O Mundo Agora

Crônica de política internacional de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris

  • 4 minutes 46 seconds
    Fraturas internas na política americana influenciam apoio em ações internacionais

    Em um momento de polarização política aguda nos Estados Unidos, a recente aprovação pela Câmara dos Representantes de um pacote de ajuda externa de US$ 95 bilhões de dólares para Ucrânia, Israel e Taiwan reflete não apenas a complexidade da diplomacia internacional, mas também as tensões internas que fervem no coração da política americana. 

     

    Thiago de Aragão, analista político

    A medida, que também inclui uma possível proibição nacional do aplicativo TikTok, marca uma tentativa audaciosa do presidente da Câmara, Mike Johnson, de consolidar apoio bipartidário, mesmo colocando seu cargo em risco diante da ala anti-intervencionista de seu partido. 

    O pacote de ajuda, que contempla US$ 60 bilhões para a Ucrânia, 26 bilhões para Israel e 8 bilhões para a região do Indo-Pacífico, não apenas reafirma o compromisso dos EUA com seus aliados, mas também ajusta o foco na política externa americana para uma postura mais assertiva contra adversários como Rússia e Irã. 

    A inclusão de medidas para o confisco de ativos russos congelados e novas sanções contra o Irã amplia o alcance deste pacote, posicionando os Estados Unidos firmemente contra o que muitos veem como agressões autoritárias que desafiam os valores ocidentais.

    No entanto, o que realmente captura a atenção é o teatro político que se desenrolou no plenário. Democratas acenando bandeiras ucranianas e republicanos de extrema-direita vaiando ilustram a divisão visceral sobre o papel dos EUA no mundo. 

    Essa cena reflete uma luta interna dentro do Partido Republicano e destaca um dilema significativo para os políticos americanos: até que ponto eles estão dispostos a apoiar ações externas em um momento em que a política interna está tão fraturada? A abordagem de Johnson, desafiando a ala mais dura de seu partido e contando com o apoio dos democratas para aprovar a medida, é particularmente reveladora. 

    Ele representa uma facção dentro do Partido Republicano que vê a necessidade urgente de apoiar aliados globais como um imperativo moral e estratégico, contrapondo-se à crescente influência de figuras como Marjorie Taylor Greene, que veem tais medidas como um desperdício de recursos que poderiam ser melhor utilizados internamente. 

    Soberania nacional x responsabilidade global

    Esta legislação também levanta questões críticas sobre o equilíbrio entre soberania nacional e responsabilidade global. Por um lado, há uma clara necessidade de apoiar nações que compartilham os ideais democráticos e enfrentam ameaças significativas à sua soberania. Por outro, as ações dos EUA são vistas por alguns como uma imposição de sua vontade sobre outros, com pouco respeito pelas consequências a longo prazo para os países receptores da ajuda. 

     Além disso, a dinâmica interna dentro dos EUA sugere uma potencial reconfiguração das políticas de ajuda externa. A forte oposição interna ao pacote e a subsequente necessidade de compromissos destacam a complexidade de governar uma nação tão diversificada e dividida. Essa divisão é um microcosmo das tensões globais, onde as ações dos EUA são tanto um catalisador para a cooperação quanto um ponto de contenda. 

    Em resumo, enquanto o pacote de ajuda de US$ 95 bilhões é uma declaração de intenções significativa, também é um prisma através do qual as lutas internas e os desafios externos dos Estados Unidos são vividamente ilustrados. Esta é uma era em que os ideais americanos de liberdade e democracia estão sendo tanto promovidos quanto questionados, tanto dentro quanto fora de suas fronteiras. 

    O resultado dessas tensões não apenas moldará o futuro da política externa americana, mas também definirá o papel dos Estados Unidos no palco mundial nos próximos anos.

    22 April 2024, 12:09 pm
  • 4 minutes 14 seconds
    Condenação da Suíça por Tribunal Europeu atesta que clima saudável é direito fundamental

    Na semana passada o Tribunal Europeu para Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, na França, condenou o governo suíço por não tomar medidas suficientes contra as mudanças climáticas em curso no planeta. O processo foi iniciado pela Associação de Senhoras Suíças Idosas sobre o Clima (tradução mais que livre para KlimaSeniorinnen Schweiz) e mais quatro mulheres independentes. A Associação representa cerca de 2.000 idosas com 64 anos ou mais.

    Flávio Aguiar, analista político

    A decisão dos 17 juízes e juízas do tribunal é bastante complexa. Seu acórdão tem mais de 300 páginas. A sentença recusou a representação das quatro mulheres independentes, alegando que elas não tinham caracterizado suficientemente seu status de vítimas. Entretanto reconheceu esta condição e a representatividade coletiva da Associação.

    Na sentença, que não é passível de apelação, o tribunal condenou o governo suíço por não tomar medidas suficientes para cumprir seu próprio objetivo de reduzir em 50% as emissões de gás carbônico na atmosfera até 2030, em relação às emissões na última década do século passado. Entre as alegações consta a de que o governo suíço sequer criou um orçamento específico para a questão.

    Quais serão as consequências da decisão? Eis outra matéria complexa. A Agência Federal de Justiça da Suíça, que representa o governo, afirmou que estudará as medidas necessárias para cumprir a decisão. É complicado, pois em 2021 um plebiscito no país rejeitou as medidas que vinham sendo tomadas, por julgá-las demasiado severas.

    Por outro lado, caso o governo não tome as medidas necessárias, poderia ser condenado ao pagamento de multas e outras sanções. Espera-se que haja impacto sobre a construção civil, o sistema de transporte, a circulação de veículos e o fornecimento e consumo de energia. Uma porta-voz das “Vovós Suíças”, apelido carinhoso da Associação, afirmou que espera também medidas reguladoras de empresas do sistema financeiro que apoiam atividades danosas ao meio ambiente.

    Impacto internacional?

    Como o clima não tem fronteiras, espera-se também que a decisão do Tribunal de Estrasburgo, a primeira no mundo inteiro no gênero, tenha um impacto internacional. Em 2021 uma resolução da ONU reconheceu que um clima saudável é um direito humano universal e inalienável.

    A Suprema Corte da Índia já tomou uma resolução semelhante, afirmando que faz parte dos direitos da cidadania o de “permanecer livre dos efeitos negativos das mudanças climáticas”. Aliás esta foi a alegação da Associação das Senhoras Suíças, afirmando que as ondas de calor decorrentes dessas mudanças colocam em risco suas vidas devido à sua idade e ao seu gênero.

    Espera-se também um impacto em outras áreas relativas ao meio ambiente. Por exemplo, há um caso em curso contra uma decisão do governo da Noruega autorizando novas concessões para exploração do petróleo no mar a partir de 2035.

    Efeitos no Brasil

    Segundo a agência de notícias Reuters, especialistas europeus afirmaram também que a decisão pode ter efeitos imediatos em outros países, citando, especificamente, a Austrália, o Peru, a Coreia do Sul e… o Brasil.

    Fica aberto, portanto, o convite para que advogados, juristas, juízes, professores e estudantes de Direito, ONGs do meio ambiente e de direitos humanos, além de demais interessadas e interessados, se debrucem de imediato sobre as implicações da decisão em nosso país.

    15 April 2024, 11:16 am
  • 4 minutes 2 seconds
    O reforço militar do Japão e a luz verde dos EUA

    Em um cenário global de tensões geopolíticas em um ponto crítico, as nações são compelidas a reavaliar e fortificar suas estratégias de defesa. O Japão, tradicionalmente conhecido por sua postura pacifista pós-Segunda Guerra Mundial, está passando por uma transformação significativa em sua postura de defesa, impulsionado pelas pressões crescentes da China e pelos imperativos estratégicos de manter a estabilidade regional.

    Thiago de Aragão, analista político

    As recentes falas e ações do primeiro-ministro Fumio Kishida sublinham um pivô histórico do Japão, visando uma capacidade de defesa reforçada e uma aliança aprofundada com os Estados Unidos. As declarações do primeiro-ministro evidenciam a urgência com a qual o Japão encara o panorama geopolítico atual. Citando a agressão na Ucrânia, as persistentes tensões no Oriente Médio e a situação no leste asiático, Kishida anunciou a decisão do Japão de reforçar fundamentalmente suas capacidades de defesa, marcando uma mudança significativa na política de segurança do país. Esse movimento é uma resposta direta ao "ponto de virada histórico" que o Japão enfrenta, impulsionado por pressões externas, particularmente a agressão marítima da China e disputas territoriais nos mares do Leste e do Sul da China.

    A iminente cúpula entre Kishida e Biden é retratada como uma oportunidade histórica para modernizar a aliança Japão-EUA, um pilar de paz e estabilidade na região do Indo-Pacífico. Essa aliança está se tornando cada vez mais vital em meio a ameaças regionais, incluindo os testes de armas da Coreia do Norte e as ações assertivas da China em relação a Taiwan e no Mar do Sul da China. A parceria visa não apenas contrapor essas ameaças, mas também apoiar o papel expandido do Japão em questões de segurança global e regional.

    Sob a liderança de Kishida, o Japão desviou-se de sua Constituição pacifista pós-guerra, com planos de aumentar os gastos com defesa para 2% do PIB até 2027 e adquirir capacidades de contra-ataque. Essa mudança estratégica é uma reação direta ao "ambiente de segurança severo e complexo" que o Japão enfrenta, cercado por nações que aprimoram suas capacidades militares e se engajam em atos agressivos que ameaçam a estabilidade regional.

    Capacidade de dissuasão e resposta

    Um aspecto crucial do reforço militar do Japão é o desenvolvimento de suas capacidades de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR). Essenciais para ataques de longo alcance, as capacidades ISR permitem uma eficaz identificação de forças inimigas, um componente crítico na manutenção da postura de defesa do Japão contra ameaças. O investimento do governo japonês em mísseis de ataque terrestre Tomahawk, baterias de projéteis hipervelozes e mísseis de ataque ao solo de longo alcance Joint destaca a prioridade dada à capacidade de dissuasão e resposta.

    Diante desses aprimoramentos estratégicos, Kishida enfatiza a importância da cooperação internacional e de uma comunidade internacional forte baseada no estado de direito. O objetivo não é apenas contrariar ameaças, mas fomentar uma atmosfera de cooperação em vez de divisão. Essa visão inclui aprofundar os laços com outros aliados dos EUA, como as Filipinas, e reforçar o papel do Japão na garantia da paz, estabilidade e prosperidade da comunidade internacional.

    À medida que o Japão fortalece suas capacidades de defesa em resposta às pressões regionais, especialmente da China, o mundo observa atentamente esse movimento. O resultado da cúpula Kishida-Biden e a trajetória futura da aliança Japão-EUA serão fundamentais na formação da paisagem de segurança do Indo-Pacífico. O pivô histórico do Japão do pacifismo para uma postura de defesa mais assertiva, respaldado por capacidades ISR aprimoradas e cooperação internacional, sinaliza um novo capítulo em seu cálculo estratégico, reconhecendo as complexidades do ambiente geopolítico atual e o papel indispensável das alianças.

    8 April 2024, 12:41 pm
  • 5 minutes 35 seconds
    Por que Bolsonaro foi dormir na embaixada da Hungria?

    Atualmente duas hipóteses cercam esta pergunta que não quer calar. A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro alega que ele dormiu lá para “manter contato com autoridades daquele país”. Convenhamos que é uma alegação inverossímil. Para manter tais contatos ele nem precisaria ir à  embaixada, quanto mais dormir nela por duas noites, em pleno carnaval. Bastaria telefonar, marcar um zoom, skype, ou algo parecido, mesmo que encriptado.

    Flávio Aguiar, analista político

    A outra hipótese, mais provável, diz que, com o passaporte apreendido, ele executou o que em xadrez se chama de um “roque preventivo”. Naqueles dias de incerteza, temendo ser preso, recolheu-se ao teto amigo, onde, em caso de necessidade, poderia pedir asilo político.

    Mas vá lá: qualquer que seja a hipótese aceita, a resposta àquela pergunta é: Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, seu correligionário de extrema-direita, com quem costuma trocar elogios.

    Mas afinal, quem é e o que pretende Viktor Orbán?

    Para começo de conversa, no poder há 14 anos, Orbán é o segundo governante mais longevo no cargo no continente europeu, só perdendo para Alexander Lukashenko, da Belarus, na presidência de seu país desde 1994.

    Analistas de variadas tendências apontam que ele é um político que ostenta uma formação universitária complexa e sofisticada e, ao mesmo tempo, é capaz de gestos simbólicos como o de se juntar a bombeiros e trabalhadores braçais, amontoando sacos de areia para deter uma enchente.

    Também se aponta sua habilidade em escolher alvos de fácil identificação como inimigos preferenciais de seu país. Um deles, por exemplo, foi o bilionário e conterrâneo George Soros, caracterizando-o como uma espécie de Mágico de Oz disposto a controlar a Hungria desde os bastidores da política. Através desta manobra, Orbán se opôs ao liberalismo político que dominava a cena europeia no século XXI e consolidou a ideia de que pretende criar um regime que caracteriza como “iliberal”.

    Nesta esteira avançou seu controle sobre a mídia e o parlamento. Conseguiu expulsar para Viena, na Áustria, a maior parte das atividades da universidade que Soros financiara em Budapeste, a capital húngara.

    Orbán fundou o partido Fidesz, que lidera até hoje, ainda quando era estudante universitário, prometendo lutar pela “liberdade” depois do fim dos regimes comunistas na Europa Oriental. Entretanto, seus críticos o apontam como o líder autoritário e autocrático de sucesso mais proeminente e duradouro na Europa de hoje.

    Além de Soros, Orbán apontou para seu público uma série variada de inimigos: o imigrante ou refugiado do “Sul do Mundo” e o muçulmano, que acusou frequentemente de trazer “tendências terroristas” para a Europa. “A Europa para os europeus, a Hungria para os húngaros”, é um de seus slogans preferidos.

    Referência para a extrema direita

    Orban apresenta-se como um defensor de valores cristãos e da família heterossexual, condenando qualquer outro tipo de relação sexo-afetiva.

    Com tal folha de serviços pretende fazer de si e da Hungria uma referência internacional para políticas de extrema direita. Além de Bolsonaro, é amigo de Benjamin Netanyahu e é considerado o líder europeu mais próximo de Vladimir Putin, sendo crítico em relação ao apoio dado pelo Ocidente à Ucrânia, defendendo que esta não tem condições de vencer a Rússia na guerra ali travada.

    Ele compareceu à posse de Javier Milei na Argentina e é admirador de Donald Trump, a quem dá conselhos. Leva pelo menos uma vantagem sobre o norte-americano: prestes a completar 61 anos, parece um “jovem” diante dos 77 de Trump.

    Além destas “afinidades eletivas”, há mais um fator importante na preferência de Bolsonaro pela embaixada da Hungria.

    Em novembro de 2018, o ex-primeiro-ministro da pequena Macedônia do Norte, o direitista Nikola Gruevski, estava prestes a cumprir pena de prisão, condenado por atos de corrupção. No dia em que deveria se apresentar para cumprir a pena, não o fez.

    Três dias depois apareceu em Budapeste, na Hungria, e dali a uma semana Órban concedeu-lhe asilo, que perdura até hoje. Pesquisas posteriores demonstraram que da Macedônia do Norte até a Hungria, Gruevski passou de carro por três outros países, Albânia, Montenegro e Sérvia, sempre escoltado por diplomatas húngaros.

    Ou seja: a embaixada da Hungria seria mesmo o caminho mais seguro para o ex-presidente brasileiro manter-se livre, caso sua prisão fosse decretada naqueles dias de Carnaval. Até mesmo o ditador Pinochet no Chile e os golpistas de 64 no Brasil respeitaram este direito de asilo em embaixadas, que é uma tradição latino-americana.

    2 April 2024, 2:18 pm
  • 4 minutes 27 seconds
    Ataque contra casa de shows perto de Moscou mostra vulnerabilidade do regime de Putin

    O recente ataque no Crocus City Hall em Moscou, que deixou ao menos 137 mortos na sexta-feira (22), marca um momento decisivo para a liderança do presidente Vladimir Putin, principalmente diante de sua recente vitória eleitoral. Este trágico incidente não apenas expõe falhas gritantes na segurança nacional, mas também levanta questões sobre possíveis vulnerabilidades no regime russo.

    Thiago de Aragão, analista político

    Os Estados Unidos já haviam alertado sobre o risco de um ataque do grupo Estado Islâmico (EI) na Rússia, inclusive publicando no site da embaixada americana em Moscou. Putin, no entanto, talvez subestimando a gravidade da situação, descartou esses avisos e os consderou meras provocações.

    Especificamente, Washington tinha informações sobre potenciais atividades extremistas visando grandes aglomerações em Moscou - deixando claro que uma casa de shows, como a Crocus City Hall, eram possíveis alvos -, mas parece que as autoridades russas não deram a devida atenção a essas advertências. O fato de militantes do grupo EI terem conseguido executar este ataque logo após a reeleição de Putin, quando ele prometia reforçar a segurança nacional, levanta sérias questões sobre a segurança nacional russa. 

    Este incidente abala a imagem de uma Rússia forte e segura sob a liderança de Putin. O Kremlin tentou rapidamente atribuir a culpa à Ucrânia, sem apresentar provas concretas, o que levanta ainda mais suspeitas sobre a transparência e a responsabilidade do governo Putin. Essa estratégia de desviar a atenção não resolve as falhas de segurança interna expostas pelo ataque.

    Consequências além das fronteiras russas

    A aparente desconsideração de Putin pelos avisos dos Estados Unidos não agrava as já tensas relações entre os dois países, especialmente em um contexto de discórdia global, mas cria um constrangimento pesado para Putin. Isso destaca a complexidade da colaboração internacional de inteligência e a importância de levar a sério ameaças críveis, independentemente de sua origem.

    No fim das contas, o ataque ao Crocus City Hall coloca em xeque a imagem de controle e segurança cultivada por Putin, revelando a ameaça persistente do terrorismo e a necessidade urgente de operações de inteligência eficientes e cooperação global no combate às ameaças à segurança. Este evento pode ter um impacto duradouro na popularidade do líder russo e na percepção de solidez de seu governo.

    O ataque em Moscou sinaliza também um ressurgimento perturbador das atividades do grupo EI, elevando os riscos de segurança para a Ucrânia e a Europa. Ele destaca a contínua capacidade e intenção dos jihadistas de atingir a Rússia, em parte como retaliação pelas ações militares russas na Síria e na Chechênia, e pelos conflitos históricos em regiões de maioria muçulmana, como o Afeganistão.

    Os engajamentos militares passados da Rússia, especialmente os brutais conflitos chechenos e seu apoio ao regime sírio, alimentaram animosidades e forneceram ao movimento jihadista munição propagandística para justificar seus ataques antirrussos. A histórica influência de Moscou na Síria, antigo reduto do grupo EI, coloca a Rússia no topo da lista de alvos.

    Essa escalada pode desencadear uma estratégia de segurança russa mais agressiva, com o potencial de piorar ainda mais a situação já tensa na Ucrânia. A Rússia pode intensificar suas respostas militares ou de segurança, colocando em risco a estabilidade da Europa Oriental. Afinal, se Putin não conseguir demonstrar força contra um inimigo das sombras, como o grupo EI, essa ira será direcionada para o alvo mais imediato: a Ucrânia.

    Além disso, esse grande ataque em Moscou pode encorajar o movimento jihadista e suas filiais a expandir suas atividades pela Europa, trazendo à tona lembranças de seus ataques letais anteriores em cidades como Paris e Nice.

    Conflito checheno-russo

    Soma-se a isso a história do conflito checheno-russo, marcada por duas guerras brutais após a dissolução soviética, que perpetuou a insurgência e a militância. Esse contexto oferece ao grupo EI oportunidades de explorar o descontentamento local contra o domínio russo, potencialmente fundindo as forças insurgentes locais com as redes jihadistas globais.

    O relacionamento capenga entre a Rússia e os Estados Unidos ganha mais um elo de ligação por meio do ataque terrorista de Moscou. Por um lado, o compartilhamento de inteligência e a necessidade de colaboração no combate ao terrorismo poderiam aproximar as duas nações, fornecendo um ponto em comum apesar das tensões geopolíticas existentes.

    No entanto, a guerra na Ucrânia, visões de mundo antagônicas, a expansão da Otan e abordagens opostas para conflitos internacionais, criam obstáculos significativos para uma eventual cooperação. Neste contexto, o ataque do grupo EI apresenta uma oportunidade para o diálogo e o engajamento diplomático, mas ambas as nações terão que navegar habilmente em um delicado ato de equilíbrio entre seus interesses de segurança imediatos e suas estratégias geopolíticas mais amplas - o que é altamente improvável.

    O futuro do relacionamento Rússia-Estados Unidos dependerá, em grande parte, de como eles gerenciam essa dinâmica e seus interesses de curto prazo. Certamente, o cenário não parece propício para isso. 

    25 March 2024, 1:38 pm
  • 6 minutes 41 seconds
    Os dilemas da direita na Europa; o que a eleição em Portugal ensina sobre acordos com radicais

    O resultado da eleição legislativa de 10 de março passado em Portugal provocou uma onda de comentários assinalando o progresso da extrema direita no país. O partido Chega, liderado pelo jurista André Ventura, obteve 18,06% dos votos,  conseguindo o terceiro lugar e catapultando seu número de deputados na Assembleia da República para 49 entre 230. Alguns comentaristas chegaram a afirmar que, ainda que não venha a fazer parte do futuro governo, o Chega e Ventura foram os grandes vencedores do pleito, e provavelmente serão o fiel da balança no parlamento. 

    Flávio Aguiar, analista político

    Ao mesmo tempo, o resultado eleitoral expôs o dilema da Aliança Democrática, de centro-direita, liderada pelo Partido Social-Democrata que, apesar do seu nome, pertence ao campo conservador tradicional. A AD ficou com 29,49% dos votos e 79 deputados, apenas 2 a mais do que o Partido Socialista, de centro-esquerda, que ficou com 77 deputados e 28,66% dos votos, numa diferença mínima de 0,83% em relação ao vencedor.

    A AD vê-se agora diante do dilema: ou negocia com o Chega para governar ou com seus tradicionais adversários, os socialistas. Ou ainda assume governar em minoria, tendo de negociar caso a caso com estes dois contendores, além dos pequenos partidos que, seja à direita, seja à esquerda, não têm condições para oferecer uma maioria estável de votos.

    De momento, o líder da AD, Luís Montenegro, do Partido Social-Democrata, anunciou que não pretende formar uma aliança com o Chega. Sua posição é frágil, pois, por exemplo, se não conseguir aprovar o Orçamento, o presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, será forçado a chamar novas eleições.

    A situação complicada de Montenegro em Portugal é a mesma de outros líderes conservadores tradicionais na Europa. A extrema direita é parte integrante do governo conservador na Finlândia e dá apoio decisivo para o governo igualmente conservador na Suécia. A ultra-direitista Giorgia Meloni, com seu partido Fratelli d’Italia, atropelou os demais conservadores e  lidera hoje o governo em Roma, saindo de 1,9% dos votos  e nenhum deputado eleito em 2013 para 26% em 2022, com 26 deputados. 

    Na Espanha o tradicional Partido Popular aceita negociar regionalmente com o Vox, que se declara herdeiro do Falangismo do ditador Francisco Franco. 

    Na Holanda, o radical Gert Wilders desistiu de formar um governo por falta de alianças, mas a situação dos demais partidos está longe de ser confortável.

    Na França Marine Le Pen, do Rassemblement National (Reunião Nacional) vem crescendo de eleição para eleição presidencial, e é uma séria candidata na próxima, prevista para 2027.

    Na Alemanha, o Alternative für Deutschland, que tem membros acusados de serem neonazistas, é a segunda força eleitoral nas atuais pesquisas de intenção de voto para 2025. Na União Democrata Cristã, da direita tradicional, a posição ainda dominante é a de não negociar com o AfD, mas há correntes dentro do partido que admitem essa possibilidade.

    Na Áustria o Partido da Liberdade, radical de direita, é o líder em intenções de voto nas eleições previstas para o segundo semestre deste ano e, se confirmar esta posição, deverá propor uma aliança com o tradicional direitista Partido do Povo.

    Por trás deste crescimento da extrema direita tirando votos de todos os partidos mas, sobretudo, da direita tradicional, jaz uma condição que raramente é comentada nas mídias mainstream da Europa e também de outros continentes.

    União Europeia

    A Europa tem um carro-chefe, que é a União Europeia. Esta começou a ser construída após o fim da Segunda Guerra, num momento em que na Europa Ocidental o pensamento hegemônico, mesmo entre os conservadores, era de raiz social-democrata, com suas consistentes politicas sociais, como uma alternativa ao comunismo dominante na “outra Europa”, a Oriental, sob a batuta da hoje extinta União Soviética. 

    Entretanto, ela foi criada formalmente pelo Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 e em vigor a partir de novembro do ano seguinte. Nesta altura, a União Soviética já não existia, o mundo comunista se esboroava e a hegemonia do pensamento social-democrata na Europa entrava em declínio. Em seu lugar crescia a hegemonia do pensamento neo-liberal, com seus planos de austeridade e o retraimento das políticas sociais, criando passo a passo uma sensação de insegurança e desamparo. A atual guerra na Ucrânia acentuou esta sensação, promovendo saltos inflacionários em toda a parte e empurrando o continente para um beco recessivo. 

    Ou seja, a política economicamente conservadora que se impôs na União e na Europa do século XXI minou as bases dos políticos conservadores tradicionais, levando de roldão os social-democratas, verdes e socialistas que também foram enfraquecendo suas plataformas sociais. As esquerdas, divididas, não têm conseguido se afirmar como opção. As extremas direitas começaram a faturar votos, com suas bandeiras fáceis e simplistas de xenofobia, nacionalismos excludentes e dúvidas quanto a própria União.

    Seguindo uma triste tradição, diante de crises econômicas profundas a Europa volta a adernar para a direita radical e busca um culpado “diferente”. Antes foram os judeus; hoje são os muçulmanos, os imigrantes ou refugiados do “Sul do Mundo”. E os conservadores tradicionais se vêem diante do impasse: se forem mais para a direita, poderão ser engolidos pela extrema direita; se permanecerem onde estão, pode lhes suceder o mesmo… Poderão dar um salto mágico, mudando suas políticas e sua forma de pensar, contribuindo para a sobrevivência de uma Europa democrática? Só podemos glosar o poeta português Fernando Pessoa:  “Tudo é incerto e derradeiro/Tudo é disperso, nada é inteiro/Ó Europa, hoje és nevoeiro”.

    18 March 2024, 3:11 pm
  • 3 minutes 54 seconds
    Trajetória dos Republicanos gera temor para a democracia dos EUA

    No tumultuado cenário da política moderna, onde a integridade pessoal e a lealdade partidária frequentemente colidem, o endosso de Mitch McConnell à candidatura presidencial de Donald Trump representa uma profunda ilustração dessa inquietante tendência.

    Thiago de Aragão, analista político

    Esse endosso, aparentemente em desacordo com as críticas anteriores de McConnell a Trump — especialmente após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro — marca um momento decisivo na trajetória do Partido Republicano e levanta graves preocupações sobre o estado da democracia americana e os compromissos éticos que os líderes estão dispostos a fazer em busca do poder.

    Como figura reverenciada no Senado, conhecido por sua destreza estratégica e perspicácia política, McConnell parece ter subordinado os princípios morais e democráticos à lealdade partidária e ao canto sedutor do domínio político. Sua inicial condenação do papel de Trump no ataque ao Capitólio havia sublinhado um compromisso em salvaguardar a integridade da democracia americana. No entanto, seu posterior endosso revela uma contraditória marcante, destacando uma disposição em ignorar ações condenadas em prol da conveniência política. 

    Talvez o mais perturbador seja a disposição de McConnell em abraçar Trump, apesar dos ataques pessoais do ex-presidente contra ele e sua família, incluindo insultos racistas direcionados a sua esposa, Elaine Chao. Essa prontidão em ignorar tais profundos insultos pessoais em nome do alinhamento político ilustra um aspecto desolador da política contemporânea: o valor decrescente atribuído à dignidade pessoal, ao respeito e aos padrões éticos. Essa dinâmica transcende o cálculo individual de McConnell e simboliza uma tendência mais ampla, onde os imperativos da sobrevivência política parecem se sobrepor aos princípios fundamentais.

    Os fins justificam os meios

    A transição da oposição principista para o endosso relutante é indicativa das poderosas forças da pressão política e do temor da ostracização dentro das fileiras partidárias. As manobras de McConnell sugerem uma priorização estratégica das perspectivas eleitorais do GOP, aparentemente à custa da saúde mais ampla da democracia americana. A mensagem implícita é inquietante: os fins justificam os meios, mesmo que esses meios impliquem um comprometimento dos ideais democráticos e dos padrões éticos que os líderes supostamente se comprometem a defender.

    Além disso, o apoio de McConnell a Trump, em meio à retórica divisiva em curso e após um prolongado período de não comunicação, incita a reflexão sobre o papel da liderança na moldagem do discurso político e da direção partidária. Esse endosso tacitamente sinaliza um retorno à política contenciosa e polarizadora que marcou o mandato de Trump, com pouca consideração pelas potenciais repercussões de longo prazo tanto para o partido quanto para a nação. A surpresa não é o apoio de um ex-Presidente do Senado a Trump, mas particularmente de Mitch McConnell a Trump. 

    Esse cenário não é meramente uma questão de realinhamento político, mas um reflexo dos desafios que enfrentam a governança democrática. Ilustra como a estratégia política e a busca pelo poder podem eclipsar os compromissos com os princípios democráticos e a conduta ética. O endosso de McConnell não é apenas uma manobra política, mas uma manifestação dos profundos dilemas éticos e democráticos que a sociedade americana enfrenta.

    A postura de McConnell serve como um duro lembrete de um cenário político onde o poder frequentemente prevalece sobre o princípio. Como participantes desse experimento democrático, é imperativo avaliar criticamente as motivações e ações de nossos líderes, conscientes do impacto significativo que essas decisões têm na integridade e no futuro da democracia americana. A verdadeira vergonha da posição de McConnell não reside apenas em sua contradição inerente, mas na mensagem mais ampla que transmite sobre o sistema político americano — um sistema em que ganhos políticos de curto prazo são buscados à custa dos valores democráticos de longo prazo e da governança ética. Principalmente após as falas públicas de McConnell contra Trump e de Trump contra McConnell e sua esposa. 

    11 March 2024, 2:00 pm
  • 4 minutes 23 seconds
    Relatório aponta ameaças contra ativistas dos direitos humanos na Europa

    Intimidação, ameaças com armas de fogo, telefones grampeados, criminalização de ativistas dos direitos humanos. Não, não estamos falando de acontecimentos em alguma ditadura na América Latina, África ou Ásia. Estamos nos referindo a denúncias de práticas que estão ocorrendo no coração da Europa democrática.

    Flávio Aguiar, analista político

    A denúncia consta de relatório recentemente divulgado por Dunja Mijatovic, desde 2018 Alta Comissária eleita do Conselho Europeu de Direitos Humanos, que faz parte da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Apesar do nome, esta organização atua também na América do Norte e na Ásia.

    Nascida na Bósnia e professora da Universidade de Sarajevo, especialista em regulação da mídia e liberdade de expressão, Dunja Mijatovic tem um longo currículo de atuação em favor dos direitos humanos em organizações europeias.

    Em seu relatório, ela denuncia que diferentes governos do continente europeu vêm tomando atitudes ameaçadoras contra ativistas e organizações que militam na proteção dos direitos de refugiados, asilados ou solicitantes de asilo e migrantes em geral.

    A denúncia destaca que o problema é agudo em países como Hungria, Grécia, Lituânia, Itália, Croácia e Polônia. 

     

    "Adversárias"

    Tais ativistas e organizações não governamentais são percebidas muitas vezes oficialmente como “adversárias” de políticas que visam restringir ou coibir a vinda de migrantes legais ou ilegais para a Europa, sobretudo se oriundos de países da África, do Oriente Médio ou da Ásia. Este enfoque fragiliza os direitos dos ativistas e dos migrantes, facilitando que se tornem alvo de todo o tipo de intimidação e ameaças.

    Não raro são vítimas de espancamentos, vandalismo, incêndios criminosos, destruição de equipamentos e veículos e até ataques com bombas, como o que ocorreu em 5 de janeiro contra a Kisa, uma ONG de direitos humanos que atua no Chipre. Em 2020, a Kisa teve seu credenciamento cancelado pelo governo cipriota por tecnicalidades burocráticas, o que foi alvo de denúncias também pela organização Human Rights Watch e pela representante local da Anistia Internacional. 

    Tais casos se agravam pela crescente militarização da vigilância contra os migrantes nas fronteiras de diferentes países, com a construção de cercas, muros e o envio de tropas de exército para estas regiões.

    Este aspecto é tema do filme “Zielonica Granica”, “Fronteira Verde”, dirigido pela cineasta polonesa Agnieszka Holland. O filme acompanha refugiados provenientes da Síria e do Afeganistão, que se veem prisioneiros de um conflito político entre os governos da Belarus e da Polônia na fronteira entre os dois países, perseguidos violentamente pelas forças policiais de ambos.

    Tais denúncias se referem também a episódios de falta de socorro aos refugiados que tentam atravessar o mar Mediterrâneo da África para a Europa, e ao estímulo de políticas repressivas em países como a Líbia e a Tunísia.

    O caso se complica porque existe uma política oficial de desestímulo às migrações provenientes do “Sul do mundo” por parte de autoridades da União Europeia, além de uma pressão por mais repressão contra os migrantes por parte de partidos de extrema direita em vários países do continente.

    Muitas organizações e ativistas de direitos humanos denunciam que há um traço adicional de racismo em tais políticas repressivas, uma vez que elas contrastam com a calorosa recepção oferecida nestes países aos refugiados ucranianos porque estes “são europeus como nós”: esta é a “vox populi” recorrente nestes casos.

    4 March 2024, 1:04 pm
  • 4 minutes 37 seconds
    Opinião: Vladimir Putin precisa de Donald Trump mais do que nunca

    À medida que o mundo acompanha o desenrolar da eleição presidencial na Rússia, prevista para o mês de março, fica claro que 2024 pode ser um ano estratégico para Vladimir Putin. A eleição, que deve estender o governo de Putin até a década de 2030, parece ser mais uma formalidade constitucional do que um concurso democrático, com o sistema eleitoral russo firmemente sob o controle do presidente.

    Thiago de Aragão, analista político

    Diante deste cenário, a possibilidade do retorno de Donald Trump à Casa Branca poderia significativamente realçar a posição geopolítica de Putin, especialmente em relação à guerra em andamento na Ucrânia e a paisagem mais ampla das relações internacionais.

    A potencial presidência de Trump pesa enormemente sobre o futuro da política externa dos EUA, particularmente em relação à Rússia e à Ucrânia. Seu mandato anterior foi marcado por uma postura notavelmente suave em relação a Putin, levantando preocupações entre aliados internacionais sobre a consistência do apoio dos EUA sob sua liderança.

    Trump sugeriu abertamente que consideraria retirar o apoio à Ucrânia em sua guerra contra a agressão russa, uma medida que, sem dúvida, inclinaria o equilíbrio a favor das ambições de Putin no Leste Europeu. Recentemente disse que a Rússia poderia ter caminho livre para fazer o que quisesse com os países da OTAN que não pagassem mais para estar dentro da aliança. 

    Para Putin, a vitória de Trump nas eleições dos EUA poderia representar uma oportunidade de avançar os interesses russos com menos restrições. A perspectiva de uma presidência de Trump também abre a porta para a Rússia aprimorar sua relação com a China, fortalecendo ainda mais a aliança entre Moscou e Pequim. Esta parceria em ascensão poderia ser significativamente reforçada pela abordagem isolacionista de Trump, que no passado incluiu ceticismo em relação à OTAN e ambivalência sobre compromissos militares dos EUA no exterior.

    Além disso, a abordagem de Trump à política externa poderia levar a um enfraquecimento das relações com a Europa, bem como com muitos aliados asiáticos. Tal mudança alinharia perfeitamente com os objetivos estratégicos de Putin, pois um Ocidente dividido e distraído proporcionaria à Rússia maior latitude para afirmar sua influência não apenas em sua vizinhança imediata, mas também no palco global.

    A postura suave em relação a Putin que Trump provavelmente adotaria, combinada com suas tendências ao isolamento, serviria assim para realinhar alianças globais e estruturas de poder de maneiras que poderiam ser altamente vantajosas para a Rússia. Ao criar uma divisão entre os Estados Unidos e seus aliados tradicionais, e ao diminuir potencialmente o papel dos EUA em arranjos de segurança internacional, as políticas de Trump poderiam inadvertidamente fortalecer a parceria estratégica entre Rússia e China, apresentando um contrapeso formidável à influência ocidental.

    Este potencial realinhamento teria implicações profundas para a estabilidade global e a ordem internacional. Com a Europa potencialmente distanciada dos EUA e aliados asiáticos reavaliando seus compromissos de segurança, Putin poderia se encontrar em uma posição significativamente fortalecida para perseguir suas ambições regionais e globais, sabendo que se trataria de uma oportunidade única e boa demais para deixar passar. Este cenário seria um vento favorável estratégico para a Rússia, permitindo a Putin capitalizar em mudanças geopolíticas que colocariam a Rússia num papel de influência, além de projetar ambições ainda maiores com aliados poderosos como a China. 

    À medida que esses eventos se desenrolam, a comunidade internacional deve permanecer vigilante, compreendendo que os resultados dessas eleições têm implicações de longo alcance além das fronteiras nacionais. A possibilidade de uma postura mais suave dos EUA em relação a Putin sob Trump, combinada com um eixo Rússia-China mais forte, poderia encorajar regimes autoritários, desafiar instituições democráticas e remodelar a ordem global com consequências duradouras para a paz e segurança internacionais.

    26 February 2024, 1:00 pm
  • 4 minutes 46 seconds
    Trump ameaça a Otan e coloca a Europa em alerta

    Em uma demonstração do que só pode ser descrito como uma aula de imprudência diplomática, Donald J. Trump, o ex-presidente dos EUA que aspira retornar à Casa Branca, mais uma vez conseguiu deixar a comunidade global boquiaberta. Desta vez, sugerindo que prefere sacrificar o compromisso de defesa coletiva da Otan, se isso atender aos seus caprichos.

    Thiago de Aragão, de Washington

    Em um comício recente, Trump propôs, de maneira descompromissada, dar à Rússia luz verde para "fazer o que bem entender" com os países da Otan que não abrem suas carteiras o suficiente, virando as costas efetivamente para décadas de compromissos dos EUA em apoiar seus aliados. Essa nova abordagem da política externa bem que poderia enviar o delicado equilíbrio da diplomacia global para fora de seu eixo.

    Jens Stoltenberg, o Secretário-Geral da Otan, juntamente com um coro de líderes globais e a própria Casa Branca, foram rápidos em condenar as declarações de Trump, classificando-as de "terríveis" a "desconexas". Parece que a disposição de Trump para arriscar a segurança global em favor de ganhar pontos políticos não passou despercebida. Sua visão transacional das alianças internacionais — reduzindo a complexa dança da política global a meros sinais de dólar — demonstra um profundo mal entendido tanto do conceito de segurança coletiva quanto da importância estratégica da unidade, conforme delineado no Artigo 5 do tratado da Otan.

    Em um momento em que a Otan está ampliando seus horizontes para lidar com ameaças da China e fortalecer laços com nações no Indo-Pacífico, a retórica divisiva de Trump não poderia estar mais deslocada. Ela ameaça minar a confiança e cooperação cruciais para enfrentar tudo, desde a agressão russa até os desafios estratégicos impostos pela China. Além disso, à medida que a Otan se solidariza com a Ucrânia contra a invasão russa, a atitude despreocupada de Trump em relação aos princípios fundamentais da aliança encoraja agressores e sinaliza uma potencial fratura na frente unida da Otan — uma perspectiva tão alarmante quanto perigosa.

    Resumindo, a mais recente incursão de Trump na política externa parece menos uma estratégia bem pensada e mais uma aposta de alto risco com a segurança do mundo inteiro. É um lembrete contundente de que o mundo poderia dispensar um líder cuja ideia de construção de alianças é semelhante a escolher times em um jogo de escola, com pouca consideração pelas consequências. À medida que o mundo enfrenta desafios sem precedentes, a importância de alianças sólidas como a Otan, construídas sobre o suporte e defesa mútuos, nunca foi tão clara.

    12 February 2024, 3:08 pm
  • 4 minutes 47 seconds
    Cresce inquietação social na Europa, onde protestos dos setores de transportes e agrícola assombram

    A Europa continental foi cenário nos últimos dias de um crescimento exponencial dos protestos sociais, sobretudo nos transportes e no setor agrícola. 

    Flávio Aguiar, analista político

    Na Alemanha houve a paralisação sucessiva do sistema ferroviário nacional, dos aeroportos e por fim do transporte urbano em Berlim durante algumas horas da manhã de sexta-feira passada. O motivo: reivindicações salariais e de melhores condições de trabalho.

    A Covid-19 deixou de ser o fantasma fatal de tempos atrás, mas continua penalizando trabalhadores que se vêm impossibilitados de desempenhar suas funções, sobrecarregando os demais. E conta, nesta época do ano, com seu aliado o inverno europeu, que, com fortes resfriados, também vai levando trabalhadores ao repouso forçado.

    Na Finlândia também houve uma paralisação total na semana, que passou com sindicatos de várias categorias protestando contra um projeto do governo conservador que visa restringir o direito de greve e reduzir o seguro-desemprego. A paralisação atingiu sobretudo o sistema de transporte público.

    Mas a estrela da semana foi mesmo o setor agrícola. O movimento começou na Alemanha, onde os agricultores paralisaram, com seus tratores, estradas e o acesso a vilas e cidades. Logo ele se alastrou por quase toda a Europa continental, da Polônia à Península Ibérica, com fortes manifestações na França e em Bruxelas, na Bélgica, onde os manifestantes atearam fogueiras diante da sede executiva da União Europeia.

    Agricultores cercaram Paris

    Na França, os agricultores ameaçaram cercar e isolar Paris. Não chegaram a tanto, mas entre protestos e até prisões de manifestantes, conseguiram mobilizar o governo de Emmanuel Macron, que se prontificou a lutar contra a aprovação do acordo de livre-comércio com o Mercosul e rever as novas limitações que pretendia impor ao uso de agrotóxicos, o que provocou novos protestos, desta vez dos ecologistas. Além disto, a União Europeia se comprometeu a investir mais algumas centenas de milhões de euros em subsídios ao setor.

    Além de se sentirem ameaçados pela temida concorrência com os agricultores do Mercosul, a insatisfação dos europeus têm outros motivos. Dados oficiais dizem que 15% de sua renda vem dos subsídios governamentais e da UE para o setor.

    Os agricultores alegam que tal subsídio vem se mostrando insuficiente para enfrentar a alta da inflação, sobretudo no custo dos combustíveis, principalmente o diesel, e dos fertilizantes, cuja alta deriva de sua relativa escassez graças à guerra na Ucrânia. Protestam também diante do que veem como uma concorrência ameaçadora por parte dos produtos agrícolas deste país, isentos de impostos pela União Europeia como forma de ajudá-lo na guerra com a Rússia.

    Outro ponto de desacordo está nas limitações ecológicas que, segundo os agricultores, encarecem demasiadamente seus produtos. O movimento põe em risco as medidas de proteção ao meio ambiente adotadas dentro da UE.

    Insatisfação persiste

    A insatisfação e os protestos ameaçam continuar, apesar das medidas atenuadoras de governos e da UE, e se alastrar a outras categorias. Oficialmente o continente europeu, como um todo, não está em recessão econômica, embora sua principal economia, a alemã, esteja. Mas a crise é um fato inarredável do cotidiano, liderada pelos custos dramaticamente crescentes da energia, dos alimentos, e das despesas com saúde e habitação.

    No outro lado do Canal da Mancha, no Reino Unido, os protestos no setor da saúde são constantes e a crise econômica ameaça a hegemonia do Partido Conservador, no poder desde 2010.

    Politicamente, na Europa Continental nota-se uma tentativa, por parte dos partidos de extrema direita, como o Rassemblement National na França e o Alternative fúr Deutschland na Alemanha, no sentido de capitalizar a insatisfação e os protestos, sobretudo dos agricultores, vistos como um setor mais conservador do que os trabalhadores urbanos.

    Em breve haverá uma possibilidade de medir se terão sucesso ou não, com as eleições para o Parlamento Europeu em junho deste ano.

    5 February 2024, 11:30 am
  • More Episodes? Get the App
© MoonFM 2024. All rights reserved.