First” (América em primeiro lugar) do presidente eleito. Essa coesão pode resultar em uma implementação mais eficiente das políticas propostas, evitando as divisões internas que marcaram administrações anteriores.
A nomeação de figuras controversas, como Matt Gaetz e Robert F. Kennedy Jr., indica uma disposição para desafiar normas estabelecidas e enfrentar críticas públicas. Essa abordagem pode levar a confrontos com o Congresso e outras instituições, potencialmente resultando em um governo mais polarizado.
A criação do Departamento de Eficiência Governamental, liderado por Musk e Ramaswamy, sinaliza uma ênfase na redução da burocracia e dos gastos governamentais. Se bem-sucedida, essa iniciativa pode aumentar a eficiência governamental, mas também pode enfrentar resistência de setores que dependem de programas federais.
A nomeação de Marco Rubio como Secretário de Estado sugere uma política externa mais assertiva, possivelmente com foco na confrontação de adversários como a China e o Irã. Por outro lado, a escolha de Robert F. Kennedy Jr., conhecido por suas posições controversas sobre vacinas, para o Departamento de Saúde, pode influenciar a abordagem do governo em relação à saúde pública e à ciência.
O gabinete que o presidente eleito Trump está formando indica uma administração que prioriza lealdade e políticas conservadoras firmes. Essa composição tem o potencial de alterar significativamente a dinâmica do governo dos EUA, promovendo uma implementação mais coesa de sua agenda, mas também enfrentando desafios devido a escolhas controversas e possíveis confrontos institucionais.
Os ingleses têm uma expressão original para descrever o momento em que uma situação negativa se agrava: “the plot”, isto é, o enredo, “thickens”, ou seja, engrossa, ou ainda, se complica. A melhor tradução é: “o caldo engrossa”. É o que está acontecendo na Alemanha.
Flávio Aguiar, analista político, de Berlim
Na quarta-feira da semana passada, pela manhã um choque elétrico percorreu todo o continente, inclusive a Alemanha: Donald Trump foi eleito pela segunda vez presidente dos Estados Unidos. Os partidos e políticos de extrema-direita exultaram. Os de centro e de esquerda ficaram em estado de choque. À noite, um novo choque elétrico se espalhou: o chanceler Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD, na sigla alemã), demitiu o ministro das Finanças, Christian Lindner, do FDP (Freie Democratische Partei, usualmente traduzido por Partido Democrático Liberal). Em consequência, a coalizão que formava o governo, chamada de “Semáforo”, devido às cores representativas dos partidos, se desfez. Aquelas cores eram o vermelho (SPD), o amarelo (FDP) e o verde, da Aliança 90/Verdes.
Desde o começo, em 2021, quando Scholz tornou-se o chanceler, a coalizão foi descrita como “instável”. Com três partidos, ela reunia dois descritos na mídia do país, como de “centro-esquerda”, o SPD e os Verdes, e um de “centro-direita”, o FDP. No plano dos direitos humanos ou da política externa não havia grandes divergências entre eles, mas no econômico e administrativo, sim. O SPD e os Verdes queriam investimentos públicos, e Lindner se opunha.
A partir de 2022 a economia alemã entrou em queda livre. A adesão do governo de Berlim às sanções econômicas contra a Rússia e ao apoio militar e financeiro à Ucrânia provocaram de imediato a suspensão do fornecimento de gás por parte da Gazprom, a estatal russa. E o gás russo era vital para a indústria alemã. Ao mesmo tempo, a guerra na Ucrânia provocou o aumento de preço dos insumos e de produtos agrícolas que vinham daquele país (e em menor escala da Rússia), como fertilizantes e o óleo de girassol. Resultado: inflação subindo, sobretudo no custo da energia e dos alimentos, com reflexos na habitação e na saúde, fechamento de indústrias, o consequente aumento das taxas de desemprego, sobretudo entre os jovens, queda no consumo interno e nas importações e exportações.
Efeito imediato: a popularidade do governo despencou. Em sucessivas eleições regionais, SPD, Verdes e o FDP começaram a se sair muito mal. Com as eleições federais previstas para o ano que vem, as oposições de direita começaram a crescer nas intenções de voto. Hoje a União Democrata Cristã (CDU) ocupa o primeiro lugar. O AfD, (de Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, ultrapassou o SPD e está em segundo.
Uma desavença interna roeu as entranhas da coalizão governamental. O SPD e os Verdes desejavam aumentar os investimentos públicos para socorrer a indústria e a agricultura. O FDP bloqueava a iniciativa, aferrando-se ao princípio da austeridade fiscal.
Afinal, na noite de quarta-feira passada o enredo e o caldo engrossaram e a corda rompeu-se. Scholz acusou Lindner de trair a sua confiança, e demitiu-o. Lindner saiu atirando: disse que Scholz levara o país à incerteza. Dois dos outros três ministros do governo que são do FDP se demitiram. O dos Transportes preferiu sair do partido e ficar no governo. Resultado: um ar de Titanic se espalhou pelo governo e pelo país, num momento em que o iceberg Trump aparecia no horizonte.
A Alemanha está com um governo fraco, minoritário, e com uma economia à deriva, beirando o naufrágio. Scholz anunciou a realização de um voto de confiança no Bundestag, o Parlamento Federal, para janeiro de 2025, com a possível antecipação das eleições para março. A CDU e o AfD querem que tudo aconteça ainda antes. A Comissão Eleitoral do país alertou que a preparação do pleito exige tempo, e que o Natal está logo ali, paralisando o país por duas semanas, pelo menos. Em resumo, o caldo engrossou mesmo, e ninguém sabe quando a Alemanha sairá do buraco em que se meteu.
Na contagem regressiva para o dia da eleição, os Estados Unidos vivem uma disputa política intensa, com Trump e Harris representando visões diametralmente opostas. As últimas pesquisas mostram uma corrida acirrada nos principais estados decisivos, evidenciando uma profunda divisão entre os eleitores. Ambas as campanhas estão com força total, promovendo comícios de última hora, endossos de alto nível e mensagens direcionadas para conquistar os sempre indecisos eleitores em estados-chave.
Thiago de Aragão, analista político
As políticas dos candidatos oferecem um contraste marcante, com cada um prometendo reformar os EUA de maneiras que parecem incompatíveis. A abordagem de Trump se baseia em uma visão assertiva, quase nacionalista: tarifas, independência energética através do "perfure, perfure, perfure" e o compromisso de fortalecer as fronteiras dos EUA com deportações sem precedentes.
Seu plano econômico—enraizado na crença de que a autossuficiência americana pode combater a inflação—é um reflexo dos valores conservadores tradicionais. No entanto, sua dependência de tarifas e disposição para cortar impostos em detrimento do déficit federal preocupam críticos, que temem os efeitos econômicos a longo prazo.
Por outro lado, Harris apresenta uma visão voltada para a reforma social e a inclusão. Suas políticas buscam apoiar compradores de primeira casa, enfrentar custos com saúde e reverter leis restritivas de aborto. Harris também adota reformas ambientais, embora equilibrando entre posições progressistas e moderadas—como se vê em seu apoio ao fracking (técnica de produção de gá e petróleo), apesar de sua oposição anterior.
Sua proposta de expandir os créditos fiscais para crianças e restringir a prática de elevação de preços em situações de emergência atrai eleitores de baixa renda, enquanto sua postura sobre os direitos reprodutivos ressoa com aqueles preocupados com o retrocesso do Roe v. Wade, como ficou conhecido o caso que levou a Suprema Corte dos EUA a garantir o direito das mulheres ao aborto.
Mas, além dos contrastes políticos, o clima ao redor da eleição se tornou um estudo de caso sobre a política americana. A campanha de Trump se apropriou de sua imagem como um combatente populista, desafiando a mídia tradicional e confrontando críticos de maneira que alguns chamam de autêntica e outros consideram perigosa. Seus comentários recentes sobre veículos de mídia, vistos como antagonistas, geraram críticas e preocupações sobre os riscos de tal retórica em um ambiente midiático já polarizado.
Enquanto isso, a campanha de Harris manteve o foco nos temas de unidade, mas não evitou pressionar Trump sobre suas controvérsias e, em particular, sobre suas alegações de fraude eleitoral—uma jogada estratégica que agrada sua base, mas eleva o risco caso ocorra alguma agitação pós-eleitoral.
Enquanto ambos os candidatos se aproximam da reta final, seus respectivos representantes pintaram a eleição como uma disputa imprevisível, com cada lado insistindo em um resultado otimista.
Líderes republicanos como o Senador Tim Scott preveem uma vitória republicana, baseados em pesquisas nos estados decisivos que, segundo eles, refletem a forte posição de Trump. Simultaneamente, democratas como o Senador John Fetterman e a Senadora Catherine Cortez Mastro demonstraram confiança no apelo de Harris, especialmente em estados como a Pensilvânia, onde a vice-presidente supostamente investiu um esforço considerável.
A conversa política mais ampla se tornou reflexiva, com comentaristas como Chuck Todd, da NBC, ponderando o possível impacto a longo prazo de uma vitória de Trump sobre a cultura política do Partido Republicano. Preocupações sobre cleptocracia e a natureza transacional da política de Trump refletem os temores de quem vê o risco de o partido se afastar de suas raízes conservadoras.
Da mesma forma, dentro do Partido Democrata, vozes como a de Jen Psaki levantaram questões sobre o impacto de uma derrota de Harris no futuro das mulheres em cargos políticos de destaque, questionando como o resultado poderia moldar a disposição do partido de apoiar candidatas no futuro.
Em uma eleição onde políticas, personalidades e lutas pelo poder estão interligadas, os EUA se encontram em um momento crítico. Com grandes apostas e opiniões divididas, não se trata apenas da escolha entre dois candidatos, mas do que essa escolha diz sobre o rumo que o país quer seguir. Enquanto os últimos anúncios são exibidos, as últimas palavras são ditas e os eleitores se preparam para votar, a verdadeira pergunta talvez seja: o que esta eleição revelará sobre os valores que moldam a sociedade americana?
Enquanto o país prende a respiração, uma verdade é certa: a escolha à frente não é apenas sobre Trump ou Harris. Trata-se do futuro de uma América cada vez mais dividida entre visões, valores e verdade. E, em dois dias, veremos qual visão ressoa mais.
Além das duas principais guerras em curso, a na Ucrânia e a no Oriente Médio, durante a semana passada o noticiário e os comentários na mídia internacional ocuparam-se significativamente com a reunião de cúpula dos Brics em Kazan, na Rússia, sob a presidência do governo de Moscou.
Flavio Aguiar, analista político
Para além das declarações de praxe contidas no documento conjunto final, falando em paz, manifestando preocupações humanitárias sobre Gaza e a Cisjordânia, condenando a expansão regional do conflito no Oriente Médio por parte de Israel, sugerindo a construção de uma nova ordem econômica mundial, a reunião deixou como saldo algumas evidências muito significativas.
A primeira é que a Rússia não está tão isolada quanto os Estados Unidos e seus aliados gostariam que estivesse. Aliás, ela pode estar isolada em relação aos países do “Ocidente ampliado”, mas fora deste círculo as sanções contra ela não encontram apoio.
A segunda é que cresceu bastante o interesse por parte de outros países em entrar ou se manter próximos ao grupo. Além dos quatro países fundadores do grupo, Brasil, Rússia, Índia e China, e da África do Sul que nele foi admitida em 2010, os Brics agora incluem como membros plenos ou convidados nesta qualidade mais 5 países: Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Irã.
E há dezenas de países interessados em ingressar ou se associar ao grupo, com destaque para a Turquia, que é membro da OTAN, organização que apoia a Ucrânia contra a Rússia, e da Sérvia, que também está se candidatando a entrar para a União Europeia, que tem a mesma posição da OTAN naquela guerra.
A cúpula deste ano convidou mais 13 países a integrar o grupo na condição de Estados Parceiros, isto é, sem direito a veto nem voto, entre eles Cuba e Bolívia, Nigéria e Uganda, Tailândia e Vietnã, além da Turquia.
Ficou também evidente a força da posição brasileira no grupo. Rússia e China manifestaram desejo de incluir a Venezuela no convite. O Brasil vetou e os demais países aceitaram este veto sem reclamação. A posição do governo brasileiro é controversa mesmo entre seus apoiadores.
O fato é que Brasília e Caracas já vinham trocando farpas diplomáticas há algum tempo. O Brasil ainda não reconheceu a reeleição de Nicolás Maduro na presidência, alegando que as atas eleitorais não vieram a público. E o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, acusou o presidente Lula de “ser um agente da CIA”, embora o Ministério de Relações Exteriores venezuelano tenha desmentido a acusação.
O interesse mundial pelo projeto dos Brics cresceu muito desde que os Estados Unidos e seus aliados próximos, como a União Europeia, começaram a utilizar o sistema internacional de pagamentos e de reservas financeiras em dólares norte-americanos para punir quem considerem adversários ou inimigos através de sanções econômicas, como no caso da Rússia.
Esta teve reservas internacionais congeladas e reaplicadas no mercado financeiro pelos agentes que as detêm, para seus dividendos servirem como garantia a empréstimos à sua inimiga, a Ucrânia. A insegurança gerada pela guerra na Ucrânia e pelo conflito no Oriente Médio também contribuiu para acrescer o interesse pelos projetos dos Brics.
Um dos projetos centrais dos Brics é a criação de um sistema paralelo, independente do dólar, para as transações internacionais dos países membros e outros. Isto é um claro desafio à hegemonia financeira mundial dos Estados Unidos e de seus aliados próximos, mantida através da hegemonia do dólar como meio de pagamento desde a conferência de Bretton Woods, em 1944, que também criou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Ao mesmo tempo, é um desafio para o próprio grupo dos Brics, pois a criação de um sistema paralelo demanda uma engenharia financeira de grande monta e de longo prazo.
Embora a hegemonia do dólar submeta o sistema financeiro aos Estados Unidos, que emite a moeda, e seus aliados próximos do Ocidente, ela garante uma certa estabilidade nas transações internacionais que, de outro modo, estariam sujeitas às inúmeras variações cambiais das outras moedas nacionais.
O sucesso deste projeto dos Brics depende, portanto, da construção de um meio de pagamento alternativo, mesmo que seja inteiramente virtual, reconhecido por todos os interessados. Não teria sentido substituir a hegemonia do dólar pela de uma outra moeda nacional, como o renmimbi chinês, muitas vezes chamado pela nome de sua unidade, yuan, de pronúncia mais fácil.
A criação, emissão e administração desta moeda ou meio de pagamento virtual, que não substituiria as moedas nacionais, mas correria paralelamente a elas, como faz o dólar norte-americano, caberia ao Banco dos Brics, hoje presidido pela ex-presidenta Dilma Rousseff ou a um outro organismo especialmente criado para este fim.
Dada a heterogeneidade dos países membros e/ou na mira dos Brics, esta tarefa não será de fácil execução. Esta heterogeneidade é o ponto forte do projeto Brics, apontando para um mundo de fato multipolar. Mas é também um ponto frágil, exigindo, mais do que uma engenharia financeira, uma arquitetura política de grande sofisticação. A ver.
A recente revelação de que tropas norte-coreanas estão sendo enviadas para lutar ao lado da Rússia na Ucrânia marca um ponto crítico no conflito em curso, despertando preocupações em todo o mundo. Segundo o Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul, aproximadamente 1.500 soldados norte-coreanos já chegaram à Rússia, e há relatos de que esse número pode aumentar significativamente. Com isso, Seul convocou o embaixador russo nesta segunda-feira (21) a fim de denunciar a decisão de Pyongyang, segundo o Ministério das Relações Exteriores.
Thiago de Aragão, analista político
Por sua vez, o embaixador Georgy Zinoviev, durante sua reunião com as autoridades diplomáticas sul-coreanas, “enfatizou que a cooperação entre a Rússia e a Coreia do Norte é conduzida dentro da estrutura do direito internacional e não é dirigida contra os interesses de segurança da República da Coreia”.
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, anunciou na manhã desta segunda-feira que chegará a Kiev, onde demonstrará o apoio dos EUA e terá reuniões com autoridades ucranianas de alto escalão. O chefe do Pentágono também deve conversar com o presidente Volodymyr Zelensky e com o ministro da Defesa da Ucrânia, Rustem Umerov. Espera-se que eles discutam o pedido de adesão da Ucrânia à Otan, o primeiro ponto do “plano de vitória” do presidente Zelensky.
Esse desenvolvimento, se confirmado, pode desestabilizar ainda mais a já volátil situação no Leste Europeu e sinaliza uma mudança geopolítica mais profunda, que lembra as alianças da Guerra Fria. Historicamente, o envolvimento de nações externas em conflitos costuma marcar um ponto de virada.
Um paralelo pode ser traçado com a Guerra da Coreia (1950-1953), quando a Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética e pela China, travou um conflito prolongado e sangrento com a Coreia do Sul, que foi apoiada pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais. Aquela guerra, enraizada em divisões ideológicas, preparou o terreno para décadas de tensão geopolítica entre o Oriente e o Ocidente, com a Coreia como o ponto de discórdia.
Hoje, em uma reversão surpreendente, o envolvimento da Coreia do Norte na Ucrânia pode ser visto como uma nova extensão dessas dinâmicas históricas da Guerra Fria. As ramificações dessa aliança entre a Rússia e a Coreia do Norte são profundas. Não apenas sinaliza uma escalada no conflito, mas também destaca a crescente cooperação entre regimes autoritários que se sentem cada vez mais acuados pelas sanções ocidentais e pela pressão militar.
Para a Rússia, que tem enfrentado escassez de mão de obra e de suprimentos, as tropas e munições norte-coreanas podem fornecer um reforço necessário. Relatos sugerem que a Coreia do Norte tem oferecido à Rússia quantidades significativas de equipamentos militares, incluindo projéteis e mísseis, que foram recuperados na Ucrânia. Essa assistência militar surge em um momento em que as nações ocidentais estão intensificando o apoio à Ucrânia, criando uma situação assustadoramente semelhante às guerras por procuração da era da Guerra Fria.
No entanto, o envolvimento de soldados norte-coreanos apresenta desafios significativos para a Rússia. Integrar tropas estrangeiras a uma força militar exige mais do que apenas fornecer armas; requer coordenação, treinamento e a capacidade de superar barreiras linguísticas. O exército norte-coreano, embora altamente disciplinado, não participa de operações de combate em larga escala há décadas.
A possibilidade de falhas de comunicação e logísticas é alta, o que pode limitar a eficácia dessas tropas na linha de frente. Alguns especialistas sugerem que as forças norte-coreanas podem ser relegadas a funções de guarda nas seções da fronteira russo-ucraniana, em vez de participarem de combates ativos. No entanto, a importância simbólica desse desenvolvimento não pode ser subestimada.
A decisão da Coreia do Norte de enviar tropas reflete uma mudança mais ampla na estrutura de poder global, onde nações antes consideradas isoladas ou periféricas estão agora se tornando peças-chave em conflitos internacionais. A crescente aliança entre Rússia, Coreia do Norte, e até mesmo China e Irã sugere um realinhamento potencial das forças globais que pode remodelar as relações internacionais nos próximos anos. Também é preciso considerar as implicações para a Coreia do Sul e seus aliados ocidentais.
O presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, já classificou o envolvimento da Coreia do Norte como uma “grave ameaça à segurança”, e com razão. A possibilidade de que o engajamento militar da Coreia do Norte na Ucrânia possa aumentar as tensões na Península Coreana não pode ser descartada. Historicamente, a Coreia do Norte tem usado conflitos externos para fortalecer sua legitimidade interna e demonstrar seu poder militar.
Ao alinhar-se com a Rússia, a Coreia do Norte pode estar buscando solidificar seu status como um jogador global, aumentando assim sua influência em futuras negociações com o Ocidente. A comunidade internacional deve responder de forma rápida e decisiva. Se as tropas norte-coreanas de fato estiverem lutando na Ucrânia, isso representaria uma perigosa escalada do conflito.
A Ucrânia, já devastada por anos de guerra, pode encontrar-se enfrentando não apenas a agressão russa, mas também uma nova onda de soldados estrangeiros, complicando ainda mais sua estratégia de defesa. As nações ocidentais, incluindo os Estados Unidos e a Otan, precisarão reavaliar sua abordagem ao conflito, considerando as implicações mais amplas de uma guerra multinacional envolvendo não apenas a Rússia, mas seus aliados cada vez mais próximos na Ásia.
O envio de tropas norte-coreanas para a Ucrânia, pode marcar um novo e perigoso capítulo na guerra. Esse movimento não apenas destaca o crescente desespero das forças russas, mas também reflete as alianças em mudança no cenário internacional. Como a história tem mostrado, a intervenção externa em conflitos pode prolongar e agravar a violência, transformando disputas regionais em crises globais. O mundo deve estar atento a esses desenvolvimentos e agir com urgência para evitar que o conflito na Ucrânia se descontrole ainda mais.
Recentemente, o economista e pesquisador ligado ao Deutsche Zentral-Genossenschafts Bank (DZ-Bank), Christoph Swonke, declarou que a Alemanha se tornou “a nova criança-problema entre os países europeus”. Ou seja: para ele, a economia alemã está deixando de ser o carro-chefe da economia europeia, para atravancá-la com seus problemas internos.
Flávio Aguiar, analista político
Na quarta-feira (9), o ministro da Economia e vice-chanceler do governo alemão, Robert Habeck, do Partido Verde, declarou que pelo segundo ano consecutivo a economia do país iria se retrair. Em 2023 ela encolheu 0,3%. Agora a previsão é de que em 2024 ela encolha mais 0,2%.
Diante da situação interna adversa, com aumento do custo da energia, dos alimentos, queda no consumo, falta de investimentos, empresas alemãs estão se voltando para o exterior em busca de socorro, às custas de seus ativos. A Deutsche Bahn, empresa ferroviária alemã e outrora uma das meninas-dos-olhos do transporte europeu, enfrenta dificuldades de caixa e desempenho. Em consequência, decidiu vender sua subsidiária de cargas, a rentável Schenker, para a dinamarquesa DSV, por 14 bilhões de euros (cerca de R$ 85 bi), a fim de equilibrar seu caixa.
O Comerzbank, segundo maior banco privado do país, vendeu parte de seus ativos para o banco italiano Unicredit. Este manifestou interesse em adquirir todo o banco alemão, e o Banco Central Europeu já deu luz verde para esta possível transação.
Outras empresas estão pensando em buscar locações mais atraentes. A indústria química BASF decidiu investir € 10 bilhões para montar uma unidade na China. Os proprietários suíços da empresa Techem, do setor energético, considerada de médio porte, pensam vendê-la para a norte-americana TPG.
A tradicional Volkswagen anunciou que pretende fechar unidades de produção, em parte devido à concorrência dos carros chineses, e rompeu um acordo salarial com o sindicato de trabalhadores que durava 30 anos, protegendo empregos e salários.
Um problema suplementar surgiu com a decisão alemã de romper parcial e temporariamente com o chamado acordo de Shengen, restabelecendo o controle policial de passaportes e veículos em suas fronteiras terrestres. Empresários cujas empresas localizam-se perto da fronteira com a Polônia e empregam trabalhadores deste país dizem estar apreensivos pela dificuldade de circulação que isto provoca.
Como a Alemanha ainda é a maior economia do continente, e a principal importadora e exportadora de produtos, seus problemas internos atingem toda a Europa. O clima geral é de apreensão e expectativa negativa para os próximos tempos.
Para amenizar a situação, o ministro Habeck previu que a Alemanha voltará a crescer a partir do próximo ano, anunciando a adoção de medidas desburocratizantes na relação entre governo e empresas e a busca de um novo programa de geração de energia elétrica considerado climaticamente neutro.
Mas as dificuldades não são pequenas. Desde 1980, sucessivos governos anunciam a intenção de desburocratizar a rotina desta relação, com resultados considerados insatisfatórios.
Além disto, o clima geral dos mercados mundiais de comércio, finanças e investimentos produtivos também é de apreensão e cautela, devido à guerra na Ucrânia e aos confrontos no Oriente Médio, com a ação armada de Israel se expandindo na região.
Por fim, mas não menos importante, grupos ecológicos manifestam grave preocupação diante das, crescentes resistências, por parte de empresários do setor industrial e de produtores agrícolas, em relação às iniciativas verdes, consideradas pouco rentáveis e prejudiciais diante da concorrência estrangeira. A Alemanha e a Europa como um todo podem passar de líderes no setor a novas "crianças-problemas" no que diz respeito à preservação do planeta.
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