Chutando a Escada

Filipe Mendonça e Geraldo Zahran

Um podcast sobre política internacional e divulgação científica na área de Relações Internacionais.

  • 1 hour 9 minutes
    Paris: a Festa Continua

    Neste episódio do Chutando a Escada, recebemos o professor David Magalhães, da PUC-SP e FAAP, coordenador do Observatório da Extrema-Direita e professor no cursinho preparatório para a carreira diplomática Sapientia. A conversa mergulha na ascensão da ultradireita na França, um fenômeno crucial no cenário político atual.

    Discutimos o histórico do Reagrupamento Nacional, desde suas raízes como Frente Nacional, passando pela transformação liderada por Marine Le Pen, até os recentes resultados eleitorais. David Magalhães nos oferece uma análise detalhada das motivações políticas e das implicações dessa ascensão para a França e para o mundo. Falamos também sobre o contexto histórico e os movimentos que influenciaram a extrema-direita francesa, como o poujadismo e o regime de Vichy.

    Aperte o play e entenda melhor como a história e a política se entrelaçam na atualidade francesa!

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    Participaram deste episódio: Filipe MendonçaDébora Prado e David Magalhães
    Créditos da imagem para Sebastien Bozon / AFP
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    4 July 2024, 1:17 am
  • 1 hour 33 seconds
    Israel e Hezbollah: Tensão em escalada

    Neste episódio do Chutando a Escada, recebemos a professora Rashmi Singh, da PUC-Minas, pesquisadora do TRAC (rede colaborativa de pesquisadores sobre terrorismo, radicalização e crime organizado). A conversa se aprofunda nas crescentes tensões entre Israel e o Hezbollah, um tema crucial no cenário geopolítico atual. Discutimos o histórico do Hezbollah, sua evolução como um grupo militar e político no Líbano, e suas capacidades militares.

    A professora Rashmi analisa também as motivações políticas do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e as possíveis consequências de um conflito aberto entre Israel e Hezbollah, incluindo o risco de regionalização do conflito com a participação do Irã. Aperte o play!

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    Participaram deste episódio: Filipe Mendonça, Débora Prado e Rashmi Singh
    Capa: Conheça a história da foto que ilustra o episódio aqui;
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    26 June 2024, 3:56 am
  • 58 minutes 1 second
    Ascensão da ultradireita na Europa

    No episódio desta semana falamos sobre a ascensão da ultradireita na Europa. Para nos guiar nesta discussão, contamos com a participação especial de Vinícius Bivar, doutorando em História Contemporânea pela Universidade Livre de Berlim. Vinícius nos oferece uma análise profunda sobre como a ultradireita evoluiu desde a Segunda Guerra Mundial, destacando as diferentes “ondas” de crescimento deste movimento até chegarmos à fase atual. Discutimos como crises econômicas e políticas, como a crise de 2008 e a pandemia de coronavírus, foram aproveitadas por esses movimentos para ganhar relevância.

    A conversa também aborda temas como a política de memória e a responsabilidade histórica, especialmente na Alemanha Oriental, e como esses fatores influenciam a popularidade da ultradireita. Exploramos exemplos concretos de países como Alemanha, França e Itália, analisando os recentes resultados das eleições para o Parlamento Europeu e o papel dos partidos de extrema-direita. Aperte o play!

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    Participaram deste episódio: Filipe Mendonça e Vinícius Bivar.
    Capa do episódio: AP
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    Ascensão da ultradireita na Europa

    Transcrição do episódio com Vinícius Bivar

    [00:00:00] Filipe Mendonça: Seja bem-vindo e seja bem-vinda a mais uma edição do Chutando a Escada. Aqui é Filipe Mendonça e hoje vamos explorar temas fundamentais sobre a ascensão da ultradireita na Europa e as suas influências históricas. Para isso, a gente recebe aqui o Vinícius Bivar.

    [00:00:15] Vinícius Bivar: Bom, eu sou o Vinícius Bivar, eu sou doutorando em História Contemporânea pela Universidade Livre de Berlim. Me graduei em História aqui no Brasil, na UNB, e fiz meu mestrado em Estudos Europeus Contemporâneos. Já há algum tempo me dedico ao estudo da Europa, mas focado na questão da história. Mais recentemente, desenvolvi um projeto auxiliar de olhar também para a extrema-direita e para a ultradireita contemporânea, com foco tanto na Europa, mas também, obviamente, dialogando com o Brasil.

    [00:00:46] Filipe Mendonça: Eu recomendo que vocês fiquem até o final, porque a conversa está demais. O Vinícius vai falar sobre a ascensão da extrema-direita em países como França, Alemanha e Itália, nas recentes eleições agora para o Parlamento Europeu. Ele também menciona como esses movimentos se aproveitaram das crises econômicas e políticas para ganhar relevância, utilizando, por exemplo, temas como antimigração e islamofobia.

    Vinícius vai falar para a gente um pouquinho também sobre política de memória e responsabilização do passado nazista e como isso influencia atualmente a popularidade da extrema-direita, principalmente em uma parte específica da Alemanha. Ele conta sobre a complexidade de todo o cenário eleitoral europeu, mencionando, entre outras coisas, como as eleições europeias podem funcionar como uma espécie de termômetro ou referendo de ocasião, mobilizando votos de protesto.

    Também discutimos sobre a AfD, que é a Alternativa para a Alemanha, e a estratégia de normalização desses partidos, além da tensão entre o sentimento eurocético e a participação nas instituições europeias. Vale cada minuto, fique até o final. Se puder ajudar o Chutando a Escada, há um jeito muito fácil: compartilhe com seu amigo, dê cinco estrelas no seu agregador favorito, isso ajuda demais. Então, sem mais delongas, vamos para o papo. Com vocês, Vinícius Bivar, falando sobre a ascensão da ultradireita na Europa.

    [00:02:33] Filipe Mendonça: Vamos começar pelo início. Todo mundo está falando sobre as eleições para o parlamento europeu, alguns dizendo que foi um resultado esperado, outros dizendo que foi mais ou menos esperado, com variações dependendo do país. Quando se fala de crescimento da extrema-direita, acho que está muito concentrado na França e na Alemanha, mas a Itália também teve um resultado um pouco surpreendente. É bem sabido que vocês, que estudam extrema-direita, estão falando disso já há muito tempo, que esse é um cenário preocupante, que é uma quadra histórica complicada. A bibliografia sobre o tema se divide em alguns momentos: desde a Segunda Guerra Mundial você tem um contínuo crescimento de movimentos de extrema-direita, que dependem da conjuntura e também consideram novos tipos de crise, novos tipos de comércio, e novas pressões no emprego. A extrema-direita no mundo se altera. Levantando essa bola para você, explique para a gente um pouquinho como vocês historiadores especialistas no tema, organizam esse movimento de crescimento da extrema-direita logo após a sua maior derrota, que foi a Segunda Guerra Mundial.

    [00:03:54] Vinícius Bivar: Vamos lá, então. Essa divisão em diferentes momentos, ou diferentes ondas, como por vezes esse fenômeno é referido na literatura, acabou se popularizando na última década através dos trabalhos do politólogo neerlandês Cas Mudde. Ele é uma das pessoas que partilha dessa visão de que existem ondas, diferentes momentos de ascensão de diferentes grupos de extrema-direita ao longo da segunda metade do século XX e das primeiras duas décadas do século XXI.

    O século XX teria essencialmente três momentos. Um primeiro momento vai de 1945 até 1955, que é o que ele chama de momento neofascista. São organizações essencialmente que derivam sua existência e ideologia diretamente do fascismo histórico e do nazismo, buscando revitalizar ou refundar partidos de cunho fascista e nazista, principalmente na Europa.

    [00:04:52] Filipe Mendonça: Isso em um contexto de criminalização…

    [00:04:57] Vinícius Bivar: Sim, entre 1945 e 1955, é um momento onde está ocorrendo, por exemplo, a política de desnazificação na Alemanha, com uma série de medidas sendo levadas a cabo na Europa, no sentido de desmantelar as organizações que fundamentaram os regimes nazistas na Europa durante a década de 30, principalmente no período entreguerras. O segundo momento seria o que o que Cas Mudde classifica como o momento do populismo de direita.

    A partir daí surgem partidos como o Front National, de Jean-Marie Le Pen, que é considerado uma espécie de expoente desse momento. Esse é um período que vai de 1955 até mais ou menos 1980. Esse é o período, digamos assim, áureo da incorporação desse elemento populista à política de direita no contexto político europeu. 

    A partir desse momento, sobretudo entre a década de 80 e os anos 2000, temos o que seria a terceira onda da ultradireita, que é a ascensão de partidos de direita radical. Entre os exemplos que podemos citar estão os democratas suecos e o Partido da Liberdade Austríaco, que são partidos que estão ativos até hoje, assim como o Front National. Esses partidos buscaram incorporar elementos do fascismo e do nazismo histórico, mas com um verniz, de certa forma, radicalizado ou menos extremista. Abandonaram, por exemplo, o uso da violência, passaram a disputar eleições, utilizando as instituições democráticas como forma preferencial de chegada ao poder, contrastando com movimentos neofascistas que buscavam a chegada ao poder por meio da violência. Essa seria a distinção que Cas Mudde também faz entre esses diferentes movimentos. 

    A partir dos anos 2000 até o presente, estamos vivendo o que Cas Mudde classifica como a quarta onda da extrema-direita. Algo que começa nos anos 2000, mas que ganha força, sobretudo, a partir da crise de 2008, onde você começa a ter ascensão de movimentos, como no caso da Alemanha, o PEGIDA, o próprio AfD criado nesse contexto, ali em 2011. A crise econômica de 2008 teve seu auge entre 2011 e 2012, e observamos o início desse processo de normalização, o que se chama na literatura de mainstreaming.

    Essa é uma das características fundamentais dessa quarta onda, além de sua heterogeneidade. É importante, claro, para o ouvinte, que essas ondas não são excludentes, essa é só uma ferramenta analítica que usamos para sistematizar nossa compreensão a respeito desses diferentes momentos. Mas, assim, o momento populista de direita não significa necessariamente que o neofascismo deixou de existir, e o momento de direita radical não necessariamente significa que o populismo de direita deixou de existir. Pelo contrário, todos esses movimentos de direita surgiram e ganharam força ao longo da segunda metade do século XX, e acabam se aproveitando desse contexto. 

    Desde 2008, o 11 de setembro também foi importante, e mais recentemente, em 2015, a crise dos refugiados, principalmente afegãos e sírios chegando à Europa, e mais recentemente a guerra da Ucrânia. Esses momentos vão contribuir para recatalisar, de alguma forma, a ascensão desses grupos diversos. Justamente essa heterogeneidade que caracteriza essa quarta onda contribui com esse processo de mainstreaming, com a normalização de ideias que até então eram consideradas radicais ou extremistas e que passam a fazer parte do debate político como ideias consideradas aceitáveis por uma parcela do eleitorado em países como a Alemanha, França e Itália.

    [00:09:09] Filipe Mendonça: Nessa quarta onda que você menciona, estamos no século XXI. Você citou vários eventos históricos: o 11 de setembro, a política contra o terror, a crise financeira de 2008 que derrubou boa parte das economias europeias, e logo depois, principalmente na periferia da Europa, houve uma crise. A imprensa usava um termo pejorativo até para se referir a alguns países, que eram os PIIGS: Portugal…

    [00:09:44] Vinícius Bivar: Irlanda…

    [00:09:46] Filipe Mendonça: Grécia, e a Espanha. Acho que tinha mais um, mas não me lembro. Então, recapitulando, PIIGS, com o I dobrado, é um acrônimo para fazer referência a cinco países: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha.

    [00:10:07] Vinícius Bivar: Isso mesmo,o I era dobrado.

    [00:10:10] Filipe Mendonça: Então, um pouco o rescaldo da crise de 2008. Você citou depois a crise dos refugiados em 2014, e um ano antes tivemos a crise na Crimeia que escalou para a atual guerra da Ucrânia. Dentro de um contexto de pressão em cima de uma classe média que a literatura chama de derrotados da globalização, esse público começa a não se ver representado na democracia liberal e começa a buscar alternativas?

    [00:10:43] Vinícius Bivar: Seguramente, esse é um dos elementos estruturais que acabam favorecendo esse processo de crescimento da extrema-direita que observamos na última década, principalmente. A questão do 11 de setembro vai ter, por exemplo, um papel relevante na construção ideológica de partidos como a AfD, na medida em que fundamenta o argumento anti-islamização do Ocidente. Inclusive, existe um movimento que surge junto com a AfD, o PEGIDA, que é uma sigla em alemão que designa os Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente. O 11 de setembro e todo o imaginário criado em torno da imigração muçulmana para a Europa acabam bebendo de eventos como a guerra ao terror para fundamentar essa ideologia xenófoba baseada na discriminação das populações muçulmanas que residem na Europa. Da mesma forma, a crise econômica e, posteriormente, a crise dos refugiados de 2015 vão contribuir justamente com a acentuação da relevância do debate imigratório e a instrumentalização que esses partidos fazem da questão da imigração, que se converte em uma pauta central de partidos como o Fratelli d’Italia da Meloni, o Front National da Marine Le Pen e o AfD na Alemanha.

    Todos esses partidos acabam se estruturando e angariando muito apoio a partir do discurso anti-imigração. Tanto que a relevância desse tema para esses partidos é tão grande que, no momento, por exemplo, em que temos a pandemia do coronavírus e esse debate perde espaço dentro do debate público europeu, esses partidos acabam minguando. Entre 2019 e 2021, houve um período de diminuição da influência desses partidos tanto no debate público quanto eleitoralmente. A partir do momento em que a pandemia deixa de ser o debate central e temáticas relacionadas, por exemplo, à inflação, à economia e à questão migratória retornam ao debate público europeu, esses partidos têm, novamente, uma espécie de ressurgimento da sua influência, que é essencialmente o que estamos observando agora no contexto das eleições europeias.

    A própria AfD teve uma ascensão meteórica nos últimos anos a ponto de se converter, o que foi confirmado no contexto das eleições europeias, na segunda força na política nacional alemã. Existe a expectativa de que isso se replique também em uma eventual futura eleição nacional, já que o governo de Olaf Scholz e a coalizão que o apoia, que envolve tanto os liberais quanto o Partido Verde, está extremamente fragilizada neste momento. É muito provável que tenhamos um retorno da CDU, que governou durante muitos anos na era Merkel, como um dos principais elementos de propaganda dos democratas cristãos alemães para defender um retorno ao poder. E é possível que a AfD se converta nesse contexto na segunda força. Veremos como os partidos tradicionais vão responder a essa ascensão da AfD. Até o momento tem funcionado a filosofia do cordão sanitário, ou do firewall, como é chamada na Europa. A ideia é de que os partidos tradicionais não se coliguem com a extrema-direita e não aceitem formar governo com a extrema-direita, preferindo soluções alternativas.

    O próprio Olaf Scholz se viu obrigado a formar uma coalizão que envolve dois partidos com visões de mundo bastante distintas, os liberais e o Partido Verde, justamente como uma forma de evitar a necessidade de incorporar a AfD, que já havia crescido substancialmente na última eleição parlamentar na Alemanha, ao governo. Então, já observamos uma fragmentação de coalizões de governo na Alemanha como resultado desse crescimento da extrema-direita e da maior presença da extrema-direita no parlamento alemão.

    [00:15:19] Filipe Mendonça: Você tocou em muitas coisas interessantes. Antes, deixa eu dar um passo atrás, até para a gente não perder o fio condutor. Pensando em termos mais amplos, o que esses partidos defendem? A palavra que você usou foi diversidade. São bandeiras que podem variar dependendo da localidade, meio que uma estrutura que sofre mutações dependendo do país e da época. E como essa quadra histórica, essa quarta onda, tem essa especificidade: crise da democracia liberal, guerra na Europa, a maior guerra desde a Segunda Guerra Mundial, uma pressão sobre a classe média, que é o que chamamos de derrotados da globalização. Mas, por outro lado, há algumas coisas que você falou que unem os diferentes partidos europeus nesse campo da extrema-direita. Você citou bastante a ideia de anti-imigração, xenofobia. Eu não entendi bem a pauta verde, acho que é uma crítica em relação a isso.

    [00:16:25] Vinícius Bivar: A pauta do meio ambiente acabou se tornando um dos pontos de convergência de diversos movimentos de extrema-direita nos últimos anos, acentuada pela crise energética gerada pela guerra da Ucrânia. No caso alemão, por exemplo, a dependência do gás russo como relevante na matriz energética alemã acabou levando a um aumento expressivo na inflação nos últimos anos. Isso gerou uma resposta, uma reação contra a pauta ambiental, associada também a uma certa posição pró-russa, a ideia de que seria melhor para a Alemanha fazer concessões à Rússia, permitir que a Rússia tomasse a Ucrânia, para que a Alemanha continuasse a ter acesso ao gás russo barato, financiando seu desenvolvimento econômico. Essa foi a base dos anos de prosperidade que a Alemanha viveu, sobretudo no século XXI. Esse alerta já era feito, principalmente por países do sul da Europa, em relação à dependência que se criava do gás barato vindo da Rússia durante o governo Merkel. Adotou-se uma postura cética em relação à possibilidade de que algo como a guerra da Ucrânia pudesse acontecer, mas infelizmente ocorreu, gerando um impacto na inflação e no preço da energia, e um impacto na indústria alemã, que ainda é intensiva no uso de energia.

    Então, temos a indústria química, metalurgia, são segmentos que demandam muita energia. Isso teve um impacto econômico instrumentalizado pela extrema-direita para angariar apoio, associado à questão do discurso pró-Rússia, a ideia de que a guerra da Ucrânia não é problema da Alemanha, que a Alemanha tem que buscar defender sua segurança energética em detrimento de qualquer ameaça que a Rússia possa representar.

    [00:18:32] Filipe Mendonça: Esse ponto é muito interessante, porque veja como a história é complexa e dá voltas. O que você está dizendo é que, de certo modo, esses grupos de extrema-direita caminham em direção contrária ao que os regimes internacionais de meio ambiente estão dizendo, um certo negacionismo climático, acho podemos colocar nesses termos. E isso chega ao ponto de alguns partidos se tornarem anti-guerra. Nessa conjuntura específica, então, é correto dizer que a extrema-direita cresceu na Europa ao mesmo tempo em que o discurso anti-guerra também cresceu.

    [00:19:21] Vinícius Bivar: É muito curioso. Não me recordo exatamente quem foi, mas assisti a uma entrevista sobre esse tema hoje, e algum especialista comentou que todos os partidos da Europa querem a paz. Os caminhos pelos quais esses partidos buscam a paz são essencialmente diferentes. Você tem uma postura mais tradicional, incorporada inclusive por alguns partidos, como o caso de Giorgia Meloni e do Fratelli d’Italia, que têm uma postura pró-OTAN, vendo mérito na ideia de armar a Ucrânia para que ela possa se defender contra a Rússia. Inclusive, distoando do discurso de Marine Le Pen ou da própria AfD, que adotam uma postura próxima de um interesse russo, argumentando que isso não seria problema da Alemanha ou da França, que essa guerra é uma questão interna, doméstica, entre a Ucrânia e a Rússia, e que não seria do interesse da Alemanha, por exemplo, se envolver nesse conflito. Seria interessante para a Alemanha, pelo contrário, permitir que a Rússia faça o que quiser na Ucrânia, desde que o suprimento de gás continue. Durante parte dessas últimas duas décadas, sustentou o crescimento econômico da indústria alemã, principalmente a parte mais tradicional da indústria alemã, que é intensiva em energia. Então, nesse sentido, também existe uma postura por parte desses partidos favorável a uma solução para esse conflito, mas uma solução muito diferente daquela proposta pelas instituições europeias e por alguns partidos associados a esse grupo de ultradireita, como o Fratelli d’Italia da Meloni.

    [00:21:04] Filipe Mendonça: Interessante e trágico. Às vezes, é um curto-circuito, porque, por conta da nossa experiência com a extrema-direita no Brasil que é uma extrema-direita beligerante, no sentido de que tem uma postura mais engajada, de agressividade. No caso alemão especificamente, a centro-direita ou a centro-esquerda na guerra da Ucrânia têm uma postura mais incisiva no sentido de enviar armas, prolongando a guerra, mais do que a extrema-direita, que tende a construir uma solução mais pró-Rússia. Inclusive, não estou defendendo esse caminho, obviamente, porque é um problema às avessas. Acho que resolve um problema e cria outro. 

    Ainda nesse tema, quero aproveitar, já que temos um especialista em Alemanha aqui, para perguntar sobre a Alternativa para a Alemanha. Sou um completo leigo, como você já percebeu. O ouvinte aqui já me conhece, sabe que faço perguntas elementares. A gente lê “extrema-direita”, alguns vão dar um passo adiante e falam “não, é um partido neonazista”… na Alemanha, que a princípio é o lugar onde mais se condena essa experiência. Então, fico sem entender qual a capilaridade que isso tem na sociedade alemã, se há relação orgânica com a sociedade alemã.

    [00:22:44] Vinícius Bivar: Vamos lá, então. A AfD, como a própria ultradireita de maneira geral, também passou por vários momentos. Ela começa em 2012, 2013, como um partido eurocético, não contra a União Europeia como instituição, mas contra a zona do euro. Havia a argumentação do potencial fim do euro e retorno ao marco alemão. Essa era essencialmente a pauta do partido na sua origem. Ao longo dessa última década, principalmente nos anos 2010, o partido passa por um processo de radicalização. São criadas algumas alas, a partir da incorporação de diferentes movimentos, sobretudo nos novos estados federais, que foram incorporados à Alemanha após a unificação. O que ocorre é um processo paulatino de radicalização. Uma das alas do partido, a Der Flügel (a asa), é comandada por um professor de história, curiosamente, o Bjorn Höcke, que é extremamente popular nos estados da antiga Alemanha Oriental, principalmente na Turíngia. Esse indivíduo é essencialmente quem conduz, juntamente com essa ala do partido, esse processo de radicalização, inclusive incorporando elementos do neonazismo ao seu discurso. O caso mais recente envolveu um membro do Parlamento Europeu da AfD, Maximilian Krah, que em uma entrevista disse que nem todos aqueles que vestiam o uniforme da SS eram criminosos.

    Foi justamente a partir dessa declaração que surgiu a celeuma envolvendo o Identidade e Democracia, o grupo parlamentar da FN, e a AfD acabou expulsa desse grupo parlamentar e hoje integra uma ala dentro do Parlamento Europeu independente, que não está vinculada ou associada a nenhum desses grupos mais amplos, suprapartidários, com base nos quais o Parlamento Europeu se organiza. Então, a AfD passou por esse processo de radicalização ao longo da década. Essa ala do partido é monitorada pela Agência de Proteção da Constituição, que é um órgão do judiciário alemão que monitora organizações classificadas como extremistas ou potencialmente extremistas. E o Bjorn Höcke também é uma figura monitorada nesse contexto, justamente pela potencial associação que ele tem com grupos neonazistas, em sentido estrito.

    A AfD joga com essa associação ao neonazismo a todo momento, justamente porque uma eventual classificação, sobretudo no caso concreto da Alemanha, da AfD como organização extremista levaria ao banimento do partido. Então, para que o partido continue ativo, ele dialoga com essas idas e vindas, esses rompantes neonazistas misturados a uma tentativa de distanciamento. A dinâmica do discurso do partido se estrutura a partir desse diálogo. Uma sinalização e uma aproximação com movimentos neonazistas, como o NPD, que é um partido abertamente neonazista. Inclusive mudou de nome recentemente, passando a se chamar Heimat, que significa “nação” ou “pátria” em alemão. Então, ocorre essa sinalização, mas ao mesmo tempo, a partir do momento em que surge um escândalo como o de Maximilian Krah ou outros escândalos envolvendo Bjorn Höcke, o partido busca se distanciar dessa associação, dizendo: “Não, veja bem, não é isso que nós defendemos. Nós somos um partido que opera dentro das regras do jogo democrático, que participa de eleições, que procura chegar ao poder através da vontade da maioria e não por meio da violência”, buscando criar esse distanciamento. Ainda assim, a todo momento sinalizando para esses grupos mais radicalizados, especialmente neonazistas, tentando atrair o voto dessa população que durante muito tempo, inclusive, não votava.

    A AfD se beneficiou muito de indivíduos desengajados politicamente, que enxergaram na AfD uma representação da sua visão de mundo, uma visão de mundo extremista em muitos casos, e que acabaram sendo trazidos de volta à participação política, em larga medida sustentando esse processo de ascensão, sobretudo no início da AfD, ao longo da última década. Então, a AfD joga com essa dicotomia: ao mesmo tempo que sinaliza para esses movimentos e busca atrair esses movimentos para perto do partido, surge uma potencial acusação, um potencial escândalo, e o partido procura se distanciar desse passado nazista. E aí há questões mais complexas que envolvem a AfD e o passado nazista, relacionadas, por exemplo, a políticas de memória. Esse é um dos argumentos que pretendo investigar mais a fundo. Alguns artigos já ventilaram essa possibilidade, mas acredito que um dos elementos, para além daqueles já consagrados, é o fato de que existe um déficit em termos de desenvolvimento econômico entre os estados da antiga Alemanha Oriental e os estados da antiga Alemanha Ocidental. O fato de que os próprios cidadãos da antiga Alemanha Oriental se enxergam como cidadãos de segunda classe na Alemanha Unificada. Esses elementos fazem parte da explicação para o papel preponderante que a AfD teve, inclusive agora nas eleições europeias, sendo o partido mais votado em boa parte desses estados. 

    Todos esses elementos contribuem para essa explicação do porquê a AfD é tão popular, mas eu diria, e aí como historiador acrescento esse elemento adicional, que existe também uma diferença em relação à política de memória e como o nazismo é lembrado no estado da antiga Alemanha Oriental em comparação com os estados da antiga Alemanha Ocidental. Não existe a relação de responsabilização, o sentimento de culpa, toda a política de memória foi estruturada em torno da noção da vitória do socialismo sobre o nazismo, da ideia de que os alemães orientais seriam irmãos socialistas que teriam lutado contra o nazismo. É uma narrativa que se constrói em torno desse passado que é diferente e que possivelmente se junta a todos esses outros elementos para nos ajudar a explicar por que dessa popularidade excepcional, quando comparado ao resto da Alemanha, da AfD nos novos estados federais.

    [00:29:42] Filipe Mendonça: Essa é uma excelente hipótese de trabalho. Quero só enfatizar a importância de se resgatar a memória não como causa, mas como um elemento explicativo. Me lembro até que no episódio que gravamos aqui, semana passada, estávamos falando com Matheus Pereira sobre o Milei. Ele também apontou uma hipótese sobre a memória. Por que o Milei não resgata o passado da ditadura? Ele atribui isso à memória e à responsabilização na Argentina, diferente do Brasil, onde, infelizmente, nossa experiência com a extrema-direita conseguiu fazer um retorno ao discurso da ditadura por conta da política inadequada de memória e responsabilização feita no Brasil. Ou seja, nossa transição e anistia teriam deixado essa sequela, permitindo que líderes de extrema-direita pudessem resgatar o discurso da ditadura militar. Agora você está trazendo de novo essa variável, dizendo que a Alemanha Oriental teve um tratamento diferente da memória, tornando-a mais suscetível hoje a discursos de extrema-direita.

    [00:31:02] Vinícius Bivar: Toda a noção de responsabilização, de culpa própria… a educação escolar na antiga Alemanha Ocidental foi muito diferente, estruturada em torno da lembrança, da monumentalização e do esclarecimento em relação aos crimes cometidos pelo nazismo. Existe uma resistência muito maior, e é curioso como observamos isso no mapa eleitoral das eleições europeias deste fim de semana. Há uma divisão muito clara entre a AfD nos estados da antiga Alemanha Oriental e, ainda que um voto conservador, um voto na direita democrática tradicional, representada pela CDU na maior parte do país e pela CSU na Baviera. Especificamente, são partidos diferentes, mas que operam quase como um partido, pelo menos em nível federal, quase como um partido unitário. Ainda que tenha havido uma guinada à direita de maneira ampla, ela se manifesta de forma diferente. Ela se manifesta de forma mais extremista na antiga Alemanha Oriental e de forma menos extremista, mais associada aos partidos da direita tradicional, como é o caso da CDU na Alemanha Ocidental. Eu diria que parte da explicação, como você bem disse, isso não é a causa, é um dos elementos que contribui para a explicação do porquê, por exemplo, ainda que tenha havido uma guinada à direita na Alemanha Oriental, isso não significou uma predominância eleitoral da AfD, como foi o caso em estados como Turíngia, Brandemburgo e Saxônia.

    [00:32:52] Filipe Mendonça: É interessante. Quando você publicar, quando os achados começarem a aparecer, volte aqui e conte para a gente. É uma excelente hipótese, enfatizar a importância da política de memória e responsabilização, algo que não fizemos no Brasil, e quando tentamos fazer, deu no que deu, como nossa Comissão da Verdade. Enfim, essa é uma outra história para trabalharmos em outro momento. Mas eu queria voltar a um ponto. Você citou a ideia do cordão sanitário, ou seja, partidos de centro-direita e centro-esquerda, principalmente, criam um colchão de amortecimento para não permitir que essas teses extremas entrem no sistema político. No Brasil, quando o Bolsonaro assumiu, lembro que não usávamos o termo cordão sanitário, mas a imprensa dizia que as instituições estavam funcionando, que as instituições iriam enquadrar esse extremista mesmo eleito. O que aconteceu foi que temos exemplos recentes de que o cordão sanitário não foi suficiente para conter. O caso mais emblemático é o Trump nos Estados Unidos. Há diversas teses, como a do Levitsky, em “Como as Democracias Morrem”, que mostra que aquele cordão sanitário, com filtros institucionais, não evitou que sujeitos como o Trump entrassem no jogo, demonstrando a crise da democracia liberal. Na Europa, acho que a Hungria é o caso emblemático onde o cordão sanitário não foi suficiente para conter. Esse discurso do cordão sanitário sempre vai tolerando e pressionando até que uma hora a serpente sai do ovo. Como você vê isso?

    [00:35:05] Vinícius Bivar: Esse é um dos sintomas do processo que Cas Mudde identifica como a normalização da extrema-direita. Observamos recentemente a aproximação entre Giorgia Meloni e Ursula von der Leyen. A nível europeu, é uma das evidências desse deslocamento da centro-direita do campo democrático, aproximando-se de movimentos mais radicais associados à ultradireita representada por Meloni. Em contextos nacionais, sobretudo na Europa Central, com exceção de Hungria e Polônia, bem como na Europa Ocidental, vimos um caso emblemático nos Países Baixos com a eleição de Geert Wilders. Foi uma surpresa para todos. Não se esperava que o Partido pela Liberdade dos Países Baixos saísse vitorioso, mas houve uma mobilização dos partidos tradicionais para evitar que ele assumisse o posto de primeiro-ministro. Foi feita uma coalizão, mas a condição para que essa coalizão fosse formada e envolvesse o partido de Wilders era que ele não fosse o candidato a primeiro-ministro, e sim outra pessoa, algum outro representante para ocupar esse papel. Mas é um sintoma da limitação dessa estratégia do cordão sanitário. A mesma coisa vale para a Alemanha. Na medida em que o eleitorado se desloca mais para a direita, há um incentivo para que partidos, sobretudo de centro-direita, se aproximem de posições mais radicalizadas, incorporando, por exemplo, o discurso anti-imigração e anti-refugiados. Sobretudo na Itália e na Alemanha, essa questão é bastante importante. Então, ao longo desse processo, ocorreu uma aproximação e um deslocamento desses partidos de direita mais para a direita, para um campo mais próximo dessa direita radical, colocando em xeque e mostrando a fragilidade dessa estratégia de cordão sanitário.

    Na Alemanha, tivemos novamente um caso emblemático onde uma liderança da CDU, Friedrich Merz, cogitou em uma entrevista a possibilidade de formar governo com a AfD em nível regional. Isso obviamente foi um escândalo. O partido, outras figuras importantes prontamente vieram a público negar essa possibilidade, afirmando que a CDU, em nenhuma hipótese, se coligaria com a AfD, nem em nível regional, devido justamente às conexões, principalmente dessa ala mais extremista do partido com o neonazismo. Houve uma resposta institucional do partido contra essa declaração, mas isso sinaliza que esse firewall tem um prazo de validade. 

    De certa forma, a realidade eleitoral vem oferecendo incentivos para que partidos de direita se aproximem da AfD na tentativa de fragilizar esses partidos. Incorporar o discurso anti-imigração, algumas das pautas centrais de partidos como a AfD e o Front National, como uma forma de tentar esvaziar esses partidos. A estratégia claramente não foi bem-sucedida. Em um segundo momento, ocorre a tentativa de aproximação como forma de resgatar o prestígio desses partidos tradicionais perante um eleitorado que está se movendo cada vez mais para a direita. Tivemos como exceção os anos da pandemia, mas de maneira geral, desde 2013 até as últimas eleições, observamos um processo de ascensão gradual da extrema-direita relativamente constante. Como disse, o período da pandemia foi uma exceção, mas a regra tem sido justamente o ganho de relevância eleitoral por parte da extrema-direita, e os partidos de direita democrática têm tentado capitalizar esse deslocamento do eleitorado mais à direita, aproximando-se e colocando em xeque, eventualmente, essa estratégia do cordão sanitário ou do firewall.

    [00:39:37] Filipe Mendonça: Vinícius, olha só, eu te trouxe aqui para te ouvir falar sobre as eleições do Parlamento Europeu. A gente nem falou ainda sobre isso, mas acho que discutimos todo o contexto que levou ao resultado, o que para mim é mais interessante do que o resultado em si. Falando agora sobre as eleições, um combo de provocações: primeira, quão representativo é o resultado para o Parlamento Europeu considerando disputas domésticas? Lendo como leigo, não percebo na imprensa quão representativa é essa eleição para a política doméstica. Sei que tem uma importância, não à toa o Macron convocou a eleição. Ele chamou a eleição para ver se o governo ainda tem legitimidade. Então, essa é a primeira pergunta. A segunda, esses partidos de extrema-direita que avançaram agora no Parlamento Europeu, eles são eurocéticos? Em uma de suas falas, quando historicizou a extrema-direita na Europa, você mencionou que algumas dessas ondas mostravam ceticismo em relação ao projeto europeu. Inclusive, na segunda onda, a identidade nacional já aparecia com muita força. Parece um curto-circuito. Se eles são eurocéticos, ganham espaço dentro de uma instituição que, em última instância, talvez nem gostariam de estar, considerando a estrutura do argumento de identidade nacional. A terceira é: considerando que esses partidos são muito diversos, é possível haver alguma coalizão entre esses partidos que ganharam algumas cadeiras? Essa composição, da maneira como ficou, é possível algum tipo de coalizão?

    [00:41:56] Vinícius Bivar: Novamente, a resposta para todas essas perguntas é a diversidade. A União Europeia é um bloco extremamente heterogêneo e, nesses três cenários que você colocou, diferentes países vão adotar posições diferentes. Então, para alguns países, por exemplo, as eleições europeias são vistas como algo completamente separado, que não tem nenhuma correlação com a eleição nacional. Já em outros países, há uma postura intermediária, onde você tem algum nível de correlação, mas a eleição europeia é entendida como algo diferente, que ainda que exista certa representatividade desse resultado que possa ser eventualmente transposta para eleições nacionais, tende a não seguir as mesmas proporções analisadas nesses dois diferentes contextos, europeu e nacional. E você tem partidos, e talvez esse seja o principal aspecto, nos principais países do bloco, os mais populosos, consequentemente com maior representação no Parlamento Europeu, onde há uma correlação mais forte, mais presente, e essas eleições acabam funcionando.

    Eu fiz essa comparação com as midterms americanas quando falava sobre a AfD numa palestra que dei na PUC há umas semanas atrás. Elas funcionam como uma espécie de referendo de ocasião e acabam mobilizando um certo voto de protesto, um certo discurso anti-sistema, uma sinalização acerca da insatisfação da população com o governo. E esse, por exemplo, é claramente o caso da Alemanha. O resultado das eleições europeias e a ascensão não só da CDU, a recuperação do prestígio da CDU, e a ascensão da AfD, são tanto produto de uma guinada mais conservadora do eleitorado, quanto um referendo acerca da posição desse eleitorado em relação aos três principais partidos da coalizão governista: os social-democratas, os verdes e os liberais, que todos eles perderam votos. E, aliás, talvez a gente pode tirar algum tipo de padrão dessa complexidade que é a eleição para o Parlamento Europeu, que é de que, com exceção da Itália, onde Giorgia Meloni consegue manter certa popularidade, o Fratelli d’Italia teve um resultado bastante expressivo. Essa foi uma eleição essencialmente antigovernista, onde os partidos governistas acabaram tendo resultados aquém do esperado, inclusive em países como Polônia e Bélgica, que têm governos mais conservadores, e países nórdicos, onde há governos mais conservadores e se observou um ganho eleitoral da esquerda.

    Então, se existe algum tipo de padrão que podemos identificar nesse processo eleitoral, é esse sentimento antigovernista que acabou mobilizando uma parcela do eleitorado e favorecendo o crescimento de partidos e movimentos não associados ao governo. Em relação à representatividade, no caso francês, existe uma correlação maior entre a eleição europeia e a eleição nacional. O resultado francês carrega um simbolismo e uma relevância maior. Macron tem três anos para se provar. No caso da Alemanha, a AfD vem crescendo gradualmente desde o fim da pandemia, se colocando como segunda força. Houve uma desmoralização da coalizão governista. Veremos se esse resultado se traduz em uma eleição nacional.

    Na Itália, Giorgia Meloni subiu ao poder como candidata antissistema, relativamente eurocética. A AfD começa como um partido contrário à zona do euro, não necessariamente à União Europeia como um projeto de integração. Esse discurso arrefeceu após o Brexit, com o fiasco que foi, e hoje é difícil encontrar um partido que advogue a saída da União Europeia. Participam das instituições europeias buscando erodir por dentro essas instituições.

    [00:55:27] Filipe Mendonça: E isso faz parte significativa da estratégia da extrema-direita como um todo, corroer por dentro.

    [00:55:11] Vinícius Bivar: Exatamente. É uma das características que distingue esses movimentos de direita, sobretudo a partir da segunda onda, dos movimentos do nazismo e fascismo históricos. Eles não defendem uma ruptura, mas uma erosão paulatina das instituições. Vitor Orbán na Hungria é o caso mais emblemático. A ideia é de que você vai paulatinamente erodindo as instituições democráticas, controlando a imprensa, aumentando o número de juízes na Suprema Corte, redistribuindo distritos para favorecer seu partido. E com a União Europeia, a ideia é desagregar o processo europeu, criando uma federação de nações, onde a cooperação geográfica e a guerra cultural fundamentam o discurso anti-imigração, mesmo participando das instituições que supostamente não apoiam. Então, isso seria o resumo dessa diversidade e complexidade.

    [00:55:30] Filipe Mendonça: Coloquei você numa furada, mas a resposta foi bastante completa.

     

    Citação:
    CHUTANDO A ESCADA: A Ascensão da ultradireita na Europa. Entrevistado: Vinícius Bivar. Entrevistador: Filipe Mendonça. Brasil: Chutando a Escada, 2024. Podcast. Disponível em: https://www.chutandoaescada.com.br. Acesso em: [Data do acesso]

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    13 June 2024, 1:24 am
  • 23 minutes 13 seconds
    6 meses de Javier Milei

    No episódio de hoje, Filipe Mendonça conversa com Matheus de Oliveira Pereira (INCT-Ineu) sobre os primeiros seis meses de governo de Javier Milei na Argentina, destacando sua abordagem radical e controversa, incluindo os decretos e a “lei ônibus”, que pretende implementar reformas profundas e quase constitucionais no país. Aperte o Play!

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    5 June 2024, 1:09 pm
  • Greve nas federais

    No episódio de hoje do Chutando a Escada, Filipe Mendonça conversa com Maria Caramez Carlotto, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e presidenta da Associação dos Docentes da UFABC. Eles discutem a greve nas universidades federais brasileiras, que começou em 15 de abril e envolve tanto professores quanto técnicos administrativos. Aperte o Play!

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    Transcrição do episódio 345, “Greves nas federais”

    [00:00:00] Filipe Mendonça: Seja bem-vindo e seja bem-vinda a mais uma edição do Estão da Escada. Aqui é Filipe Mendonça e hoje eu converso com a Maria Carlotto.

    [00:00:08] Maria Carlotto: Oi, Filipe. Eu sou Maria Carames Carlotto. Eu sou professora da Universidade Federal do ABC, entrei em 2015 e em 2016 assumi a presidência da Associação dos Docentes da UFABC, numa conjuntura muito tranquila, né? 2016, 2020, peguei até a pandemia, saí, já tinha achado que tinha dado a minha contribuição, voltei para a direção do sindicato para contribuir de maneira muito lateral, aí fui para a vice-presidência, porque era um cargo tranquilo, e acabei tendo que assumir a presidência numa outra conjuntura muito tranquila, que é a greve docente. Então, estou agora presidente da Associação dos Docentes da UFABC.

    [00:00:52] Filipe Mendonça: Bom, e hoje a gente fala então sobre a greve nas universidades federais brasileiras, que teve início em 15 de abril e tem mobilizado tanto professores quanto técnicos administrativos. As duas categorias estão em greve. Inclusive, os técnicos administrativos entraram em greve um pouco antes. As duas categorias, grosso modo, pedem reajuste salarial. Então, o principal sindicato dos professores tem uma proposta de reajuste. Na verdade, o correto seria chamar de recomposição, porque as propostas não pedem ganhos reais considerando a defasagem dos últimos anos e os técnicos administrativos a mesma coisa eles pedem ali uma recomposição do salário equivalente à inflação acumulada no período.

    Também existem outras reivindicações, como a melhoria nas condições de trabalho e o fim do corte de verbas nas universidades. É importante destacar a grande preocupação com os cortes orçamentários que as universidades vinham sofrendo, especialmente desde o governo Temer, impactando diretamente o ensino, a pesquisa e a extensão. E pedem, obviamente, portanto, o reajuste do orçamento das universidades para que elas consigam devolver à sociedade o principal produto das universidades, que é a formação de qualidade. Especificamente, a greve docente tem algumas particularidades. você tem ali o Andes Sindicato Nacional, que é o Sindicato Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior. Você tem também o SINASEFE, que é o Sindicato Nacional dos Servidores Federais em Educação, que tem uma carreira muito parecida, mas que tem algumas especificidades. E aí você tem o engodo, que é um sindicato chamado PROIFES, que é a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras, que percentualmente representa uma parcela bem pequena da categoria. E aí foi justamente o PROIFES que assinou, no dia 27 de maio, na segunda-feira dessa semana, um acordo com o governo federal, prevendo um reajuste bem abaixo do que as categorias têm pedido, começando a partir de 2025.

    Então, até ontem, até o dia 28 de maio, 50 universidades, institutos e centros de educação federais ainda permanecem em greve mesmo após a assinatura do acordo. Negociações entre a categoria e o governo federal continuam, mas ainda sem um horizonte definido que pode colocar fim à greve.

    Bom, mas antes da gente ouvir a Maria, eu quero te pedir, se você puder, para apoiar o Chutando a Escada. Para isso é muito simples. Basta entrar em www.chutandoaescada.com.br/apoio e lá você vai encontrar várias formas de ajudar.

    Bom, greve sempre é um transtorno, suspensão das aulas gera um impacto grande, é verdade, mas a greve é necessária porque é grave, e a Maria vem aqui contar para a gente tudo o que está acontecendo. Então, sem mais delongas, vamos para o papo.

    [00:04:02] Intervenção musical

    [00:04:22] Filipe Mendonça: Para quem nos ouve e não sabe, as universidades federais brasileiras estão no meio de uma greve, uma greve muito difícil, e a gente conversa com a Maria para ela contar um pouquinho para a gente o que tem acontecido, explicar um pouquinho quais são as demandas, as pautas e para que rumo pode ir o movimento grevista agora, nessa semana, considerando a assinatura do acordo que foi feita no dia de ontem, no dia 27 de maio de 2024.

    Antes de entrarmos na agenda, Maria, me conta… que greve é essa? Qual a importância dela? O que o movimento paredista busca com essa greve? Se você puder explicar um pouco para nós, dando um panorama geral, para que o ouvinte entenda o que está acontecendo, eu acho importante.

    [00:05:09] Maria Carlotto: Filipe, eu acho que eu posso começar dizendo que essa é uma greve histórica. Para a gente ter a dimensão do tamanho dessa greve, o Brasil tem 63 universidades federais. O levantamento feito pelo Comando Nacional de Greve ontem, dava conta de que das 63, 59 estão em greve, e duas têm greve aprovada para os próximos dias. Esse eu acho que é o primeiro dado para a gente começar a avaliar o tamanho desse movimento.

    Essa greve começou no dia 15 de abril e veio não crescendo, praticamente ininterrupto e continua crescendo. Como eu falei, tem duas universidades que ainda vão entrar em greve nos próximos dias.

    Qual é a pauta desse movimento histórico? A greve tem cinco eixos. O primeiro é a reposição salarial. Veja, nós a partir de um levantamento do DIEESE, nós concluímos que as perdas salariais entre 2016 e o final do governo Lula, considerando a inflação projetada, seria da ordem de 50%. Considerando que o que foi dado para nós no acordo firmado no ano passado, o reajuste emergencial de 9%, descontando isso, a gente chegou no índice de 22,71 %, que considerava-se ainda um resquício do acordo de 2015 que impactou até 2019.

    A situação, a partir daquele momento, foi que a despeito de um orçamento que, se tivesse sido implementado na sua integralidade, teria sido o pior da história, muito pior do que esse, o fato é que as universidades conseguiram sobreviver àquele período, até porque a coisa era tão brutal que as emendas parlamentares compensavam um pouco aquela situação.

    Hoje, nós não temos essas emendas parlamentares para as universidades e as universidades estão funcionando a pleno vapor, inclusive com demanda represada da época da pandemia. Essa situação faz com que a gente esteja hoje precisando, esse é um cálculo da Andifes, da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Universitárias Superiores, de uma reposição mínima de 2,5 bilhões.

    Então, um segundo eixo da nossa greve é a reposição orçamentária das universidades para a gente seguir funcionando, cumprindo o nosso papel básico. Depois tem outros três eixos. A reestruturação da carreira: a nossa carreira foi muito destruída por um outro acordo afirmado pelo PROIFES em 2012; a questão dos aposentados que foram muito atingidos por esse acordo de 2012 e que, se não tiver reposição salarial em 2024, ficam realmente numa situação muito complicada;  e o revogaço, ou seja, a revogação de uma série de medidas.

    [00:07:59] Esses são cinco eixos da nossa greve. Não é só salário, é uma greve em defesa da educação, é uma greve histórica, porque a gente vem de período de muito ataques desde o governo Temer. Desde 2015 você tem um corte de orçamento importante. A partir do governo Temer, além do corte dos ataques orçamentários, você tem os ataques simbólicos. Então a gente vem de um período muito difícil e com muitas expectativas para esse governo, expectativas que vêm sendo frustradas. E isso tem mobilizado um movimento muito enraizado, muito enraizado no corpo da comunidade universitária, de resistência e de disputa do fundo público, porque é isso que a gente entende que é essa greve.

    [00:08:46] Filipe Mendonça: Maria, greve é um instrumento de luta legítimo, até o próprio Lula tem dito isso, reconhece a legitimidade da greve, mas o que eu tenho escutado, principalmente da parte de quem é contra a greve, é que a greve não é mais o instrumento adequado porque o transtorno é muito grande, e os docentes deveriam tentar construir outras formas de luta. Eu acho importante o ouvinte entender que, na minha visão, imagino que seja a sua também, não haveria universidade pública no Brasil se não fosse os movimentos de luta, incluindo as greves históricas que aconteceram na história do Brasil. Você entende da mesma forma?

    [00:09:51] Maria Carlotto: Entendo da mesma forma. Inclusive, o argumento de que sem a greve nós conseguiríamos, por outros meios, pressões parlamentares, fazer e acontecer, é absolutamente falso. Basta olhar o que foram os governos Temer e Bolsonaro. Nós perdemos sistematicamente, sistematicamente, porque a gente não foi capaz de organizar um movimento forte como esse, até porque o cenário era muito difícil, a gente estava com a democracia em risco, então era natural. Greve é um instrumento da democracia, então é natural que seja nesse governo, nesse contexto democrático. Nesse ponto eu até concordo bastante com o Lula, a declaração que ele deu em Guarulhos, “Que bom que vocês estão fazendo greve”, porque a democracia é isso mesmo. Nós batalhamos para derrotar o fascismo no Brasil, para poder fazer greve, para poder reivindicar.

    [00:10:42] Trecho do UOL, “Lula é recebido por grevistas na UNIFESP: “Eu estou vendo alguns companheiros levantando um cartaz dali para mim, estamos de greve. Que bom que vocês podem vir no comitê do Lula e levantar um cartaz dizendo que estão com greve. Que bom. Que maravilha que é garantir o direito democrático das pessoas lutarem, das pessoas reivindicarem e das pessoas chegarem a um acordo. Há pouco tempo atrás os estudantes não podiam se manifestar, os professores não podiam reivindicar, os reitores não podiam reclamar e o governo não estava disposto a negociar”.

    [00:11:27] Maria Carlotto: No governo Temer e Bolsonaro, nós fizemos muita coisa, mas nós não conseguimos fazer greve. Acho que as pessoas nos cobram muito isso. Eu acho que é importante esclarecer que nós tivemos uma greve muito importante em 2015, que resultou num acordo salarial que correu até 2019. Quando esse acordo parou, quando se interrompeu a recomposição e começou a correr nossa defasagem salarial mais pesada, veio a pandemia. Eu me lembro que eu era presidente do sindicato, nós estávamos organizando uma gigantesca manifestação, que seria análogo ao tsunami da educação de 2019, que foi a maior manifestação. Isso é importante dizer, a maior manifestação contra o governo Bolsonaro foi feita pelo setor da educação, com muita participação das universidades federais. Eu mesma ajudei a organizar na presidência da UFABC na época.

    Então, nós estávamos fazendo outra atividade análoga a essa, dia 18 de março. Eu nunca vou me esquecer essa data, porque no dia 13, era uma sexta-feira, a minha universidade fechou para a pandemia, só reabriu um ano e meio depois. Acho que todo mundo viveu essa situação. Então, nós não conseguimos fazer greve porque veio o contexto da pandemia, e depois, em 2022, quando a gente começou a reestruturar as universidades, a nossa tarefa histórica era derrotar o fascismo, era salvar a democracia brasileira.

    E eu digo sem medo de errar. A democracia brasileira foi salva por uma forte mobilização da imprensa, do judiciário, dos partidos de esquerda organizados e das universidades públicas, que cumpriram um papel muito importante nessa resistência. Então, a gente entendeu que não era momento de fazer greve, que era momento de salvar a democracia. Então, nós estamos gozando, na minha opinião, de um direito que nós conquistamos, o direito de greve num contexto democrático.

    E aí, você remete à história das greves. Eu acho muito importante lembrar que, a partir dos anos 90, o projeto declarado do Banco Mundial para o sistema educacional era a privatização do ensino superior e o Estado se comprometer apenas com o ensino básico, fundamental e básico, até o ensino médio. A partir do ensino superior, isso deveria ser privatizado, que é o modelo chileno, por exemplo, de ensino superior.

    Todo o movimento dos anos 90, do governo Fernando Henrique, do Paulo Renato, ministro da Educação, era caminhar nesse sentido, da privatização das universidades. Isso só não caminhou porque as greves conduzidas na época pelo Andes Sindicato Nacional, em associação com a UNE, com a FASUBRA, que representa os técnicos, elas foram muito fortes e elas conseguiram pôr um freio no projeto de privatização de tal maneira que, quando começa o governo Lula a partir de 2003, nós temos condições de retomar um projeto de universidade pública mais democratizado. Daí todo o conjunto de políticas que culminam com a lei de cotas de 2012, mas que reúnem outras medidas, a interiorização das universidades, o Enem unificado, enfim, que democratizaram o acesso e expandiram a universidade pública.

    Isso só foi possível porque teve greve. Porque as greves impediram, fizeram um freio no projeto de privatização. Ao longo dos governos Lula e Dilma, nós também tivemos muitas batalhas, inclusive greves importantes, mas a partir daquele contexto, já entra em cena esse ator muito complicado, que é o PROIFES Federação.

    Então, a situação, só para as pessoas entenderem, é que foi este PROIFES federação, que representa uma parcela muito diminuta da categoria, e ainda dentro dessa parcela, a maioria dos seus filiados rejeitaram a proposta, assinou com o governo um acordo com a proposta que o governo fez. E que, detalhe, ele marcou o dia 27 para a gente assinar e até o dia 27 nós não tínhamos conhecimento do inteiro teor do que seria assinado. Mas o que consta na minuta do acordo? A gente não sabia.

    Então ontem era um dia muito importante porque o Comando Nacional de Greve, que reúne todas as associações docentes do ANDES, mais os comandos locais de greve que estão na base do PROIFES e que estão em greve (como Goiás, Rio Grande do Norte, Bahia), estão todos lá no Comando de Greve. Nós construímos, no final de semana 25 e 26, uma contraproposta, a partir do que o governo nos apresentou.

    Então, assim, nós tínhamos uma pauta inicial, já tínhamos construído uma primeira contraproposta. O governo fez a proposta do 15 de maio, em cima da proposta, nós fizemos uma outra proposta, uma contraproposta, ou seja, numa dinâmica de negociação normal de uma greve fortíssima, de um comando de greve enorme, e nesse comando de greve se consolidou uma contraproposta que foi protocolada ontem. Então, veja que contradição: no dia em que o maior sindicato, que representa a maioria absoluta dos docentes das universidades federais, o Comando Nacional de Greve, com as 59 universidades em greve, constrói uma contraproposta, protocola uma contraproposta, e o governo sequer olha a contraproposta e assina com o PROIFES, que não representa ninguém, nem a sua própria base.

    Tanto isso é verdade, que na reunião com o governo, para assinatura do acordo, e que, na verdade, nós fomos apresentar a nossa contraproposta, um companheiro, um colega da UFBA, leu uma carta, escrita pelos sindicatos ligados ao PROIFES que estão em greve, pedindo que o governo não assinasse com esse sindicato, porque ele não representa a categoria.

    [00:17:22] É uma fala muito forte, porque o que nós estamos reivindicando, em síntese, é um processo de democracia sindical, que é negociar com aqueles que realmente representam os docentes, e não com uma instituição que, no momento, está extremamente fragilizada do ponto de vista da sua legitimidade, para não dizer da sua legalidade, porque a justiça já deu ganho de causa para o SINASEFE, que representa os institutos federais, dizendo que o PROIFES não os representa, não pode assinar por eles.

    E tem uma série de petições judiciais feitas por sindicatos da base do ANDES, reivindicando que o PROIFES também não tem legitimidade para assinar por nós, porque eles realmente não nos representam. Então, o cenário é esse: essa é uma greve histórica, mas que faz parte da tradição de greves das universidades públicas federais, greves que resultaram em muitas conquistas, para não ir muito além, a conquista delas seguirem subsistindo a era neoliberal dos anos 90 de tal maneira que elas pudessem cumprir, no governo Lula e Dilma, a partir de 2003, um papel tão importante como que elas cumpriram naqueles governos.

    [00:18:52] Filipe Mendonça: Então, deixa eu recapitular. Você está dizendo que a greve, ou greves no geral, desde a década de 80 até a última, que foi em 2016, contra o teto de gastos, depois todos os enfrentamentos que foram feitos durante o governo Bolsonaro… porque sempre escuto essa crítica: “Ah, vocês estão fazendo greve agora, mas não fizeram no governo Bolsonaro”. Bom, não é bem assim, a tua fala já deixou bem claro. Fizemos muita coisa e também tem uma pandemia global aí no meio do caminho, que na minha leitura, e se entendi bem, também é a sua, acabou impedindo uma greve que seria histórica. A gente não tem bola de cristal, é bem verdade, mas havia um movimento que vinha num contínuo de crescimento, e…

    [00:20:00] Maria Carlotto: Nós íamos fazer uma greve muito grande. Eu me lembro desse dia de março, seria uma coisa hecatômbica e não pode acontecer.

    [00:20:10] Filipe Mendonça: E aí, de lá para cá, o governo Lula é eleito, há uma PEC emergencial de transição, e foi feita uma recomposição, não só para professores, mas para todo o funcionalismo, de 9%, considerando a defasagem. No entanto, isso não cobria a defasagem nem do governo Bolsonaro, muito menos do governo Temer. Houve uma promessa de iniciar uma negociação logo que o governo assumisse, de fato. Em 2023, discutimos o ano todo numa mesa permanente. Até que agora, há uma proposta que o governo insiste ser final. É importante destacar que, na sua fala, você menciona que o governo optou por assinar com um sindicato que não tem legitimidade. Para o ouvinte que não é docente e não entende muito bem como funciona o movimento sindical dos professores federais, é importante saber que existem dois sindicatos. Um deles é um sindicato que chamamos, de forma carinhosa, de sindicato pelego, criado, se não me engano, em 2003, não é?

    [00:21:38] Maria Carlotto: Acho que é 2004.

    [00:21:40] Filipe Mendonça: Em 2004, com uma base, uma federação, e de lá para cá eles vêm, de maneira um pouco sistemática, assinando os acordos que o governo coloca na mesa. Se não me engano, assinou o acordo de 2012 e o acordo de 2015 sem discutir com o sindicato, o maior sindicato, aquele que representa de fato a categoria, que é o Andes. Então, a gente tem essa situação paradoxal: o Andes puxa a greve, faz uma greve forte, o governo faz uma proposta capenga, e vai lá o PROIFES e assina. É um pouco essa dinâmica. E aí, transformando isso em uma pergunta, o que você acha que o movimento docente deve fazer? Porque já não é a primeira nem a segunda vez. É a terceira vez que o PROIFES faz isso. E agora com um agravante. Você disse que a própria base do PROIFES, inclusive, leu uma carta para o ministro. Ou seja, o PROIFES não tem legitimidade nem na sua própria base, que é muito pequena comparado ao montante total de universidades e de docentes. É por aí?

    [00:22:55] Maria Carlotto: Sim, a sua síntese é absolutamente perfeita, é exatamente isso. Eu acho que já era grave em 2012, 2015, porque isso não representa a maior parte do movimento, muito menos a maior parte do movimento que estava mobilizado, que consegue as conquistas, digamos assim, por meio do seu movimento. Mas hoje é muito mais grave, tem uma novidade histórica nesse processo, porque naquela época pelo menos havia base no próprio PROIFES para a assinatura desses acordos. Hoje, nem isso. Nós não sabemos como foi a consulta no Rio Grande do Sul, até porque o Estado está absolutamente tomado por uma calamidade. Em que condições se deu essa consulta, a gente não sabe, então não temos os dados. E a UFSC, que fez uma consulta online só para sindicalizados, votou extremamente dividida.Então, assim, todas as demais rejeitaram o acordo e seguem em greve. É uma situação realmente gravíssima, porque nem sequer a sua própria base eles representam. É realmente um acordo que não tem a menor legitimidade.

    Em que momento estamos? Acho que é importante dizer isso para as pessoas. O ANDES, ontem, que era o dia marcado para assinar o acordo, protocolou uma contraproposta e subiu para apresentar essa contraproposta. Ao invés de assinar o acordo, nós vamos apresentamos nossa contraproposta. E na negociação, conseguiu que o governo, o Ministério da Gestão e da Inovação, marcasse uma nova data no dia 3 de junho, segunda-feira que vem, para discutir essa contraproposta. Então, em síntese, é isso, é nesse momento que estamos: o governo assinou com o PROIFES, e o Andes protocolou uma contraproposta e conseguiu uma nova data.

    E aí, te respondendo o que o movimento deve fazer, eu acho que essa é uma semana crucial para pressionarmos especialmente parlamentares, escrever na imprensa, fazer podcasts como esse, falar da nossa greve, divulgar nossas pautas, para gerar um movimento de pressão para que o governo reabra negociações conosco, com a base majoritária das universidades, amplamente majoritária das universidades que estão em greve. É possível construir um aditivo para esse acordo, ou mesmo sustar esse acordo e firmar outro. Eu acho que, assim, parte da nossa greve, e acho que esse é um ponto bem importante, é que toda greve é política, mas essa é uma greve mais política, porque o movimento está decidido a se fazer ouvir enquanto movimento organizado, sem intermediários, que cumpram esse papel de entreposto entre o movimento e o governo.

    Então, assim, para nós é uma questão de honra que o governo nos ouça, negocie conosco, com quem realmente representa o movimento, porque senão a situação do movimento sindical fica muito complicada. Isso é uma situação absolutamente antidemocrática: você constitui um movimento, constitui uma representação e o governo não reconhece essa representação como legítima; então, é o governo que decide quem é o sindicato legítimo? Isso é absolutamente antissindical. Então, parte da disputa do momento é essa: que se reconheça e se negocie com quem de fato tem legitimidade para representar a categoria. E a categoria disse não para esse acordo.

    Acho que é importante dizer que a contraproposta construída é muito factível: pedimos apenas a reposição da inflação de 2024, apenas isso, e para 2025, o que o governo propôs, 9%, e para 2026, mais ou menos 5%.

    Somados em juros compostos, isso dá 18 e alguma coisa, menos do que os 22,71 que seriam necessários para recompor nossas perdas. Então, se essa contraproposta for atendida na íntegra, terminaremos o governo Lula ainda acumulando perdas salariais. Percebe? Não é que estamos pedindo o céu, estamos pedindo o básico do básico: a recomposição orçamentária das universidades, uma mesa permanente para discutir carreira, que é algo importante, e a revogação de um conjunto de medidas que destacamos, porque temos uma lista enorme de medidas que queremos que sejam revogadas. É algo absolutamente factível. Então é inadmissível, incompreensível até do ponto de vista de uma lógica política, que não se negocie a partir desta contraproposta.

    [00:28:00] Filipe Mendonça: Maria, eu queria aproveitar sua presença, porque você estava em Brasília na segunda-feira, dia 27 de maio, onde aconteceu uma mesa de negociação. Na verdade, não foi uma mesa de negociação, mas um anúncio do governo de maneira unilateral. O secretário de Relações de Trabalho, José Feijó, assumiu em tom irônico que daria um tiro no próprio pé ao ser alertado pelo movimento que aquilo seria um tiro no pé. Ou seja, ao propor e assinar com o PROIFES, um sindicato sem legitimidade, ele respondeu ironicamente que daria esse tiro no pé e assumiria o custo disso. Enfim, estou levantando essa questão porque gostaria de ouvir seu relato sobre o que aconteceu ali, para registrarmos como funcionou essa mesa.

    [00:29:05] Maria Carlotto: Perfeito, então, primeiro, eu não subi. Eu estava no Comando Nacional de Greve como delegada da UFABC. Mas o comando é muito grande. Como eu falei, são 59 universidades em greve, então são 59 delegados. Cada uma pode levar três observadores, então vocês calculam quantas pessoas, é um comando bem grande.

    Claro, nem todo mundo está presente o tempo todo, mas ainda assim estamos falando de bastante gente, muitas lideranças sindicais do Brasil todo reunidas. Então, nós construímos a contraproposta no final de semana e protocolamos na segunda-feira de manhã. Pedimos para enviar 20 pessoas. O governo devolveu dizendo que seriam cinco, cinco para o ANDES e cinco para o SINASEFE.

    A princípio, seriam cinco para o PROIFES também, porque até então a mesa de negociação transcorria com as três entidades. Para esclarecer, o ANDES representa os docentes das universidades federais, o PROIFES representa seis ADs que eu comentei, e o SINASEFE representa os institutos federais e a carreira EBTT dos institutos federais.

    Então, essa era a mesa de negociação. Subiram cinco companheiros; eu não era uma dessas, nem me candidatei. Os cinco companheiros nos informavam do que estava acontecendo. A reunião estava marcada para as duas da tarde. É importante dizer, acho que nem todo mundo sabe, mas é uma informação relevante, que na segunda-feira de manhã houve uma reunião da Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores.

    Essa reunião foi resultado de uma pressão muito forte que o movimento docente fez sobre os parlamentares do partido, com quem nós temos contato, para que o partido pressionasse pela dilatação da negociação, ou seja, pressionasse o governo para reabrir negociações. O resultado foi essa reunião da Executiva Nacional, onde o Feijó participou virtualmente para dar um informe sobre o andamento das negociações.

    Nessa reunião, ele conta uma versão muito parcial dos fatos, da maneira como ele vê. Ele é até questionado por parlamentares e dirigentes partidários presentes, que afirmam que isso não batia com o que o movimento dizia. Basicamente, ele dizia que a maioria dos docentes aprovava a proposta e que a recusa era fruto de uma radicalização do movimento. Isso não é verdade, a maioria rejeita, e isso nada tem a ver com radicalização. É um movimento legítimo, de base, muito enraizado, de disputa do fundo público, de recusa a assumir perdas salariais, uma atitude absolutamente sindical, que inclusive está na tradição do Partido dos Trabalhadores, até onde quem conhece a história sabe.

    Então, nessa reunião de manhã, ele diz que receberia o ANDES e o SINASEFE às duas da tarde e o PROIFES às três e meia. Ele é pressionado para não assinar e dilatar um pouco esse prazo, mas ele é contra, dizendo que nada vai mudar. Relatos dessa reunião já estão circulando.

    Por que é importante dizer isso? Porque alguma coisa aconteceu que fez a reunião das duas ser transferida para três e meia. Não sabemos o que aconteceu, mas a reunião foi transferida. Nossos representantes subiram junto com o SINASEFE e, de fato, não encontraram o PROIFES, mas sim um outro secretário chamado Zé Celso, do MGI.

    Zé Celso abriu a reunião dizendo que estava ali para ouvir e receber a contraproposta. Tudo indicava que era uma reunião de negociação, que eles estavam reabrindo as negociações. Para nós, isso foi motivo de comemoração: “Que bom, vão receber nossa contraproposta, vão abrir a negociação.” Perguntaram se o Feijó estava em outro lugar com o PROIFES assinando, e ele disse que não. A reunião transcorria muito bem até quatro da tarde. De 3h30 às 4h, esse era o tom; apresentamos a contraproposta, nossos representantes a apresentaram.

    Às 4h, chega o Feijó, que até então estava conduzindo as negociações, e diz para os presentes, (desculpa estar dando tantos detalhes, mas acho importante), que ele ia sim assinar com o PROIFES. Primeiro disse que não seria naquele dia, depois disse que seria, enfim, houve uma confusão de informações. Um colega da UFBA lê a carta que mencionei, entregando uma manifestação das universidades da base do PROIFES em greve. Ele diz, “você é um companheiro de sindicalismo, sabe o que isso significa, sabe que é um princípio sindical básico que quem represente negocie”. Feijó fica muito irritado ao ouvir que, caso o governo assine com o PROIFES, dará um tiro no pé. Feijó se irrita ainda mais, bate na mesa, diz que assinará com o PROIFES naquele dia, e sai da sala, chamando seguranças para acompanhar os companheiros que estavam lá que dizem que só desceriam após a confirmação da agenda do dia 3 de junho, permanecendo lá até a chegada do e-mail. A assinatura do acordo com o PROIFES, que nem sabíamos se realmente aconteceria naquele dia, foi confirmada pelas fotos divulgadas, mostrando que o acordo foi assinado numa sala fechada.

    Depois dessa reunião, a assinatura do acordo com o PROIFES e a agenda do dia 3 foram confirmadas. Estamos preparando todas as nossas forças para manifestações em todo o país, pedindo que o governo nos receba.

    [00:35:16] Filipe Mendonça: Então é isso. Maria, o que a gente pode fazer, o que o ouvinte pode fazer para que o governo receba o movimento no dia 3 e considere seriamente a pauta do Andes, a pauta do movimento docente, que foi construída democraticamente, como você falou? Não é uma pauta que surgiu na cabeça de uma diretoria; é uma pauta que é construída a partir de um processo enorme que envolve assembleias em cada universidade e que depois é consolidada coletivamente em Brasília, no Andes.

    [00:36:08] Maria Carlotto: Então, Filipe, eu acho que esta é uma semana crucial. É uma semana complicada por ter um feriado no meio, mas o que percebemos que tem gerado mais impacto, e o Comando Nacional de Greve do Andes está trabalhando nisso hoje e amanhã, é a pressão sobre parlamentares. Isso tem gerado resultados para nós. Veja, uma coisa importante a dizer é: o que estamos pedindo para 2024? É a reposição da inflação. As pessoas talvez não saibam, mas os professores universitários federais devolvem ao governo 40% do que recebem em imposto de renda, mais 14% de contribuição previdenciária, que varia, mas gira em torno disso. Então, recebemos e devolvemos 40%. Considerando isso, o impacto orçamentário é muito pequeno.

    Quando as pessoas, os deputados, sabem do que estamos falando, eles ficam incrédulos. Até porque a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Penal Federal, só para citar três carreiras, tiveram reajustes acima da inflação, com ganhos reais. E têm salários maiores do que os nossos. Carreiras com salário inicial muito maior do que o dos professores universitários que fazem mestrado, doutorado, conduzem toda a pesquisa do país e formam todas as profissões.

    [00:37:25] Filipe Mendonça: E não bloqueia estrada em dia de eleição…

    [00:37:29] Maria Carlotto: Pelo contrário, Filipe, combate o negacionismo, defende a democracia. Então, o que nós estamos pedindo é o mínimo do mínimo. É um impacto muito pequeno. Então, o que nós temos feito esta semana é pegar os parlamentares do seu estado, especialmente aqueles do campo democrático e progressista, e pressionar. Além disso, claro, escrever nas redes, fazer campanha, distribuir os materiais das suas associações docentes e do sindicato nacional, do comando nacional de greve. Sigam-nos nas redes sociais, sigam suas associações docentes nas redes sociais. Vamos fazer uma pressão muito grande. Quero terminar dizendo o seguinte: nós vamos ter muitas batalhas pela frente. Isso aqui está só começando. A gente sabe que é um governo de frente ampla, e que a extrema-direita não foi derrotada politicamente na eleição. Ela sofreu uma derrota eleitoral importante e uma derrota política, mas segue viva, segue disputando.

    O centrão está aí, com todas as suas pautas. Então, sim, vêm coisas muito importantes pela frente. Vem a reforma administrativa, que pode acabar com o serviço público no Brasil, tal como a gente conhece desde a era Vargas. Vem a proposta de desvinculação constitucional da saúde e da educação, alterando os mínimos constitucionais para esses setores. Enfim, é um avanço sobre o fundo público para a saúde e a educação, e vai ser uma batalha duríssima. Para tudo isso, precisamos acumular forças, e entendemos que este é o momento. Vencer essa greve politicamente é fundamental. Ela já é uma greve vitoriosa: o governo fez uma pequena reposição orçamentária para as universidades e melhorou a proposta. Nós reconhecemos isso, mas precisamos avançar para que o governo reconheça que a categoria tem uma representação sindical legítima.

    Portanto, as pautas deste movimento e a contraproposta feita precisam ser consideradas. Isso é absolutamente fundamental para que possamos acumular forças para as batalhas que vêm por aí. Vencer essa greve é uma condição muito importante para o movimento docente e para o futuro da educação pública brasileira. Temos consciência disso e é esse o jogo que estamos jogando.

    [00:39:54] Filipe Mendonça: É isso aí, Maria. Alguma pergunta que eu deveria ter feito e não fiz por absoluta incompetência?

    [00:40:01] Maria Carlotto: Eu acho que as suas sínteses foram ótimas. Mais do que uma entrevista, foi uma conversa. Você entende até mais do que eu de algumas coisas.

    [00:40:10] Filipe Mendonça: Então fica aqui meu recado final. Se você puder pressionar o seu representante, você que me ouve, é muito importante. Veja, se há uma universidade pública de qualidade e gratuita, é porque há mais de 40 anos de luta permanente, cujo objetivo principal é fortalecer a universidade, devolver o dinheiro investido para a sociedade, formando pessoas com qualidade. A recomposição do orçamento é muito importante. Temos universidades cujos prédios estão desabando. Veja, a Federal de Uberlândia, de onde eu falo, tem orçamento para funcionar só até julho. Depois disso, não há dinheiro, não há como repor. Para o ouvinte entender, não tem como comprar papel higiênico, pagar a conta de água, ou outras despesas essenciais.

    [00:41:13] Maria Carlotto: Me dá uma parte, Filipe?

    [00:41:15] Filipe Mendonça: Por favor.

    [00:41:16] Maria Carlotto: Para terminar, acho que tem um ponto importante. Muita gente diz que a greve prejudica os alunos, vocês não pensam nos alunos. É o contrário, né, Filipe? Na verdade, a gente não pode entregar para os alunos um engodo. Qual é o engodo? Agora que nós democratizamos a universidade, que nós colocamos as mulheres negras, os alunos negros, os pobres da classe trabalhadora para dentro, a gente sucateia e entrega para eles um serviço de baixa qualidade. Então, o que a gente precisa dizer é o seguinte, nós queremos que todos os brasileiros que estão na universidade pública gozem desse direito na sua plenitude. A gente não vai deixar ela ser sucateada agora que ela foi democratizada, como a gente não deixou no passado.

    Então, tem uma coisa que é muito importante, é que, se tem algo que a gente está fazendo, é pensando nos alunos, pensando na qualidade do serviço, pensando na qualidade e no direito à educação pública no Brasil. Isso é muito importante. E não são só os alunos: é todo o público que se beneficia do trabalho que a gente faz. Eu nem vou começar a dizer tudo o que a universidade entrega, em termos de pesquisa, em termos de diagnóstico, em termos de política pública que foi pensada e desenhada nesse espaço. Então, é para tudo isso que nós estamos construindo essa batalha.

    [00:42:32] Intervenção musical

     

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    29 May 2024, 12:31 pm
  • Guerra na Ucrânia: De Bakhmut a Kharkiv

    Conversamos com o pesquisador Augusto Teixeira (UFPB) sobre os últimos desdobramentos da guerra da Ucrânia.

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    Participaram deste podcast:

    Filipe Mendonça –  @filipeamendonca
    Augusto Teixeira – @augustotjr

    Sem tempo para podcast? Leia a transcrição do episódio aqui

    Citados no episódio:

    Trilha sonora:

    Capa do episódio:

    Foto: The Devastation of Kharkiv, Ukraine | The New Yorker

     

    Transcrição do episódio 344 – Guerra na Ucrânia: De Bakhmut a Kharkiv, com Augusto Teixeira

     

    [Filipe Mendonça] Seja bem-vindo e seja bem-vinda ao Chutando a Escada! Eu sou Felipe Mendonça e hoje recebemos aqui o professor da Universidade Federal da Paraíba, Augusto Teixeira Júnior. Ele já esteve aqui no Chutando a Escada e agora volta para dar sequência ao debate sobre o que acontece na Ucrânia.

    Ele nos fala um pouco sobre os últimos acontecimentos no teatro de operações. Também conta sobre as intenções russas na ofensiva na região de Kiev, discute as capacidades do exército ucraniano de reagir e persistir na guerra, e explica a lógica de guerra posicional e a ideia de mobilidade nas ofensivas da Rússia. Vale muito a pena ouvir o Augusto Teixeira, que já esteve aqui como mencionei.

    Se você quiser aprofundar ainda mais o debate, recomendo que escute o episódio 326. Está tudo na descrição do episódio, bem mastigado para você.

    Se puder apoiar o Chutando a Escada, é muito simples. Basta entrar em www.chutandoaescada.com.br/apoio. Lá você encontrará várias formas de ajudar esse projeto de divulgação científica a permanecer no ar. Se puder também, dê cinco estrelinhas no seu agregador favorito e mande uma mensagem. Muita gente mandou mensagem esta semana, e eu agradeço demais. Você pode fazer isso pelo nosso e-mail, que é [email protected], ou pelo seu agregador favorito.

    Vamos para o papo então! Com vocês, Augusto Teixeira Júnior, que fala sobre a guerra posicional, o retorno da mobilidade e as novas ofensivas da Rússia na Ucrânia.

    [Vinheta de abertura]

    [Filipe] Bom, eu estou aqui com Augusto Teixeira, que volta ao “Chutando a Escada”. Ele já esteve aqui no ano passado, em outubro de 2023, logo após o ataque do Hamas a Israel, bem no começo do conflito em Gaza. Naquela ocasião, conversamos um pouco sobre isso, mas o foco daquela conversa foi a Ucrânia. O episódio foi chamado “Ucrânia: Tecnologia, Estratégia e Política”. Agora, o Augusto volta para continuar falando sobre a Ucrânia. Augusto, obrigado por topar falar comigo, é sempre uma alegria enorme falar com você.

    [Augusto Teixeira] Muito bom Filipe, muito obrigado pelo convite. É um prazer enorme não apenas falar contigo, mas também ter contato com a audiência grande e qualificada do “Chutando a Escada”. É um privilégio poder conversar com vocês.

    [Filipe] Valeu! Se você não ouviu o episódio de outubro com o Augusto, acho que vale a pena. Vou deixar o link na descrição do episódio. Augusto, só para retomar um pouco, você enquadra o conflito na Ucrânia como um conflito clássico [guerra convencional], fazendo uma defesa dos [teóricos] clássicos. Você mencionou que parte da literatura mais contemporânea tinha decretado o fim da Geografia na guerra e de outras dimensões clássicas. E aí vem a Ucrânia e coloca novamente os clássicos na mesa, sem minimizar a importância dos novos tipos de guerra, mas destacando novamente a geografia, o terreno, o relevo, a resiliência da população civil, e a dimensão moral e psicológica da guerra como elementos centrais para entender o que está acontecendo na Ucrânia.

    De lá para cá, a guerra continuou. Tivemos eleição na Rússia e Putin saiu disso legitimado. O Zelensky continua por aí; era para ter tido eleição na Ucrânia, mas Zelensky não convocou eleições, o que é até compreensível. Como realizar uma eleição numa situação como essa? Isso gera aquele curto-circuito da democracia, com o líder defendendo a luta pela democracia, mas sem convocar eleições, argumentando que não há como fazê-lo devido à situação no país. Enfim, todo esse cenário traz pressão nos Estados Unidos e na OTAN. Então, te trouxe aqui para nos ajudar a entender o que aconteceu de lá para cá, o que é importante observar, como está a situação no terreno. Se você puder fazer um sobrevoo para a gente, acho que é importante para entendermos o que está se passando na Ucrânia.

    [Augusto Teixeira] Com certeza Filipe. A primeira coisa que a gente tem que ter em mente quando falamos sobre estudos estratégicos, geopolítica e a guerra na Ucrânia, é que ela é um banho de água fria em boa parte da literatura sobre novas guerras, guerras híbridas, etc., como falamos no episódio anterior. Isso porque, a guerra na Ucrânia demonstra a viabilidade de uma guerra convencional de alta intensidade, onde elementos clássicos como massa, pessoal e logística fazem uma diferença enorme na guerra. Muito do paradigma tecno-produtivo que baseou os planejamentos da OTAN e dos Estados Unidos no contexto pós-Guerra Fria, como a indústria Just-in-Time, ou seja, produção de equipamentos de precisão em quantidade básica para aplicação da força e obtenção de efeito estratégico, está sendo desafiado. Esta guerra está demonstrando o caráter da chamada guerra trinitária, como falava Clausewitz. Ela [a guerra] traz a dimensão do Governo, do Estado, da política, a dimensão militar com as forças armadas, o elemento em armas e o povo. Ela traz o elemento das paixões, mostrando a complexidade da guerra, não apenas na compreensão dos seus resultados até o momento, mas também a sua manutenção e resiliência ao longo do tempo. É uma guerra que já dura mais de dois anos no ambiente europeu, com efeitos não apenas na geopolítica, mas na geoeconomia, sistemas de alinhamento, mudanças em cadeias produtivas e sistemas de comércio, em particular na parte agrícola, na produção de grãos de uma forma muito intensa, como não se via há muito tempo.

    Somado ao fato que muita gente acaba por fazer vista grossa de que voltamos a um contexto de ameaça nuclear, não apenas uma ameaça nuclear como se pensava da Coreia do Norte, ou seja, um louco ameaçando explodir a bomba. Não, mas uma ameaça nuclear calcada em uma estratégia, uma doutrina de controle de escalada, numa concepção do emprego de armas nucleares táticas. Então, todo esse panorama mostra que aquele fenômeno bélico muito característico do século XIX e XX, em que a guerra era percebida claramente como instrumento da política, não foi embora. Isso está aqui. A ilusão da Guerra não cinética, da possibilidade de produção do efeito estratégico sem uso da força ou apenas como discurso, compõe parte do arsenal de possibilidades, mas geografia, força, população, etc., são variáveis muito importantes. Para quem está nos escutando agora, da última vez que falamos, lá em outubro, estávamos ainda no contexto da contraofensiva ucraniana de 2023. A Ucrânia tinha montado cerca de oito, nove brigadas padrão OTAN, com equipamento OTAN, com treinamento e doutrina OTAN, sem o apoio do chamado componente aéreo, uma força tarefa sem meios aéreos, essencialmente contribuindo com as operações conjuntas.

    O que se viu é que ela esbarrou em um muro de aço, ferro e fogo, a chamada linha Surovikin, em toda aquela região do Donbass, que absorveu as ondas de tentativa de penetração e exploração do êxito das forças ucranianas. Isso levou ao fracasso da contraofensiva, pois a Ucrânia conseguiu reaver parcelas de território muito pequenas, inexpressivas quando comparado ao dispêndio de meios e homens. Entre outubro e dezembro, o que se viu no plano tático, foi a perda do momentum por parte da Ucrânia, no nível operacional, houve uma resiliência da Rússia na capacidade defensiva e o recompletamento de meios e homens em diversas áreas do front, sinalizando que a Rússia poderia fazer uma ofensiva própria em 2023 ou 2024.

    Por sua vez, havia uma pressão cada vez maior por parte da condução política da guerra, particularmente nos Estados Unidos, devido à proximidade das eleições americanas. Isto porque a guerra russo-ucraniana começava a sofrer da chamada War Fatigue. O público do chamado Ocidente Coletivo começava a se cansar de uma guerra longa, de um apoio indefinido em termos de meios, recursos, dinheiro, etc para a causa ucraniana.

    E com isso, obviamente causando desgaste em diversas democracias ocidentais, inclusive nos Estados Unidos. A questão ucraniana será capturada no debate entre Biden e Trump sobre como “resolver” a questão da guerra numa perspectiva política. Tudo isso configurou o ano de 2023 como um período bastante complicado para a Ucrânia, na perspectiva de conseguir produzir o resultado político da guerra, que é, em sua teoria da vitória até então, a expulsão da Rússia do seu território, entendido isto como objetivo último na conquista da sua soberania territorial e política.

    Em 2024, o que começamos a observar é a Ucrânia perdendo o momentum, perdendo sua capacidade de ação ofensiva no nível estratégico, mas inovando em termos tecnológicos e táticos com a utilização de drones, não apenas aéreos, mas também navais. A Ucrânia demonstrou uma capacidade muito interessante, algo que talvez não se visse em termos de inovação desde a Segunda Guerra Mundial: um país virtualmente sem marinha conseguir afundar navios de guerra de uma marinha muito mais forte, como a robusta marinha russa, usando drones navais. Isso foi muito interessante, inclusive uma das lições apreendidas da guerra russo-ucraniana.

    Somado a isso, a Ucrânia tenta ampliar o teatro de operações para trazer porções do território russo em profundidade como áreas passíveis de serem atingidas por ataques ucranianos, não necessariamente com armas providas do Ocidente, mas com drones de fabricação ucraniana. Alguns desses drones são muito criativos, como, por exemplo, a utilização de aviões bimotores transformados em drones cheios de bombas, que conseguem penetrar a bolha de antiacesso e negação de área [A2/AD]da Rússia, voando baixo, com baixa assinatura de radar, e conseguindo efeitos cinéticos interessantes dentro da Rússia.

    Qual é o problema, Filipe? Qual é o problema para quem nos escuta? O uso da força só tem sentido se ele consegue produzir um efeito que seja utilizado para os fins do objetivo militar e político da guerra, ou seja, se ele consegue conectar os efeitos das batalhas aos fins da estratégia e da guerra. Isto a Ucrânia não conseguiu fazer até o momento, porque esses ataques que ela tenta fazer de caráter esporádico dentro da Rússia não fazem com que a população se revolte contra Putin ou contra o governo, não reduzem a capacidade operativa e produtiva da Rússia e, por sua vez, não reduzem a capacidade combatente das forças russas. Não obstante, tentam sinalizar para a opinião pública global que a Ucrânia ainda tem uma boa capacidade de atacar a Rússia em profundidade, mas isso não produz um efeito estratégico desejado.

    Então, onde é que nós estamos? O que acontece até o momento? Bem, tivemos a chamada linha Surovikin, um sistema defensivo gigantesco e a guerra parecia estar basicamente situada apenas na região do Donbass.Aí temos o evento disruptivo que foi o motim do Wagner Group, após a Batalha de Bakhmut, uma das batalhas mais longas da guerra. Importante numa perspectiva político-simbólica, mas também estratégica, pelo desgaste de meios durante a guerra. E por que disruptivo? Porque aquilo que o Prigozhinfaz, tentando jogar luz de uma forma muito negativa para o estabelecimento militar russo, em particular Shoigu e Gerasimov, vai culminar em uma quase tentativa de golpe. Suas forças paramilitares, mercenárias, vão entrar no território russo, tentar tomar algumas bases e serão paradas ali em uma negociação dentro da Rússia. Algo assim era impensável no padrão daquilo que se viu de disputa militar interna no contexto da dissolução da União Soviética.

    Isso levou a que diversos espectadores internacionais acreditassem que o regime russo, naquele momento, poderia cair, dando vazão à teoria da vitória de que o regime da Rússia vai cair por si próprio, através do próprio desgaste da guerra e pelas disputas intestinas das suas elites e oligarquias. O que não aconteceu. E, ao não acontecer, você tem um recrudescimento do controle da máquina militar por parte da sua elite, em particular do campo político-estratégico, e uma reorganização daqueles que eram líderes e de confiança de Putin. Isso contribui para uma recomposição de como a guerra se processa em 2024.

    [Filipe] A linha Surovikin, me parece, é como um leigo, uma trincheira tradicional. Ela se instala ali, euu não sei qual é a dimensão disso, mas imagino que tenha cerca de 1000 km.

    [Augusto] Exatamente. E esse é um problema se você pensar que 1000 km dentro do Brasil é muito chão; 1000 km no padrão europeu é chão para caramba. Então essa linha Surovikin vai mais ou menos da região do Donbass, ao norte, até a chamada ponte terrestre da Crimeia. Ela faz quase um “L” numa perspectiva de criar um sistema de cadeias defensivas. Não é apenas uma trincheira; ela tem diversos sistemas de trincheiras com níveis de profundidade distintos, somados a campos minados, killzones com áreas nominadas para que a infantaria, dentro de veículos de transporte de pessoal e combate, passe por essas zonas, somados também a peças de artilharia móveis e de tubo que estão na retaguarda desse sistema de trincheiras, somados também a drones e helicópteros, especialmente o [Ka-52] “Alligator”. Isso causou muitos danos às tentativas de ruptura dessas linhas por parte da Ucrânia.

    Na contraofensiva ucraniana, até onde li, conseguiram romper até a segunda linha ao sul, mas não conseguiram explorar esse êxitoe perderam parte do território reconquistado até então. É um sistema amplo, de múltiplas camadas, que cria uma impossibilidade de mobilidade para os seus antagonistas.

    Para quem está nos escutando entender como isso é importante, [Valerii] Zaluzhny, que era o comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas até meados do ano passado, escreveu um artigo na The Economist. Esse texto é importantíssimo porque é uma das primeiras avaliações profundas sobre a guerra, em que ele chama a atenção para que, no momento da guerra, ali em dezembro, havia um contexto de impasse, onde ele tentava discutir como impedir que a guerra se estruturasse numa condição de impasse e voltasse para uma dinâmica de mobilidade. Ele traz um conjunto de sugestões sobre o que a Ucrânia deveria fazer para romper isso. Claro, tentando fazer uma avaliação do que a Ucrânia estava colocando e meio que com uma lista de pedidos de ajuda para o Ocidente. É uma configuração muito complexa que não se via desde o contexto, por exemplo, da Batalha de Kursk na Segunda Guerra Mundial. Isso se viu agora na Ucrânia, em pleno século XXI.

    [Filipe] Outra coisa que eu ia te perguntar, baseado nisso, tem a ver com a reação ucraniana. Porque, se eu entendi bem o que você falou, a Ucrânia, nas suas reações e contraofensivas, não consegue atingir o seu objetivo estratégico. Ou seja, não tem ganhos substanciais do ponto de vista do avanço das suas tropas em direção ao atual terreno ocupado pelos russos. Mas tem ganhos pontuais, não é? Você até menciona que há uma ampliação do teatro de operações por meio de engenhocas criadas de maneira bastante inteligente pelo exército ucraniano. Mas, então, se eu entendi bem, o que a Ucrânia ganha com isso? Além de passar a imagem de que ainda está viva, que ainda tem alguma capacidade, parece que ela tenta ganhar tempo, não é? Porque, se eu entendi bem, essa barreira de chumbo e aço que os russos colocaram, desde toda a extensão do Donbass até a Crimeia, basicamente selou o destino dessa região, a não ser que algo muito diferente aconteça. Então, a Ucrânia, enfim, o que ela consegue é só ganhar tempo? Faz sentido isso?

    [Augusto] Faz sentido sim.im. Para quem está escutando a gente, é importante comparar dois momentos. A Ucrânia tinha conseguido fazer uma contraofensiva de muito sucesso no primeiro ano da guerra, que foi na região onde agora a coisa está quente, aquela região ali de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia. Então, se a gente lembra, no comecinho da guerra, ela consegue dois êxitos interessantes. O primeiro foi conseguir fazer a defesa de Kiev, ou seja, ela consegue paralisar o avanço das forças russas. Se a gente parar para considerar, o VDV, as forças aerotransportadas russas, conseguiram chegar ali no aeroporto [de Hostomel], pertinho de Kiev, permitindo ter uma cabeça de ponte importante ali com desembarque, etc. E isso os ucranianos conseguiram segurar. Mas o primeiro grande êxito ucraniano vai ser essa contraofensiva em Kharkiv, onde eles vão conseguir ter o efeito surpresa e retomar muito território, liberando a segunda maior cidade ucraniana.

    Só que você tem um detalhe importante, na verdade, dois detalhes. O primeiro é que a própria liderança militar russa, na época, já tinha designado que a primeira fase da guerra tinha acabado e tinha colocado como elemento de centralidade o Donbass. Então, meio que o objetivo operacional russo tinha mudado naquele contexto. A linha defensiva naquela região de Kharkiv era uma linha muito fina, que a Ucrânia conseguiu romper, fazer a exploração do eixo e consolidar os ganhos de terreno.

    O segundo aspecto é que ela conseguiu o efeito surpresa, que foi algo muito difícil de ter nessa guerra, por termos aí o fenômeno do chamado campo de batalha transparente. Ou seja, é virtualmente impossível fazer qualquer coisa na Ucrânia sem ser visto por drones, sistemas satelitais ou elementos de produção de inteligência com outras fontes, como de sinais, etc.

    Quando pegamos esse segundo momento na contraofensiva ucraniana de 2023, esperava-se que a Ucrânia teria um êxito muito grande. Porque os caras conseguiram montar brigadas modelo OTAN, com gente treinada em países da OTAN, com equipamento moderno. Claro, com algumas brigadas e equipamentos do modelo soviético ainda, mas altamente motivadas, etc. E, quando a coisa acontece, como você bem colocou, eles chocaram contra uma parede de fogo e aço, e a coisa não caminhou. E, assim, existia um conjunto de expectativas muito positivas, em particular na opinião pública internacional, de que ela poderia ter êxito. Mas especialistas chamavam a atenção para a ausência do componente aéreo, que é um elemento importantíssimo na doutrina OTAN, que a Ucrânia não tinha, e os riscos que ela corria ao fazer ofensiva do jeito que fez.Não é à toa, Filipe, que começa essa contraofensiva lá em junho, mais ou menos, ela começa com os Probing Attacks, etc., e a ofensiva ganha fôlego e vai até meados de outubro, novembro, etc.

    O desgaste foi muito grande, e isso vai levar a Ucrânia a um contexto de tentar se defender e recompor meios e pessoal para se segurar em[20]24 e, talvez, voltar a uma contraofensiva de larga escala em [20]25. Aí, a gente tem uma janela de oportunidades absurda para a Rússia, que reorganizou a casa. Por exemplo, eles absorveram o impacto da contraofensiva ucraniana e apresentaram uma curva de aprendizado muito interessante. Muito criticada a doutrina russa como antiquada, mas eles mostraram uma capacidade rápida de aprendizado, não apenas no nível tático, mas também tecnológico.

    Cada inovação interessante que a Ucrânia trazia, os russos incorporaram em massa. Um exemplo é o uso dos drones FPV (First Person View). A Ucrânia começou a usá-los de forma interessante e a Rússia está usando em uma proporção gigantesca. A Ucrânia começou a utilizar loitering munition, munição vagante, a Rússia está usando muito o Lancet, por exemplo. Isso mostra a capacidade de inovação e produção em massa da Rússia.

    Uma coisa que ajuda a entender essa concepção de uma guerra longa, que o establishment político russo aceita como dado, é a mudança do ministro da Defesa da Rússia. Colocaram um economista, que tem uma trajetória no aparato de estado no campo da economia e um diálogo frutífero com a indústria de defesa russa. Ele vai para o MD [Ministério da Defesa] com a finalidade de arrumar a casa, particularmente na interlocução entre as demandas operacionais, de equipamento e logística da Defesa com a indústria. Nesse sentido, a sinalização que a Rússia dá é que está se preparando para uma guerra longa, sinalizando que estão segurando o impacto brutal na economia russa. Oficialmente, a Rússia não está em guerra, mas tem uma economia militarizada. Isso é extremamente grave quando olhamos pela perspectiva da Ucrânia.

    Em relação à sua pergunta, a Ucrânia, ao manter-se como na ação e buscar êxitos, tenta, se não produzir um efeito estratégico voltado às suas condições de combate, obter efeitos no campo psicossocial, político e internacional. Muito daquilo que ela depende para lutar, como meios, sistemas de armas e plataformas mais avançadas, vem de fora. Por um lado, isso é ruim porque retira da Ucrânia a capacidade de produção em massa e a rápida disponibilidade desses meios. Mas é bom porque cria um centro de gravidade que a Rússia não pode atacar, pois está fora da Ucrânia. Há notícias, ainda não confirmadas, de que algumas indústrias ou fábricas que produzem equipamento bélico para a Ucrânia na Alemanha pegaram fogo misteriosamente. Em um contexto de guerra, ações encobertas [black ops] e sabotagem em países aliados podem ocorrer para degradar o esforço de guerra aliado em relação à Ucrânia.

    O esforço da Ucrânia hoje é muito no campo político, para convencer o Ocidente Coletivo de que ela ainda tem chance, apesar de estar numa condição política degradada: 1) pela War Fatigue do ano passado, 2) o fracasso da contraofensiva, 3) a guerra em Gaza que tirou muita da atenção e do holofote que a guerra da Ucrânia tinha. O que de certa forma é ruim para as condições de apoio externo à Ucrânia. Isso tudo sem mencionar as eleições nos Estados Unidos e a demora de quase seis meses para assinar um pacote de ajuda que não será suficiente para recompor as capacidades militares ucranianas no curto prazo. De fato, a palavra chave aqui é tempo. A Ucrânia precisa ganhar tempo, que é uma variável fundamental na guerra.

    [Filipe] Augusto, deixa eu te perguntar, tentando colocar de uma maneira mais gráfica: o Donbass está claro, está sob controle do exército russo. A linha Surovikin organizou a presença russa naquela região. Luhansk também está sob controle. Pelo que entendi, o foco agora, o cenário mais quente, está mais ao norte, em Kharkiv, onde os russos avançaram. Pelo que vi na imprensa, eles conseguiram, sem muita resistência, ocupar boa parte da região. Não sei se têm intenção de entrar na cidade, mas é ali que está o foco da imprensa. A maior parte da atenção está concentrada ali. Mas, ao sul, na Crimeia, você tem alguns ataques via drones. Mas não há nenhuma possibilidade de algo acontecer ali a curto ou médio prazo. Transformando isso numa pergunta, qual a importância estratégica de Kharkiv para a estratégia russa? E daí, uma vez controlada essa região, para onde a Rússia vai? Tá bom, até ali, eu já ouvi alguns comentaristas falando que tem também a possibilidade de abrir uma frente mais ao norte, via Bielorrússia, para poder, talvez, estrangular ali do ponto de vista logístico. Enfim, como você organiza para o ouvinte a situação?

    [Augusto] Bem, Filipe, existem alguns problemas aqui que nos ajudam a compreender o drama tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia. Como mencionado na segunda fase da guerra na perspectiva russa, o Donbass era prioritário para eles. No entanto, até agora, toda a região do Donbass, Donetsk e Luhansk, não está sob controle total da Rússia; ainda há uma parte sob controle ucraniano. Isso levanta questões interessantes. Por exemplo, após a batalha de Barkmut, uma batalha crucial em andamento agora é Chasiv Yar, que é uma cidade relevante, pois fica em posição elevada e se a Rússia conseguir capturá-la completamente, como parece provável, terá sob o alcance de sua artilharia e visualização um conjunto de cidades e modais rodoviários importantes para um avanço para tentar controlar toda a região do Donbass.

    Para entender a centralidade do Donbass, é crucial considerar cidades como o eixo Slaviansk e Kramatorsk, e ao norte Kupiansk, cidades importantíssimas para tentar quebrar o controle que a Ucrânia ainda exerce na sua chamada estratégia de “cidades-fortalezas”. Onde se têm linhas defensivas ucranianas que não foram feitas em [20]22, são linhas defensivas, várias da quais, já organizadas em [20]14, durante o contexto da guerra civil ucraniana, em que o Donbass era o centro de gravidade do conflito. A Rússia vê com interesse estratégico a conquista dessas cidades, o controle completo da região do Donbass, em particular daquilo que ainda está sob controle da Ucrânia..

    Aí temos a questão sobre o Nordeste da Ucrânia ou uma potencial nova frente ao Norte. A Rússia tem interesse em controlar Kharkiv ou não? Ela tem condições de controlar Kharkiv? De chegar em Kharkiv? Essas são questões importantes, pois o que a Rússia pode estar fazendo podem ser na verdade duas coisas. A Rússia pode estar iniciando uma frente no Nordeste, tentando forçar a Ucrânia a estender ainda mais as suas linhas de defesa, fazendo a Ucrânia redistribuir meios e homens – de boas unidades que estão concentradas no Donbass levando-as ao Nordeste para tentar segurar o avanço russo. Em geral não se fortifica a fronteira, mas uma linha antes da fronteira para que se tenha tempo para absorver uma potencial incursão. A Ucrânia está tendo dificuldade em fazer esses movimentos, inclusive a Rússia está conseguindo avançar na cidade de Vovchansk, o que pode permitir com que ela se projete para outra cidade importante naquela região, Kupiansk Quando se olha para esse cenário, o que a Rússia pode estar tentando fazer é uma manobra diversionista, levando a Ucrânia estender as suas linhas, reorganizando seus meios e tropas, facilitando assim uma possível ruptura na frente do Donbass. Além disso, a Rússia pode estar considerando estender esse esforço abrindo outra frente através da Bielorrússia, embora isso exija um grande esforço logístico de concentração de meios, homens e de sustentação do esforço. Isso não pode ser feito sem chamar a atenção, com surpresa.

    A ambiguidade das intenções russas torna a situação ainda mais complexa. É difícil determinar se a Rússia busca aproveitar a incursão ao Norte para circundar as cidades fortificadas por trás [retaguarda] ou se tem como alvo a tomada direta da segunda maior cidade ucraniana, algo que julgo – no momento – não ser o caso. No começo da guerra a estratégia russa até agora envolveu mais cercos do que conquistas diretas, mas sua ambiguidade coloca o Estado-Maior ucraniano em uma posição delicada, dada a escassez de recursos humanos. A evasão e fuga de potenciais soldados só exacerbam esse problema.

    Mas para a Ucrânia esta não é uma guerra total, em que a sobrevivência do estado está em jogo? Então porque a Ucrânia não faz uma mobilização nacional completa, como na segunda guerra mundial feita pela URSS? Porque a Ucrânia enfrenta dificuldades para armar e alimentar uma mobilização total, ao contrário de sistemas como o israelense e o finlandês. É crucial considerar isso, como Israel reage rapidamente ao 07 de outubro [2023], mobilizando suas divisões e partindo para o contraofensiva? Claro, apesar da distância territorial pequena, eles tem um sistema de mobilização eficaz que contribuem para essa agilidade. A Finlândia tem um sistema semelhante. No entanto, a Ucrânia não possui recursos semelhantes, devido ao alto custo e complexidade envolvidos. Portanto, é fundamental compreender que a decisão de guerra é influenciada pela política. As ações políticas de líderes como Zelenski e Biden são tão ou mais significativas que os eventos no campo de batalha, pois a guerra é, essencialmente, uma forma de fazer política através da gramática da violência.

    [Filipe] Eu ia te perguntar justamente sobre isso. Você tocou agora no ponto do pessoal, do envelhecimento das tropas ucranianas, que é um sintoma de um certo esgarçamento da capacidade de manutenção de tropas. Há relatos de fugas de possíveis combatentes, sem mencionar os refugiados, os civis mortos e até os militares mortos. Enfim, é uma crise sem precedentes, sem sombra de dúvida a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial no continente europeu.

    Você também mencionou de passagem o impacto que isso tem na questão dos alimentos, na produção de grãos, na crise energética e uma reação importante que foi a ampliação da OTAN durante a guerra. Acho que isso também é um capítulo importante dessa história. Mas deixe-me focar na capacidade humana. Como você tem visto isso? Há algum tipo de número de baixas, número de refugiados, deslocamentos? Você tem algum dado nesse sentido ou não?

    [Augusto] Os números durante o conflito são controversos, mas estima-se que no começo da guerra cerca de um quarto da população ucraniana tenha fugido do país. Os avanços rápidos das forças russas provocaram um êxodo populacional significativo, deixando cidades desertas na região de Donbass. Em Kharkiv agora, por exemplo, as imagens que temos são de forças policiais evacuando a população. É um conflito de alta intensidade, a artilharia, fogo indireto, é usada em grande volume e ele não discrimina alvos civis ou militares. Esse é um dado relevante que vai afetar ao menos duas coisas. Primeiro, isso afeta diretamente a capacidade de combate com uma perda de potenciais combatentes, e segundo, a perda da capacidade produtiva do país. No que concerne às baixas, é extremamente complicada de determinar em meio ao conflito em curso, mas é importante reconhecer que as baixas são extremamente elevadas para ambos os lados. A Rússia, por exemplo, opera com um sistema misto, combinando serviço militar obrigatório e pessoal contratado. Muitas pessoas que inicialmente não estavam envolvidas estão agora sendo engajadas, atraídas por contratos com pagamentos bastante elevados. Este fator financeiro está tornando a participação mais atrativa para muitos, além da atuação do grupo Wagner e outras empresas que operam na região. O grupo Wagner, inclusive, faz recrutamento em presídios, o que remete à ideia de avanços em massa por “batalhões penais”, similar ao modelo usado na Segunda Guerra Mundial. Este tipo de ação tática resulta em elevada letalidade para o lado de quem ataca, inclusive.

    Contudo, temos um problema: não possuímos dados precisos. Enquanto a Ucrânia e institutos de pesquisa ocidentais fornecem números sobre as baixas russas, a Ucrânia não divulga suas próprias perdas. Lembro de uma notícia sobre uma companhia telefônica ucraniana que desativou cerca de 300.000 linhas, o que poderia indicar que essas pessoas não estão mais lá, possivelmente mortas. Mas, no geral, há duas coisas certas: há um elevado número de mortos e feridos dos dois lados e, possivelmente, proporcionalmente, a Rússia tem mais baixas que a Ucrânia. No entanto, a capacidade da Rússia de absorver suas baixas é muito maior que a da Ucrânia, pois a Rússia possui uma população cerca de três vezes maior.

    A Rússia está inscrevendo soldados das zonas mais afastadas do território russo para o combate. Quando você observa o fenótipo desses soldados, percebe que muitos deles possuem características fenotípicas típicas de russos asiáticos, entre outros. Estes soldados vêm do interior do país, enquanto as populações das grandes cidades como Moscou e São Petersburgo não estão sendo tão afetadas. Essa estratégia reduz a pressão política sobre o Kremlin, já que menos caixões voltam para essas regiões mais influentes.

    Outro aspecto importante é a situação da Ucrânia. O país também tentou preservar sua população mais jovem, vital para o futuro da nação. No entanto, no momento, a Ucrânia não está conseguindo manter essa preservação. Isso afeta a capacidade combatente da Ucrânia, especialmente no que diz respeito ao recompletamento de unidades e batalhões, etc. Quando soldados morrem ou ficam feridos, é necessário substituí-los, o que gera problemas na rotação das tropas.

    Imagine um soldado em uma trincheira durante o inverno ucraniano, sofrendo bombardeios constantes. Quanto tempo ele consegue permanecer em uma situação dessas? Ele precisa ser retirado para descansar, ser tratado e treinado novamente antes de voltar ao combate. Isso é um problema sério para a rotação das tropas. Com menos pessoal disponível, a rotação fica comprometida, o que reduz a eficácia militar e a capacidade de combate, mesmo quando a soberania e a integridade territorial do país estão em jogo.Todos esses fatores são mediados pelo tempo e pela dinâmica política, o que influencia a perspectiva de longo prazo do conflito.

    [Intervenção musical]

    [Augusto] Uma pergunta relevante é a desmistificação da ideia de que armas ganham guerras. Desde o início da guerra na Ucrânia, temos ouvido afirmações de que armas anticarro, aviões de combate F-16, mísseis terra-terra, entre outros, ganhariam a guerra. No entanto, isso tem se mostrado extremamente falacioso. O que temos visto é que, por mais importantes que sejam, os sistemas de armas são contributos importantes para a gramática da guerra e para a produção de diferentes estratégias. Mas sem uma estratégia, uma teoria da vitória ou uma boa conexão entre as vertentes que fazem a guerra – como o povo, a dimensão política e as forças militares – dificilmente se alcançam os objetivos políticos desejados.

    Filipe, existe um problema que precisamos colocar na mesa: hoje, após mais de dois anos de guerra, qual é a teoria da vitória da Ucrânia? O que significa vencer a Rússia? Para a Rússia, o que é vencer? É tomar o Donbass? Avançar até os oblasts a leste do rio Dnipro, por exemplo? Não sabemos, até porque a própria dinâmica da guerra, como fenômeno político, permite que os objetivos sejam alterados ao longo da ação bélica. Isso tudo mostra a complexidade do fenômeno que abala as relações internacionais e nos afeta aqui no Brasil.

    Nós, que estudamos Relações Internacionais e Ciência Política durante todo esse tempo, devemos refletir sobre como isso nos preparou para entender um cenário como este. Fomos educados para compreender a guerra, no máximo, como a ação contra terroristas ou contra insurgências, e agora enfrentamos uma guerra de alta intensidade na Europa, durante mais de dois anos, com a ameaça nuclear e a segunda ou terceira maior potência militar do mundo envolvida em um conflito posicional no contexto europeu. O país que está no campo assimétrico tem uma aliança ocidental sustentando-o para que não caia [a Ucrânia]. É um cenário extremamente perturbador no campo das relações internacionais, mas por outro lado, extremamente estimulante para nós, enquanto Brasil e enquanto Sul Global, pensarmos nas lições que podemos tirar disso para nossa defesa, para nossa concepção estratégica e para como o Brasil vê a possibilidade da guerra no futuro e reagir a ela, não apenas no campo diplomático, mas também em relação às suas forças.

    Eu acho que a guerra na Ucrânia, enquanto um evento e um drama humanitário, e uma conjuntura crítica na política, é também um chamado de atenção para países como o Brasil acordarem para a ideia de que o fenômeno da guerra é algo que bate à porta de vez em quando na história, e é bom que estejamos preparados para isso. Nesse sentido, a guerra na Ucrânia é muito mais do que um fenômeno apenas europeu; é um fenômeno de caráter e repercussão global do qual deveríamos, ou devemos, aprender, para além, obviamente, das ações militares.

    [Filipe] Então, fica aqui o compromisso no ar de que você vai voltar para discutirmos, aí sim, a doutrina de defesa no Brasil. A pergunta que eu queria fazer para encerrar: todo mundo sabe que, além de ser um estudioso das relações internacionais e das guerras convencionais, você também é guitarrista. O que você achou do Blinken tocando guitarra em Kiev?

    [Augusto] Eu diria que ele toca melhor do que ele conduz a política externa dos Estados Unidos. Acho que ele errou de carreira; ele tem mais feeling para a música, apesar do Neil Young não concordar com muitas das ações que ele está tomando como secretário de Estado. Mas isso mostra a relevância de alguma veia artística nesses atores internacionais. Por exemplo, nosso austero Ministro da Fazenda é um bom guitarrista, o Haddad, então, de certa forma, isso mostra que a música e a guitarra, as seis cordas humanizam vários desses atores, trazendo algo do tipo “é o que se salva naquele ser!”.

    [Filipe] Valeu, Augusto, muito bom falar com você, cara.

    [Intervenção musical]

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    22 May 2024, 3:03 am
  • Nakba, Rafah e BDS

    Filipe Mendonça recebe o professor Bruno Huberman para discutir os conflitos recentes na Faixa de Gaza, gravado em 14 de maio, coincidindo com o Dia da Independência de Israel e a Nakba para os palestinos. A situação em Rafah está crítica, com o exército de Israel pressionando os acampamentos de refugiados e mais de 400.000 pessoas fugindo, enquanto Egito e Israel trocam acusações sobre a abertura das fronteiras. Além disso, Bruno analisa as tensões entre Israel e Irã, como o ataque de drones iranianos e os conflitos diplomáticos e militares, destacando as complexidades e a resistência frente à pacificação forçada. Aperte o play!

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    Imagem: AFP / Ondas de fumaça após o bombardeio israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza

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    15 May 2024, 3:12 am
  • 1 hour 2 minutes
    Refugiados climáticos no Rio Grande do Sul

    Conversamos com Fabrício Pontin (LaSalle) e Gabriel Narciso Pareja (CIBAI Migrações) sobre o desastre climático no Rio Grande de Sul e a situação dos refugiados climáticos no estado. Aperte o play!

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    Lista de instituições citadas no episódio:

    CIBAI Migrações / Chave PIX (CNPJ) 90.397.555/0012-64
    Universidade La Salle / Chave PIX (E-mail) [email protected]
    Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) / Chave PIX (email) [email protected]
    Onda Animal / Chave PIX (CNPJ) 05.573.676.0001/98
    Ajudantes de Canoas / Chave PIX (celular) 51994123000
    Grupo de resposta a animais em desastres / Chave PIX (CNPJ) 54.465.282/0001-21
    Toca dos Bichos Oficial/ Chave PIX (CNPJ) 35815847000109

    Principais remédios em falta no Rio Grande do Sul:

    Cefalexina, Amoxicilina, Azitromicina; Amoxicilina com clavulanato, Doxiciclina, Ivermectina, Miconazol tópico, Fluconazol; Sertralina 50 mg, Citalopram 20 mg, Risperidona 1 mg, Carbamazepina, Amitriptilina, PACO, Tramadol; Anlodipino 5 mg, Atenolol 25 mg, Furosemida 40 mg, Dinitrato de isossorbida, Salbutamol, Beclometasona, Plasil e Dramin.

    Participaram deste episódio:

    • Fabrício Pontin
    • Gabriel Narciso Pareja
    • Filipe Mendonça

    Trilha sonora: 

    Capa do episódio:

    Foto de Canoas/RS

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    8 May 2024, 3:34 am
  • 1 hour 11 minutes
    Universidades ocupadas nos Estados Unidos

    Conversamos com o professor Rafael R. Ioris (University of Denver) sobre a crise estrutural da democracia estadunidense, a corrida presidencial de 2024  entre Biden e Trump e as ocupações nas universidades norte-americanas. Aperte o play!

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    Obras de referência de Rafael Ioris:

    Participaram deste podcast:

    • Filipe Mendonça
    • Débora Prado
    • Rafael Ioris

    Trilha sonora:

    Capa do episódio:

    Foto: REUTERS/Jan Sonnenmair

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    2 May 2024, 9:14 pm
  • 51 minutes 7 seconds
    A Rússia e a reeleição de Putin, com Daniela Secches

    Neste episódio Filipe Mendonça conversa com Daniela Secches (PUC-Minas) sobre a Rússia e a reeleição de Vladmir Putin.

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    Obras de referência de Daniela Secches:

    • LUCENA, A. M. M. ; LEITE, A. ; SECCHES, D. V. . Asiatic decision maker: Russian Federation and its search for safety strategic leadership in Central Asia by the Shanghai Cooperation Organization (SCO) (2001-2018). Relaciones Internacionales, v. 31, p. 1, 2022.
    • SECCHES, D. V.; BERNARDES, M. ; ROCHA, P. D. . A Construção do Pensamento sobre o Internacional na Rússia: identidades, projetos político-pragmáticos e o Ocidente. Carta Internacional, v. 16, p. 1-22, 2021.
    • SECCHES, D. V.; BERNARDES, M. . Poucas e impactantes palavras sobre o internacional no discurso de Vladimir Putin à Assembleia Federal em 2021. CONJUNTURA INTERNACIONAL (BELO HORIZONTE. ONLINE), v. 18, p. 36, 2021.

    Participaram deste podcast:

    • Filipe Mendonça
    • Geraldo Zahran
    • Daniela Sechhes

    Capa do episódio:

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    26 April 2024, 11:12 pm
  • 1 hour 9 minutes
    Disputa tecnológica entre Estados Unidos e China

    Neste episódio Filipe Mendonça conversa com Alexandre Cesar Cunha Leite (UEPB) sobre a disputa tecnológica entre a China e os Estados Unidos, tendo como foco a repercussão dos avanços alcançados pela China nas tecnologias de quinta geração e como estes avanços se constituíram em uma ameaça à segurança e à hegemonia estadunidense.  Aperte o play!

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    Citado no episódio:

    Participaram deste podcast:

    • Filipe Mendonça
    • Alexandre Leite

    Trilha sonora:

    • SMZB – ‘Ten Thousand Ways To Rebel’

    Capa do episódio:

    Imagem gerada por Inteligência Artificial

     

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    18 April 2024, 10:25 pm
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