Entrevistas e reportagens com especialistas sobre as novas pesquisas e descobertas na área da saúde, controle de epidemias e políticas sanitárias.
A insuficiência cardíaca crônica atinge cerca de 64 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde). A doença é uma das maiores causas de internação no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A incidência é maior entre adultos com mais de 45 anos, mas o problema também afeta pacientes mais jovens.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
A insuficiência cardíaca faz com que o coração não seja mais capaz de bombear sangue suficiente para suprir as necessidades orgânicas e provoca diversos sintomas, explica a cardiologista brasileira Lídia Moura, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O primeiro deles é a falta de ar, que chega ao ponto de o paciente, por exemplo, não conseguir mais ficar deitado.
“Normalmente o paciente começa a sentir falta de ar durante o esforço. Em geral, essa dificuldade para respirar é progressiva e se agrava em esforços menores. Nessa fase, o paciente terá dificuldade para se deitar. Ele se sente bem sentado e, quando se deita, a falta de ar piora”, explica a especialista brasileira, que lamenta a falta de informação em torno da patologia.
A gaúcha Katia Arruda, 63 anos, descobriu que tinha o problema cardíaco em 2020, durante a epidemia de Covid-19. A brasileira, que se diz “conectada nos 200 volts”, passou a sentir um cansaço fora do normal, que mudou completamente sua rotina. Katia, que também tem lúpus, uma doença autoimune, sentiu falta de ar, cansaço e suores, que a levaram a consultar um clínico-geral.
Depois de realizar um eletrocardiograma, ela buscou a opinião de dois cardiologistas. O primeiro especialista minimizou o problema e atrasou o diagnóstico. “Ele olhou para meu eletrocardiograma e disse: você está gorda, vai procurar uma nutricionista”, conta. “Mas eu já estava com insuficiência cardíaca e cardiomiopatia grau 3”, o que equivale a um estágio bem avançado da doença, comenta Katia.
O diagnóstico foi confirmado após a consulta com o segundo profissional, que pediu um ecocardiograma - exame que utiliza ondas sonoras para obter imagens do coração. “Não sei se estaria aqui hoje se não fosse ele. O médico falou que eu poderia ter morte súbita a qualquer momento”, comenta a brasileira, que chama o cardiologista de "anjo".
Apesar das dificuldades, Katia foi medicada, aos poucos foi melhorando e hoje convive com a doença. A brasileira também administra um grupo no Facebook de 8 mil pessoas que têm insuficiência cardíaca e podem trocar experiências. Mas ela ainda se lembra de como seu cotidiano mudou de maneira repentina quando os sintomas apareceram. “Fiquei dois anos sem varrer uma casa, sem limpar um banheiro, sem nada. Foi muito difícil”.
Esse cansaço extremo que Katia sentiu quando a doença se manifestou decorre do aumento de líquido no pulmão e é característico da insuficiência cardíaca. “Em pé, esse líquido fica mais acumulado na base do pulmão. Ao se deitar, ele se espalha automaticamente, gerando desconforto no paciente, que precisa mudar de posição. Ele tenta ficar mais ereto”, explica a cardiologista.
A evolução da doença provoca o aparecimento de inchaço nas pernas, que é bilateral e ocorre com mais frequência no final do dia, explica. Com o passar do tempo, de maneira progressiva, o paciente já acorda com braços ou pernas inchados.
Há diversos fatores que podem desencadear a insuficiência cardíaca. De acordo com a especialista brasileira, a condição equivale à fase terminal das doenças do coração e no passado a taxa de sobrevida era baixa. Mas, como os tratamentos evoluíram muito ao longo dos anos, os pacientes vivem mais tempo e com mais qualidade de vida.
“Temos várias etiologias que causam a insuficiência cardíaca, como a Doença Valvar (NR: o grupo de deficiências ou anomalias nas valvas do coração – aórtica, mitral, pulmonar e tricúspide) ou a hipertensão. Outra causa comum no Brasil e outros países desenvolvidos é a doença coronariana. Os doentes hoje têm vários infartos e cada um deles causa uma lesão na massa muscular do ventrículo. Quando vários infartos se acumulam, gera uma grande lesão ventricular”, frisa a cardiologista.
Doenças como diabetes ou a obesidade também são um fator de risco. “Nesses casos, as insuficiências cardíacas ocorrem porque os corações não dilatam, ficam pequenos, mas endurecem muito. Hoje metade das insuficiências ocorre por dilatação e a outra metade porque o coração é pequeno e o relaxamento é ruim”, resume Lídia Moura.
Ela cita ainda outras causas, como a Doença de Chagas, ainda comum em algumas regiões do Brasil e outros países da América Latina. O excesso de bebida alcoólica também pode desencadear o problema. Tratamentos contra o câncer de mama ou ósseo também podem em alguns casos provocar a insuficiência cardíaca, que raramente surge sem uma outra comorbidade associada. Há ainda as cardiomiopatias genéticas, que exigem outros diagnósticos e tratamentos.
Em todos os casos, lembra a cardiologista Lídia Moura, o acompanhamento é sempre individual. O tratamento depende de diversos fatores e deve ser adaptado à condição de saúde do paciente e suas outras eventuais doenças para se obter um equilíbrio da situação. “Cada paciente é único e tem sua história”, resume.
A campanha de vacinação contra a gripe e a Covid-19 começou no dia 15 de outubro na França. O país propõe a imunização em dose dupla para facilitar a vida dos pacientes, que podem tomar as duas injeções ao mesmo tempo.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
Além de não trazer riscos para a saúde, a dupla vacinação incita à realização das doses de reforço, que muitas vezes são deixadas de lado simplesmente por falta de tempo, mostram dados da Seguridade Social francesa.
Mas, apesar do incentivo das autoridades de saúde do país, que propõem as duas vacinas gratuitamente para boa parte da população, a taxa de cobertura ainda é baixa.
Na campanha que começou em outubro, a França utiliza a nova vacina da Pfizer adaptada à variante JN.1, que atualmente é dominante no país e no resto do mundo.
Segundo dados do Ministério da Saúde francês, apenas 47% da população de mais de 65 anos com fatores de risco se imunizou contra a gripe durante a campanha de 2023-2024.
Em relação à Covid-19, a situação é ainda mais preocupante. Somente 30% dos maiores de 65 fizeram a dose de reforço no ano passado, de acordo com a Santé Publique France, a agência de saúde pública francesa.
Os pacientes com comorbidades são um dos principais alvos da campanha de vacinação, explica o pneumologista Laurent Ngueyn, da Associação Santé Respiratoire France, que implementa ações no país para melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem de doenças respiratórias.
“É preciso proteger as pessoas mais vulneráveis, as mais frágeis, para evitar que elas desenvolvam uma forma grave das duas doenças e o risco de complicações e de hospitalização”, lembra.
Segundo o especialista, as pessoas que convivem com esses pacientes também devem se vacinar. A chamada proteção indireta, diz, infelizmente é levada pouco a sério no país.
“A taxa de cobertura vacinal ainda é muito baixa na França, mas não pode ser considerada insignificante, porque muitas pessoas se vacinam. O problema é a dose de reforço”, destaca. "Globalmente a taxa de vacinação é correta, mas sempre podemos melhorar", avalia.
O desafio das autoridades francesas é ainda maior quando se trata da Covid-19. O pneumologista reconhece que existe um “cansaço” geral após a epidemia. “Acho que as pessoas simplesmente não querem mais ouvir falar dessa doença que, na minha opinião, traumatizou todo mundo”.
Embora aos poucos esse trauma coletivo esteja sendo deixado para trás, os riscos existem e o vírus da Covid-19 pode provocar, além das formas graves, diferentes sequelas, mesmo em pacientes sem comorbidades ou fatores de risco. As vacinas protegem, ressalta Laurent Ngueyn, e o reforço deve ser um reflexo natural quando chega o inverno.
“No verão, ao ar livre, o risco de contaminação como sabemos é mais baixo. Mas quando chega outono e o inverno e as temperaturas caem, ficamos mais dentro de casa e o risco de contaminação é maior. Infelizmente temos dados que mostram que a Covid-19 está voltando aos poucos”, alerta.
Há consenso de que a vacina contra a gripe deve ser feita anualmente, mas no caso da Covid-19, a regularidade das doses de reforço pode variar de uma pessoa para outra, explica o especialista francês.
“O paciente deve procurar seu médico e se informar. Ele conhece seu modo de vida, seu histórico, suas doenças, e suas reações às injeções anteriores. Nos pacientes com fatores de risco, na França, é aconselhável fazer o reforço a cada seis meses após a última dose da vacina ou infecção. Entre os imunossuprimidos e idosos com mais de 80 anos, nós aconselhamos uma dose a cada três meses”.
Os fatores de risco englobam pacientes com doenças crônicas respiratórias, cardiovasculares, hepáticas, renais e metabólicas, como o diabetes ou a obesidade. Pacientes que recebem certos tratamentos contra o câncer, por exemplo, também podem desenvolver uma forma grave da Covid-19.
O pneumologista francês, que atende na cidade Bordeaux, no sul do país, lembra que a epidemia, que começou em 2020, aterrorizou seus pacientes, que se fecharam e adotaram com seriedade as medidas de proteção e o lockdown. Quando a vacina surgiu, em 2021, houve adesão, mas ela vem diminuindo ao longo do tempo, lamenta.
“Infelizmente, ainda temos pacientes que desenvolvem formas graves, vão para o Pronto-Socorro, são hospitalizados e até internados na UTI. Isso é um verdadeiro traumatismo. Eu perdi alguns pacientes e é uma catástrofe para as famílias, para aqueles que ficam. Também tive pacientes que desenvolveram formas graves e pode acreditar, quem passou por isso não tem a menor vontade de pegar a doença de novo”.
A vacinação das crianças é outro problema na França, onde apenas 1,7% dos menores entre 0 e 11 anos tinha tomado uma dose da vacina contra o vírus em janeiro de 2023, segundo dados da Seguridade Social.
Nossas emoções, comportamento e a maneira como aprendemos são o resultado de uma série de mecanismos cerebrais. Compreendê-los é o papel da Neurociência, uma área que desperta o interesse de um número cada vez maior de pesquisadores, mas também do público em geral.
Essa busca pela compreensão do funcionamento cognitivo e emocional não é exatamente nova, explica o psicólogo e doutor em Neurociências, Albert Moukheiber, autor do livro Neuromania, le vrai du faux sur notre cerveau (Neuromania, como discernir o que é verdade?”, em tradução livre) publicado na França.
Ele destaca que o problema é que o fluxo contínuo de informações sobre os mecanismos cerebrais, muitas vezes mal interpretado, pode ser nocivo e ter um impacto real.
A promessa de melhorar a capacidade mental tornou-se o ganha-pão de muitos coachs de desenvolvimento pessoal, por exemplo, aponta o especialista francês. Essa é uma das áreas que tirou proveito da vulgarização científica em torno do tema para se transformar em um grande negócio.
“Há duas razões principais para essa popularidade. Uma delas é o desenvolvimento pessoal, que ganha espaço no mais alto nível, e que gera muito lucro e dinheiro. Há promessas de como ser um líder melhor, ganhar mais, ser mais criativo, ter uma memória mais eficaz, ser mais inteligente ou aumentar o QI, por exemplo", diz.
"Outra razão é ideológica: explicar alguns fenômenos sociais como a crença nas fake news, ou o imobilismo diante do clima. Nesse caso, haverá uma tentativa de analisar essas situações utilizando um “verniz científico”, e, para isso as Ciências Cognitivas. Raramente é pertinente”, ressalta.
O especialista lembra que o conhecimento sobre os mecanismos cerebrais é limitado e que utilizar as Ciências Cognitivas para explicar como agimos, pensamos e nos sentimos pode ser um erro. “Como não sabemos direito como o cérebro funciona, podemos projetar todo tipo de fantasia ou explicação na Neurociência. Como nessas reportagens que mostram seu cérebro quando está apaixonado, seu cérebro se você é de esquerda, de direita, enfim... qualquer coisa”.
Segundo ele, o excesso de simplificação em torno dos mecanismos cognitivos, e o uso indevido de informações sobre o funcionamento cerebral, infelizmente acabam influenciando decisões que podem ter efeitos diretos na vida das pessoas. O neurocientista francês concorda que o conhecimento do cérebro representou um grande avanço, mas lembra que ele é “diferente dos outros órgãos”.
“(O cérebro) é um órgão que chamamos de dependente do contexto. Se nós estivéssemos tendo essa conversa fora do estúdio, não estaríamos conversando da mesma maneira. As palavras que utilizaríamos seria diferente, a eloquência também assim como o tom da nossa voz”, detalha Albert Moukheiber.
Para o neurocientista, essa contextualização é essencial. “É como se eu estudasse o cérebro dentro de uma máquina de ressonância magnética dentro de um hospital para entender o amor. Não sei como resolveremos esse problema, não temos como criar uma ciência da subjetividade”.
Os chamados testes de personalidade, muito usados no meio corporativo, são outro exemplo, lembra o especialista francês. “Os resultados desses testes são escritos para que todas as pessoas se identifiquem com eles de alguma maneira. O problema é que você talvez não consiga o emprego porque o teste vai mostrar que você não tem o perfil. Perder uma vaga por conta de um teste que não é, em hipótese alguma, confiável, é absurdo. Eles não têm nada a ver com testes que usamos na nossa prática clínica, por outras razões, como a realização de diagnósticos diferenciais”, critica o especialista.
É nesses momentos, diz o neurologista, que as consequências negativas da desinformação em torno das ciências cognitivas são palpáveis. “Você será deixado de lado, não porque fez algo errado, mas porque não tem a personalidade adequada”, e isso, reitera, por conta de um teste que não tem nenhum valor científico.
A doença que afeta principalmente pessoas com mais de 65 anos seria responsável por até 70% dos casos de demência. Duas novas moléculas trazem esperança para os pacientes e suas famílias, mas a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) questiona o custo-benefício dos remédios, que geram muitos efeitos colaterais.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
O donanemab é uma imunoterapia que visa reduzir a quantidade de depósitos de proteínas beta-amilóides no cérebro. O lecanemab tem essa mesma função e ambos prometem diminuir os sintomas da doença, apesar de não impedirem sua progressão. Associações de pacientes e profissionais franceses entraram com um recurso junto à Agência Europeia de Medicamentos para pedir uma nova avaliação dos produtos e aguardam as conclusões.
As duas moléculas são fruto de um grande avanço na compreensão da doença, explica o neurologista francês Bruno Dubois, professor da universidade Sorbonne e ex-chefe do setor no hospital Pitié Salpetrière, em Paris.
Há cerca de dois anos, estudos científicos comprovaram que os sintomas são uma consequência das lesões cerebrais, o que até então era apenas uma hipótese. A validação possibilitou o surgimento do donanemab e do lecanemab, explicou o cientista.
Aprovados para uso nos EUA pela FDA, a Agência Americana de medicamentos, mas também em vários outros países, os medicamentos ainda geram reticências na Europa, lamenta o neurologista francês.
“Os especialistas da Agência Europeia de Medicamentos, que não são especializados no Mal de Alzheimer para evitar conflito de interesses, constataram que o benefício gerado pelos remédios é modesto e os efeitos colaterais não podem ser ignorados. Nessas condições e levando em conta o custo, eles não serão autorizados”, explicou.
Na França, onde os medicamentos são gratuitos, na falta do aval da agência o donanemab e o lecanemab não poderão ser reembolsados pela Seguridade Social. Para o neurologista francês, essa decisão cabe ao paciente, após ele estar ciente das eventuais reações adversas.
“Sim, há efeitos colaterais. Mas esse é um dos interesses na utilização desse remédio. Pouco a pouco, vamos conhecer melhor as indicações e prevenir as eventuais reações, observando por exemplo por que alguns pacientes desenvolveram mais reações em relações a outros”, defende Bruno Dubois. “Já constatamos algumas contra-indicações e é assim que vamos avançar. Mas excluir os países europeus e a França dessa reflexão é uma pena, para os pacientes e para nós, profissionais".
A Ciência ainda não sabe como interromper a progressão da doença de Alzheimer. Ela se manifesta raramente antes dos 60 anos, mas é comum depois dos 80 e atinge mais mulheres.
A perda da memória progressiva provocada pela patologia torna o doente incapaz de gerenciar gestos básicos da vida cotidiana. Na fase mais avançada, a doença causa perda de autonomia e de identidade, desestabilizando o paciente e a sua família.
O diagnóstico precoce é essencial para controlar sua evolução e melhorar a qualidade de vida. Os novos medicamentos intervêm justamente no momento em aparecem os primeiros sintomas de perda de memória. “Eles demonstraram sua maior eficácia no início dos sintomas e da demência”, explica o especialista.
Segundo ele, os remédios “limpam” os depósitos dos peptídeos beta-amilóides no cérebro e, desta forma, desaceleram a evolução da doença. “O resultado é mínimo, não devemos nos iludir. Mas mesmo assim ele é considerável, porque valida todos os modelos que sustentam nossas reflexões há cerca de 20 anos”.
Na França, o Mal de Alzheimer atinge cerca de 1 milhão de pessoas. Em todo o mundo, cerca de 50 milhões de pessoas convivem com a doença, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Para Bruno Dubois, esse aumento se explica pelo envelhecimento da população, da esperança de vida e do progresso da Medicina. Mas, em contrapartida, crescem também os casos de doenças cerebrais degenerativas e de cânceres.
Entre 60 e 65 anos, às vezes antes, os pequenos esquecimentos da vida cotidiana podem ser motivo de preocupação. Não se lembrar de onde deixou os óculos, as chaves de casa ou o celular são situações comuns, mas que podem levar as pessoas que as vivenciam a pensar que estão perdendo a memória.
“Na realidade, esses não são problemas de memória”, ressalta Bruno Dubois. “São dificuldades de atenção. Com a idade, a atenção diminui. Mas a atenção diminui também se temos distúrbios do sono, se enfrentamos estresse profissional, se temos ansiedade ou depressão”.
O primeiro sinal de alerta é se esquecer de coisas realmente importantes. “Por exemplo, não me esqueço dos Jogos Olímpicos em Paris, de Léon Marchand ou de Teddy Riner”, diz. “Não vou me esquecer de grande eventos que nos marcaram e que chamaram nossa atenção. Se alguém se esquece desse tipo de coisa, ou da visita de um primo americano, ou da morte de um amigo próximo, ou de alguém da família, não é normal”.
A radioterapia para tratar tumores do seio que já atingiram os gânglios linfáticos agora terá três semanas em vez de cinco, segundo um estudo dirigido pela oncologista e radioterapeuta Sofia Rivera, do instituto francês Gustave Roussy. Os resultados foram divulgados em setembro, durante o congresso da ESMO, a Sociedade Europeia de Oncologia, que todos os anos apresenta os últimos avanços na luta contra a doença.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
A pesquisa mostrou que a eficácia da radioterapia de 15 sessões em três semanas, com doses um pouco mais fortes de radiações, é similar a 25 sessões de cinco semanas.
A descoberta foi anunciada após a fase 3 do estudo, chamado de HypoG-01. Os resultados apresentados modificarão o protocolo de tratamento radioterápico aplicado em pacientes do mundo todo, segundo a oncologista francesa.
Os testes clínicos aconteceram em 29 estabelecimentos franceses, entre setembro de 2016 e março de 2020. A idade média das 1 265 pacientes era 58 anos e todas haviam sido operadas de um câncer do seio locorregional, ou seja, que atingiram os gânglios.
O estudo vai facilitar a vida das pacientes, explicou a oncologista e radioterapeuta Sofia Rivera. “O HypoG-01, apresentado em uma sessão da Sociedade Europeia de Oncologia Médica, é o primeiro estudo a demonstrar que quando tratamos um câncer com um volume maior, podemos fazer uma radioterapia mais curta e passar de cinco para três semanas de tratamento”, explicou à RFI.
A radioterapia é a última etapa do tratamento contra o câncer de mama. Duas semanas a menos é um verdadeiro “alívio” para as pacientes, mas também para o já sobrecarregado sistema de saúde francês, que tem cada vez mais dificuldade em atender a demanda.
“Esse tempo mais curto também representa uma redução de custos e menos idas e vindas das pacientes aos hospitais” diz a oncologista. A redução do tempo da radioterapia também libera vagas nas máquinas para atender outras mulheres mais rapidamente e aumenta em alguns casos as chances de sobrevida e de cura.
Na França, cerca de 90% dos cânceres de mama são descobertos no estágio inicial ou já atingiram os gânglios, sem metástases em outros órgãos.
Para ser validado e garantir a segurança das pacientes, o estudo se concentrou nos eventuais efeitos colaterais que poderiam surgir por conta da maior intensidade das radiações. “Quando irradiamos os gânglios, irradiamos também mais tecidos normais. Temos o coração, e atrás dos gânglios, embaixo da clavícula, o pulmão, além dos vasos e nervos dos braços", descreve Sofia Rivera.
"Um dos temores era que as pacientes tivessem mais efeitos colaterais e linfedemas, ou seja, braços inchados. É um risco que aparece após a cirurgia e a radioterapia dos gânglios. Mas o estudo mostrou que as pacientes não tinham mais reações adversas. Pelo contrário, tinham até menos, porque sentiam menos cansaço. Nossa conclusão é que só há benefícios para elas”, resume.
Além do tratamento em si, não é apenas o caminho de casa até o hospital que cansa as pacientes. Há também a adaptação aos horários das consultas e a expectativa na sala de espera, muitas vezes ao lado de outras mulheres tratadas por cânceres mais graves. “Isso pode ser psicologicamente difícil”, destaca a oncologista.
Desde a apresentação do estudo no congresso europeu, vários centros de tratamento adotaram o novo protocolo e a oncologista francesa foi procurada por profissionais de vários países, inclusive da Ucrânia.
"Felizmente as radioterapias continuaram no país apesar da guerra e diminuir os deslocamentos das pacientes é um benefício incontestável", lembra. “Vamos organizar um workshop online para ajudar as equipes e formá-las para adotar esse novo tratamento”.
Ela lembra que o diagnóstico precoce continua sendo um dos maiores aliados das pacientes e, neste caso, as chances de cura podem chegar a 100%, lembra Sofia Rivera. Ela lamenta que na França muitas mulheres simplesmente não façam a mamografia periodicamente, apesar de o exame ser gratuito no país.
“Ainda temos taxas de mamografia de rotina muito baixas. Hoje na França, menos de 50% das mulheres que deveriam realizar a mamografia de rotina fazem o exame”. É importante também, diz, implantar estratégias para promover e possibilitar exames de rotina personalizados, em função do risco da paciente.
A recomendação para filhas de mulheres que tiveram câncer do seio é começar o exame de rotina cinco antes do diagnóstico da mãe e realizar uma mamografia anualmente, ou a cada dois anos. Essa precaução deve ser acompanhada, além do autoexame, de uma visita ao ginecologista ou clínico geral, já que os nódulos podem ser detectados em um exame clínico.
As competições dos Jogos Olímpicos motivaram crianças, jovens e adultos franceses, que se empolgaram com o desempenho de alguns campeões e decidiram praticar uma atividade esportiva. É o que explica o especialista francês Jean-Marc Sène, médico do Esporte e autor do livro Le Sport: je me lance (Como iniciar uma atividade física em tradução livre).
Em setembro, início do ano letivo na França, muitos clubes de natação, por exemplo, registraram um aumento das inscrições após a proeza do nadador francês Léon Marchand, que levou quatro medalhas de ouro na Olimpíada. “Quando um atleta ganha uma medalha em uma modalidade, há um aumento imediato nas inscrições das federações esportivas”, afirma Jean-Marc Sène.
Mas, apesar dos benefícios incontestáveis da prática esportiva, que reduz o estresse, melhora a qualidade do sono e ajuda no controle do peso, há maneiras de começar ou retomar uma atividade física e mantê-la ao longo do tempo.
O ideal, principalmente para crianças e adolescentes, é testar três ou quatro atividades diferentes. “Escolher uma atividade apropriada ao seu físico e estado de espírito é um aspecto importante. E também se colocar algumas questões: qual é a minha preferência? Um esporte individual ou em grupo? Ao ar livre ou indoor?”
A atividade física, lembra, não faz bem apenas para o corpo, mas também para a alma. “A prática esportiva aumenta a autoconfiança e favorece a sociabilidade”, frisa.
O esporte também gera uma sensação de bem-estar graças a efeitos fisiológicos ativados pela secreção de hormônios como a endorfina, a serotonina e a dopamina, que ativam o chamado sistema de recompensa.
Para que esses efeitos sejam duradouros, é importante ter uma prática adequada à própria capacidade. Um esporte como o futebol, por exemplo, pode provocar contusões graves com o avanço da idade.
“Os tendões, a partir de uma certa idade, são menos vascularizados, menos sólidos, e têm uma capacidade menor para se fortalecer, justamente porque são menos vascularizados", explica o especialista.
"Com a idade, a massa muscular também diminui e se apoia nesse tendão. Esse desequilíbrio ocorre geralmente em torno dos 35 ou 40 anos, porque continuamos a arcar com nossa massa muscular. Mas os tendões enfraquecem”.
Esse tipo de contusão é comum entre atletas profissionais. A solução, em todos os casos, é reforçar os tendões em sessões de fisioterapia específicas. Esportes de impacto costumam ser mais agressivos para o corpo e por isso o médico do Esporte francês recomenda atividades como a natação, por exemplo.
É preciso também ter cuidado ao retomar ou iniciar uma prática esportiva. O programa físico deve ser adaptado em função do caso, e poderá incluir mais alongamentos e menos musculação.
Uma das primeiras precauções é consultar um médico para se certificar da ausência de problemas cardiovasculares ou outras doenças crônicas que exigem adaptações, como o Diabetes, por exemplo. A alimentação, claro, também é um ponto essencial.
Na ausência de fatores de risco, o retorno deve ser progressivo. “São necessárias algumas semanas ou meses para retomar a forma”. A ginástica, como sabemos, também é uma aliada importante para manter o peso, mas Jean-Marc Sène lembra mais uma vez que as atividades de impacto são desaconselhadas.
Para quem busca perder barriga ou melhorar a flacidez, por exemplo, o ideal é apostar em exercícios que trabalhem os músculos transversos do abdômen, para tonificá-los.
De uma maneira geral, Jean Marc Sène recomenda uma atividade física moderada e adaptada a cada indivíduo.
“Cerca de 30 minutos, cinco dias por semana, além de evitar o sedentarismo, como ficar sentado mais de uma hora e meia seguida durante o dia. A cada 90 minutos é bom se levantar, mexer um pouco, tomar um copo de água ou se movimentar um pouco. Esse é o meu conselho”.
A prevalência do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), também conhecido como DDA, é de 5% em nível mundial e o número de casos vem crescendo, de acordo com dados da Alta Autoridade de Saúde da França (HAS), vinculada ao Ministério da Saúde. O órgão, que emite recomendações sobre práticas médicas, publicou em setembro um guia para melhorar o diagnóstico e o tratamento das crianças e adolescentes que convivem com o Déficit de Atenção.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
O transtorno neurológico é provocado por diferenças na estrutura e no funcionamento cerebral da região frontal, explicou o psiquiatra francês Olivier Bonnot, que liderou a equipe responsável pela elaboração do documento que, segundo ele, encerra o trabalho realizado pelo órgão em torno da questão.
“A ideia em torno dessas recomendações é que elas sejam uma base, um guia para que os profissionais possam fazer o diagnóstico e as intervenções terapêuticas necessárias nas crianças e adolescentes que têm um TDAH. Isso inclui os clínicos-gerais”, explica.
Na França, os pacientes são obrigatoriamente acompanhados por um clínico-geral. De acordo com o psiquiatra, a ideia é também propor formações reconhecidas para capacitar esses profissionais a detectar o transtorno.
“Um dos objetivos dessas recomendações é colocar à disposição dos profissionais uma espécie de guia prático para realizar o exame psiquiátrico e clínico dos pacientes, e assim detectar os sinais do TDAH, que são a falta de atenção, o excesso de distração, e impulsividade”, explica. Os sintomas também podem incluir a desregulação emocional e a hiperatividade, que não está sempre presente.
O diagnóstico é complexo, já que outras doenças mentais, como a Depressão ou a Ansiedade, podem estar associadas ou apresentar características similares. A insônia, lembra, também provoca sintomas parecidos com o do Déficit de Atenção. Por isso é importante fazer o diagnóstico diferencial e detectar outras comorbidades psiquiátricas.
Em termos biológicos, estudos mostram que o funcionamento dos cérebros das crianças e adultos que têm TDAH é diferente. “ A conectividade de algumas áreas cerebrais, como a frontal, não funciona direito. É mais um problema de conectividade do que de um neurotransmissor, como a dopamina, em particular”, diz.
Ele lembra que os mecanismos das doenças psiquiátricas são alvo de diversas pesquisas e há avanços na compreensão do transtorno. Estudos com imagens mostram diferenças nos cérebros dos indivíduos que convivem com o TDAH, e as neurociências cognitivas trouxeram algumas respostas sobre as origens da doença, que surgem na infância, a partir de anomalias no desenvolvimento cerebral. Não existe, entretanto, um marcador biológico para detectar o Déficit de Atenção.
Todos nós lidamos com diversas informações ao mesmo tempo no cotidiano e nosso cérebro deve ser capaz de selecionar aquelas que são importantes para atingir as metas estabelecidas. O sistema cerebral encarregado dessa tarefa é a função executiva, que fará a triagem das informações, hierarquizá-las e produzir uma ação dirigida. Esse mecanismo não funciona direito em quem tem Déficit de Atenção.
As recomendações do órgão francês englobam vários aspectos. Entre elas, a detecção precoce em consultas com a criança, os pais, mas também adultos que convivem com elas na escola ou outras atividades.
Em seguida, é preciso adaptar o ambiente escolar e em casa – os professores e pais devem aprender a lidar com as dificuldades em função das características individuais da criança. O tratamento é principalmente baseado no acompanhamento psicoterápico e a medicação, como a ritalina, por exemplo, só é recomendada em casos mais complexos.
O psiquiatra francês Gérard Macqueron, autor do livro “Psicologia da Atenção”, lembra que, nas crianças, o transtorno pode desaparecer na vida adulta, mas persiste em até 60% dos casos. Entre os adultos, cerca de 5% convive a doença sem diagnóstico, ressalta.
A falta de atenção, impulsividade e hiperatividade que caracterizam a doença podem se manifestar de diversas formas. “Em uma conversa ou reunião, por exemplo, a pessoa tem dificuldade em se manter concentrada, da mesma maneira que é complicado se concentrar para finalizar uma tarefa. Tem tendência à procrastinação, dificuldade em estabelecer um plano de ação e definir objetivos precisos”, exemplificou, em entrevista ao programa Priorité Santé, da RFI.
Outra característica é a dificuldade em terminar aquilo que começou. Nos relacionamentos, o TDAH tem pouca tolerância à frustração. Muitas vezes, as pessoas que têm o transtorno são taxadas de preguiçosas, quando na verdade apenas não conseguem gerenciar em termos neurocognitivos a demanda por um determinado comportamento.
“Há, com frequência, julgamentos precipitados e negativos a respeito dessas pessoas que, na verdade, não têm nada de preguiçosas, mas tem apenas dificuldades para se organizar e implementar ações”. Há também uma incapacidade na regulação das emoções.
Alguns pacientes, explica o psiquiatra francês, acabam “mascarando” o Déficit de Atenção se a impulsividade, por exemplo, não é acentuada, e a pessoa tem um ambiente que favorece a compensação.
Há também o componente genético – pais com o Déficit de Atenção certamente serão mais desorganizados que a média e isso vai influenciar o comportamento da criança.
Para Olivier Bonnot, é preciso falar sobre a questão. “Falando sobre o problema, sensibilizamos a sociedade em torno da questão do TDAH. Isso ajuda a evitar a estigmatização”. Elas decorrem lembra, principalmente da falta de conhecimento, que envolve as doenças psiquiátricas.
Um grupo de pesquisadores franceses descobriu que a presença de um subtipo do linfócito Th17, uma das células que compõem nosso sistema de defesa, pode contribuir em alguns casos ao desenvolvimento de certos tipos de tumores, como os do intestino, fígado ou pâncreas.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
O estudo foi realizado durante quatro anos por especialistas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França), do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), da universidade Claude-Bernard Lyon 1 e do Centro de Pesquisa Oncológica de Lyon.
Os cientistas franceses identificaram um dos mecanismos do processo inflamatório presente em algumas doenças crônicas que levaria ao surgimento de certos cânceres, disse à RFI Brasil o imunologista francês Julien Marie, que participou da pesquisa, publicada no final de julho na revista científica Nature Immunology.
Para entender como os pesquisadores chegaram a essa conclusão, é necessário compreender o papel dos glóbulos vermelhos ou brancos, os linfócitos, em nosso organismo. “Os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte do oxigênio no sangue e os brancos combatem os agentes infecciosos e as células defeituosas”, explicou o cientista francês.
Os glóbulos brancos são divididos em dois grandes grupos, formados pelos linfócitos B, que produzem os anticorpos, e os linfócitos T. A função deles é destruir células defeituosas ou que foram contaminadas por um vírus ou uma bactéria, por exemplo. Para isso, libera moléculas como as citocinas, que vão criar a inflamação e favorecer a cicatrização e a cura.
O problema é que esse processo às vezes pode sofrer alterações e gerar doenças ou agravar infecções – um exemplo é a forma grave da Covid-19. A equipe francesa descobriu que o linfócito Th17, presente na Doença de Crohn, uma patologia crônica intestinal, poderia atuar no aparecimento de células cancerígenas.
Muitos tumores, lembra Julien Marie, surgem a partir de uma inflamação crônica. Quando ela atinge uma parte específica do intestino, como é o caso dos pacientes que têm Crohn, as células vão se modificar e se tornar cancerígenas exatamente na porção inflamada. “No nosso estudo, tentamos entender quais eram as células do sistema imunológico na origem dessa inflamação que vai gerar o câncer. São etapas extremamente precoces do desenvolvimento da doença”.
Esse mecanismo localizado ajudou a equipe a “cercar” a área onde ocorre todas as modificações celulares. Os cientistas então constataram que um subtipo dos linfócitos Th17 estava na origem de alguns tumores. “Hoje temos técnicas que permitem analisar uma célula de cada vez. Percebemos que as células Th17 tinham oito subtipos, e um deles podia desencadear o câncer através da inflamação criada por ela mesma”, explica.
O estudo analisou os linfócitos invitro, no laboratório, as células das biópsias de pacientes que tinham a Doença de Crohn. Eles têm, em geral, quase seis vezes mais chances de desenvolver um câncer colorretal que um indivíduo normal, explicou o cientista francês, e entender o porquê era um dos objetivos da equipe.
Durante o estudo, os pesquisadores conseguiram provar que o linfócito Th17 estava presente nos pacientes que desenvolveram os tumores. “No nosso artigo científico caracterizamos os linfócitos que geram o câncer, fazemos uma descrição deles e definimos um certo número de marcadores que propomos para defini-los", explicou. "Fomos ainda mais longe, porque toda a questão por trás da nossa pesquisa era saber se podíamos bloquear o aparecimento do câncer”, acrescenta.
Foi justamente essa uma das grandes descobertas da pesquisa. “O desenvolvimento das células cancerígenas pode ser bloqueado pela presença de uma citocina, TGF–β (TGFBETA)”. Se o nível dessa citocina diminui no intestino, por exemplo, favorecerá o aparecimento do câncer, reitera Julien Marie.
A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias contra o câncer e também na prevenção, através da utilização dos marcadores propostos no estudo. Eles são preditivos do risco de desenvolvimento da doença e permitirão um diagnóstico precoce ou até mesmo antecipar o risco do paciente antes de o câncer aparecer.
Para Julien Marie, o estudo também é importante porque quebra um paradigma: o nosso sistema imunológico, criado para proteger o organismo, às vezes pode ser nocivo. De cada três cânceres, lembra, um se desenvolve a partir de uma inflamação crônica – um mecanismo que ainda continua sendo, em parte, um mistério para a Ciência.
A asma é uma doença crônica comum e vem crescendo em todo o mundo, inclusive no Brasil. A estimativa é que entre 10% e 20% da população brasileira conviva com os sintomas da doença, que provoca um estreitamento das vias aéreas.
Taíssa Stivanin, da RFI
Os sintomas da asma em geral são leves ou moderados, mas podem levar à insuficiência respiratória nos casos mais extremos. A brasileira Vivian Toneloto, 39 anos, levou um susto quando era adolescente. Ela sempre teve falta de ar, mas nunca tinha procurado um médico. Aos 16 anos, começou a fumar e os sintomas pioraram.
Foi só então que Vivian descobriu que tinha a doença e iniciou um tratamento. O problema é que ela não seguiu as recomendações médicas à risca e acabou parando de usar o medicamento. “Foi aí que tive meu primeiro desmaio, com 18 anos. Uma falta de ar muito forte. Minha família entrou em desespero”.
A crise aconteceu de madrugada. Vivian não tinha um nebulizador em casa e sua mãe foi até uma farmácia buscar um remédio de alívio imediato para controlar a crise. Quando chegou, viu a filha desmaiada. Ela então teve o reflexo de espirrar o produto na boca de Vivian, que acordou. “Acho que se ela tivesse demorado mais uns 15 minutos não sei se estaria aqui”, conta a brasileira.
A asma costuma aparecer nos primeiros anos de vida, explica o pneumologista Rodrigo Athanazio, professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). O diagnóstico é confirmado através de testes da função pulmonar. O exame avalia a quantidade de ar que entra e sai dos pulmões, conforme o paciente respira.
De acordo com o pneumologista, o quadro alérgico que desencadeia as crises geralmente dura até a adolescência e desaparece na vida adulta. Mas, uma série de fatores pode acarretar o retorno dos sintomas. “O motivo pode ser uma infecção viral, exposição no trabalho ou o tabagismo, por exemplo”, explicou à RFI.
Ambientes de trabalho com muitos produtos químicos, feno, farinha de trigo, látex presente na pintura dos móveis ou mofo também podem desencadear crises, assim como as mudanças bruscas de temperatura e umidade – o tempo mais seco piora a asma.
“É importante lembrar que os brônquios, além de levar o ar para dentro do pulmão, têm uma função muito importante: condicionar o ar que estamos respirando. Dentro do nosso pulmão, o ambiente é quente e úmido. Quanto mais seco e frio lá fora, mais o brônquio precisa se esforçar para o ar chegar bem condicionado dentro dos pulmões”, frisa o pneumologista.
Apesar de ser uma doença crônica, que se for diagnosticada deverá ser controlada pelo resto da vida, Rodrigo Athanazio lembra que a asma é reversível. “Se tratada adequadamente, a pessoa terá os brônquios e o pulmão de alguém totalmente normal. Isso é importante, porque pode haver remissão, por tratamento ou espontaneamente”.
Foi o caso de Vivian, citada no começo desta reportagem. Apesar do susto e de outros dois desmaios, ela só parou de fumar há cerca de dez anos, quando passou a levar a sério o tratamento e usar o anti-inflamatório, além do remédio de alívio imediato. Hoje, a doença está controlada. “Praticamente não uso a bombinha, faço só o tratamento”, conta aliviada. Ela também incluiu a atividade física em sua rotina e pratica natação.
Existe predisposição para a asma? Sim, mas esse mecanismo genético ainda não foi totalmente explicado pela Ciência. De acordo com Rodrigo Athanazio, a doença é multifatorial e depende também de parâmetros ambientais. A alergia, diz, tem um papel essencial.
“A alergia é um processo inflamatório gerado pelo nosso próprio corpo. Ele cria uma resposta exagerada contra um agente externo, que não necessariamente está causando um problema para o corpo. Temos que lembrar que nosso sistema imunológico é um sistema de proteção”, diz.
“Quando estamos inalando um vírus, ou uma bactéria, é muito importante que o sistema imunológico ataque para nos defender. Só que na infância, ele precisa distinguir o que pertence ou não ao nosso organismo para poder nos defender. Às vezes há uma desregulação nesse mecanismo. Um pêlo de gato, por exemplo, não faz mal nenhum. Mas o corpo cria uma resposta exagerada e é essa resposta que causa irritação”, resume.
O sistema respiratório começa no nariz, explica o pneumologista. Por isso, tratar outras doenças ainda mais comuns, como a rinite alérgica por exemplo, é fundamental para evitar que a asma se desenvolva no futuro.
O diagnóstico da asma e seu acompanhamento é fundamental para controlar os sintomas. Segundo o especialista, entre 60 e 80% dos casos são leves. Por isso, muitos pacientes não se preocupam com a doença - e aí é que mora o perigo.
Os asmáticos devem saber como lidar com uma crise potencialmente grave, que pode acontecer a qualquer momento. Rodrigo Athanazio lembra que a asma ainda provoca cinco mortes diariamente no Brasil, que poderiam ser evitadas. Por isso é importante manter o tratamento, mesmo na ausência de sintomas.
“Os corticoides inalados são o principal tratamento para o controle da asma. É preciso desinflamar a via aérea. As bombinhas de alívio imediato são usadas para aliviar os sintomas, mas utilizar só o broncodilatador é tapar o sol com a peneira”, ressalta. “Tivemos muitos avanços no entendimento e no tratamento da asma e queremos o melhor para nossos pacientes”.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a Mpox como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em agosto e os países agora se preparam para a chegada da nova variante da doença, o clado 1b. Ele foi identificado em julho na República do Congo e está se propagando rapidamente.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
Cerca de um milhão de doses da vacina Jynneo, desenvolvida pelo laboratório dinamarquês Bavarian Nordic, devem ser encaminhadas em breve para conter o surto na região. Em todo o continente africano, já foram oficialmente diagnosticados cerca de 5 mil casos, de acordo com as últimas estimativas - 20 mil se os dados consideram as infecções "prováveis".
Até o momento, o Brasil ainda não registrou contaminações com o novo subtipo, mas desde o início do ano, foram registradas mais de 800 infecções da outra variante, a clado-2, que se espalhou em 2022.
Por que a nova linhagem é considerada mais preocupante pela OMS e qual a diferença entre os dois subtipos? A RFI Brasil conversou sobre o novo surto de Mpox com o virologista Olivier Schwartz, diretor do Departamento de Vírus e Imunologia do Instituto Pasteur, em Paris.
Segundo ele, poucos casos de infecções do subtipo clado 1b, que já chegou à Europa, foram descritos pela comunidade científica. Na Suécia, uma pessoa que voltava da República do Congo foi testada positiva em agosto. Desde então, os pesquisadores do país analisam o caso para dividir as informações em nível europeu, explica o virologista francês.
“O paciente foi atendido e as amostras analisadas e sequenciadas. Os pesquisadores suecos agora estão tentando 'ampliar' o vírus para poder estudá-lo, analisar suas características e dividir os dados com outros laboratórios, entre eles o Instituto Pasteur", detalhou o especialista.
Na França, as autoridades reforçaram os diagnósticos e preparam a campanha de vacinação. O Instituto Pasteur é um dos cerca de 200 centros preparados para aplicar as doses, e poderá também realizar o teste PCR que confirma a infecção.
Segundo o cientista, apesar do sistema de saúde francês estar em alerta e preparado desde o primeiro surto de Mpox em 2022, a expectativa é que não haja uma explosão do número de casos, devido à imunidade adquirida pela população.
Antes de 1980 a vacinação contra a varíola, um vírus da mesma família do Mpox, era obrigatória. Além disso, parte da população considerada a risco na época foi imunizada em 2022. Uma das questões agora é estabelecer a eficácia do imunizante, que contém um vírus vivo atenuado, ou seja, enfraquecido, contra a infecção pelo novo subtipo.
“Sabemos que a vacina é eficaz contra o clado 1 em testes com animais, feitos em laboratório, e em testes celulares. Mas por enquanto, a eficácia contra o novo subtipo ainda é desconhecida. Mas, sabendo como o imunizante funciona e conhecendo o sequenciamento do vírus clado 1, esperamos que a vacina possa combatê-lo. Os estudos mostram uma eficácia de 70% a 90% de redução de infecções graves após duas doses”.
Qual a diferença entre um clado e uma variante? De acordo com Olivier Schwartz, o clado é um grupo de vírus e uma variante é uma “cepa em particular”. Segundo ele, “no caso do Mpox, esses grupos são definidos por análises de sequências genômicas. Percebemos, ao reconstituir a árvore filogenética, ou seja, a árvore genealógica dos vírus que circulavam, que existiam dois ramos principais: o grupo ou clado 1 e o grupo ou clado 2. Eles são próximos”.
Segundo o virologista do Instituto Pasteur, também não há grandes diferenças entre os dois clados em termos de mortalidade, apesar do clado 1 ser um pouco mais virulento. O cientista lembra que é difícil saber em que proporção as condições sanitárias ou ambientais contribuem para o aumento do número de formas graves da doença.
O vírus Mpox é transmitido principalmente através do contato próximo e prolongado com pessoas doentes que tenham bolhas, feridas, erupções cutâneas, crostas e fluidos, como secreção e sangue. O Ministério da Saúde alerta que objetos recentemente contaminados também podem transmitir a doença.
Já a carga viral presente na saliva expelida quando duas pessoas conversam, por exemplo, é bem menor. “Provavelmente há casos, mas talvez não seja a principal forma de transmissão. Por hora, não temos evidências. Que eu saiba, não há provas de que o clado 1b é transmitido de maneira eficaz pela respiração”, esclarece o virologista.
A transmissão do vírus por pessoas assintomáticas também ainda não foi confirmada. Segundo Olivier Schwartz, é possível que pessoas vacinadas contra a varíola no passado desenvolvam formas extremamente leves da doença e possam ser contagiosas, mas essa hipótese deve ser confirmada por estudos comparativos de carga viral.
Pacientes imunossuprimidos correm mais risco de desenvolver formas graves e, nessa situação, o diagnóstico é fundamental para evitar complicações. A prevenção passa pelo isolamento rápido dos casos positivos. Os sintomas aparecem entre 3 e 21 dias após a contaminação e incluem, além das erupções cutâneas, febre alta, dor de cabeça e cansaço.
Pais de crianças pequenas devem ficar atentos para não confundir a doença com a Catapora, que provoca o aparecimento de bolhas parecidas. Por isso é importante realizar o diagnóstico o mais cedo possível.
De acordo com o virologista francês, o antiviral Tecovirimat está sendo testado contra a doença. Estudos mostram que ele pode acelerar a cicatrização das lesões, mas exigem aprofundamento, já que os primeiros resultados foram decepcionantes.
“Sabemos que é uma molécula antiviral que funciona muito bem nos modelos animais e em cultura celular nos laboratórios. Então é muito cedo para saber se, no homem, a falta de eficácia demonstrada no estudo está relacionada a outros parâmetros”.
Entre esses parâmetros, o especialista do Instituto Pasteur cita o momento do início da terapia e compara com o Paxlovid, um dos antivirais usados contra o vírus da Covid-19. Para frear a infecção e a transmissão, ele deve ser prescrito entre dois e três dias após a contaminação.
O Brasil é uma potência paralímpica e chegou a Paris 2024 com várias chances de medalhas, com 280 atletas em 20 modalidades nos Jogos Paralímpicos, que terminam dia 8 de setembro. Por trás desse time, uma equipe de profissionais de várias áreas trabalha para aperfeiçoar o desempenho dos campeões. Um deles é Thiago Lourenço, coordenador do Departamento de Ciência do Esporte do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), que acompanha os atletas e conversou com a RFI na sua chegada à capital francesa.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
Doutor em Biodinâmica do Movimento Humano e Esporte pela Universidade de Campinas, Thiago Lourenço foi convidado para ser fisiologista da equipe paralímpica de Atletismo em 2014. Depois das Olimpíadas de 2016, no Rio, ele se tornou cientista do Esporte e coordena o departamento do CPB desde 2020.
Segundo ele, um dos maiores desafios no dia a dia é transformar os dados obtidos no monitoramento dos movimentos dos atletas em "medidas práticas". O objetivo é utilizar essas informações para ajudar os campeões e os treinadores a definir a carga de treinamento adequada e diminuir o risco de lesões.
Hoje, o Departamento de Ciência do Esporte do Comitê Paralímpico Brasileiro conta com sete profissionais. “Transformamos dados em informações e as informações em atitudes práticas. O número precisa ser transformado em uma ação, que poderá ser implementada por médicos, treinadores, fisioterapeutas ou nutricionistas da equipe. As avaliações que fazemos acabam sendo o fio condutor do treinador, para que ele possa estipular a carga de treino e seus efeitos”, explica.
A meta final é validar o treinamento e, se for necessário, modificá-lo. “Diariamente coletamos informações de várias formas para municiá-los neste sentido. Os atletas de alto rendimento, principalmente no movimento paralímpico, têm individualidades mais “refinadas”. Os ajustes e as avaliações precisam guiar os treinadores”.
Os cientistas do esporte coletam esses dados de várias maneiras, através de questionários, análises de sangue, exames de imagens ou monitoramento com sensores subaquáticos, por exemplo. “Usamos análises de sangue que não são corriqueiras”, frisa Thiago Lourenço. “São ferramentas utilizadas nas UTIs e dentro do hospital, aplicadas com um conceito bioquímico específico para o exercício e o treinamento esportivo”.
“Temos análises de imagens, usadas em ajustes técnicos, dois biomecânicos especializados e também utilizamos o GPS, ou acelerômetro, aquele colete que os jogadores de futebol colocam embaixo da camiseta. Nós o usamos em várias modalidades paralímpicas, o que também é uma inovação”.
Os cientistas do esporte estão em contato diário com os atletas e têm reuniões semanais com a equipe de profissionais da saúde que acompanha os campeões. “Essa troca de informações é contínua e diária. Não dá para esperar dez minutos, senão o atleta vai para o treino, se lesiona, e a gente perde a medalha por falta de comunicação”.
O trabalho é individual e visa identificar os pontos que precisam ser desenvolvidos ou modificados em cada atleta, como ganho ou perda de massa muscular, por exemplo. “Baseando-se nisso, a gente traça um planejamento físico, técnico, tático e mental”, detalha o cientista do esporte.
Cada modalidade tem sua complexidade. “O atleta paraolímpico ou o atleta olímpico são atletas. E por serem atletas, levam seu corpo ao limite, independentemente da modalidade. Para mim todas são difíceis e fascinantes porque precisamos descobrir como levar o atleta ao seu máximo”.
Em algumas modalidades, lembra, há uma incidência maior de lesões. É o caso da natação paralímpica, devido ao uso intenso de determinadas articulações. Ele também cita o atletismo, triatlo, ciclismo, judô e futebol, onde há muitos choques entre os atletas cegos.
Assim como em outros países, a saúde mental dos campeões olímpicos e paralímpicos também ganhou destaque nos últimos anos no Brasil. Atualmente, o Comitê Paralímpico Brasileiro tem um departamento de Psicologia que atende todas as modalidades.
Pela primeira vez, a Vila Paralímpica também terá uma área de treinamento mental e um local reservado para a Ciência do Esporte. “É um fato histórico. Estamos muito felizes de termos nosso espaço. É uma grande conquista para nós e para a Psicologia”, resume Thiago Lourenço.
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