Direito Subjetivo

Vinícius Monte Custódio

  • A inconstitucionalidade do condicionamento do licenciamento anual de veículos ao pagamento das multas de trânsito

    Resumo

    O presente artigo tem o escopo de demonstrar que o expediente adotado, com fulcro nos artigos 124, inciso VIII; 128; 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), pelo Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (DETRAN-RJ) de condicionar o licenciamento anual de veículos automotores ao pagamento das multas de trânsito, ainda que o respectivo processo administrativo haja transitado em julgado, é inconstitucional.

    Do devido processo legal

    Pedra angular do Estado democrático de direito, o princípio do devido processo legal é um direito humano de primeira geração o qual remonta à Inglaterra da Idade Média. Conta a história que o Rei João Sem-Terra, no intuito de fazer frente às vultosas despesas com a Guerra dos Cem Anos, elevou excessivamente a carga tributária sobre os seus súditos, impondo, inclusive, pena de confisco em caso de não pagamento. Em 1215, revoltados com a arbitrariedade monárquica, a nobreza e o clero ingleses reuniram-se para obrigar o rei a assinar uma carta de compromissos políticos a qual tinha como objetivo limitar os poderes régios, em especial o poder de tributar. Essas limitações estabelecidas na Magna Carta, nome pelo qual esse compromisso ficou conhecido, posteriormente foram adotadas por diversas cartas de direitos de outras nações, sendo apontada, por muitos, como o embrião do atual princípio do devido processo legal.


    Entre nós, esse princípio foi consagrado explicitamente no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988 (CRFB), in verbis: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Anteriormente, ele se encontrava em nossa ordem jurídica apenas de modo implícito.


    Disso podemos extrair que se, por um lado, a Lei Maior confere à Administração Pública o ius imperii, por outro lado, veda-lhe o arbitrarismo. É dizer, a Administração detém o monopólio do poder de polícia, porém o seu exercício só será considerado regular "quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder" – artigo 78, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.


    Neste particular, o auto de infração de trânsito do qual não cabem mais recursos em processo administrativo constituir-se-á em crédito não tributário (penalidade de multa), de acordo com o artigo 39, 2º §, da Lei 4.320/19. Esgotado o prazo fixado para o seu pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular, poderá ser inscrito como dívida ativa na repartição administrativa competente, consoante o artigo 39, 1º §, do diploma legal supra.


    Dessa feita, uma vez inscrito na dívida ativa, compete, no caso, ao Estado promover a ação de execução fiscal, que é o meio processual idôneo para receber o crédito constituído, nos termos da Lei 6.380/1980 (Lei de Execução Fiscal - LEF). Cabe ressaltar, a esse propósito, que o artigo 4º, § 4º da LEF confere ao crédito não tributário preferência sobre todos os demais, ressalvados os trabalhistas ou os provenientes de acidentes de trabalho.


    Como se vê, não existe justificativa plausível para o atropelamento do devido processo legal perpetrado pelo DETRAN-RJ. Na verdade, valendo-se de meios transversos de coerção dos jurisdicionados, o que o ele intenciona é a auto-executoriedade das multas aplicadas, conduta repudiada de forma pacífica pela jurisprudência.


    Da natureza jurídica da multa

    A multa é uma receita derivada, de natureza jurídica não tributária, com função punitivo-pedagógica, imposta pela Administração Pública ao jurisdicionado o qual comete um ato ilícito. Diferentemente dos tributos, sua função é, consequentemente, sancionar e educar os cidadãos que violam a lei, neste caso os condutores, jamais servir como ferramenta de arrecadação para o Erário, o que seria uma afronta ao Estado democrático de direito.
    Qualquer argumentação no sentido de que a obstrução da vistoria veicular daqueles que possuem débito com a Fazenda Pública serve para tornar efetiva a imposição de multas e garantir a segurança pública não merece prosperar.
    Em primeiro lugar, o artigo 8º da LEF dispõe que "[o] executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução", sob pena de penhora dos seus bens (artigo 10), de modo que bastaria tão-somente o ajuizamento da ação de execução fiscal da dívida ativa para afastar qualquer receio de perda de efetividade punitiva.
    No que tange ao argumento da garantia da segurança pública, vale frisar que a multa é um forte e inteligente mecanismo preventivo de acidentes, porque atua sobre os condutores infratores em duas frentes: por um lado, ela desenvolve um trabalho pedagógico, punindo pecuniariamente aquele que descumpre a lei; e, por outro lado, o sistema de pontuação na carteira nacional de habilitação (CNH) estabelece um limite objetivo depois do qual o infrator contumaz pode ter a sua licença para conduzir cassada. Assim, ainda que o condutor não sinta imediatamente no bolso as sanções pecuniárias, devido ao natural trâmite processual até a constituição do crédito, persiste a possibilidade de revogação da CNH, nas condições em que a lei estipula.
    Aliás, ainda em matéria de segurança pública, a realização de vistorias anuais representa uma garantia de segurança para os demais cidadãos (pedestres e condutores) de que nas vias públicas do estado do Rio de Janeiro não trafegam veículos que lhes exponham a situações periclitantes e – por que não? – uma garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da CRFB). Destarte, com a devida vênia, até um mentecapto que não esteja mal intencionado tem consciência de que não faz o menor sentido proibir o licenciamento anual por questão de segurança pública! Isso é tão paradoxal e absurdo quanto interromper o serviço de iluminação pública de uma rua, porque um morador não pagou a contribuição social de iluminação pública, alegando que o corte servirá para evitar o aquecimento global.
    Em última análise, o fato gerador da multa de trânsito é um ato ilícito praticado pelo condutor, ao contrário, por exemplo, do imposto sobre propriedade de veículos automotores (artigo 155, inciso III, da CRFB), que tem como fato gerador a mera propriedade de um automóvel. Enquanto que, no primeiro caso, tem-se uma sanção direcionada ao infrator da lei e, portanto, de caráter subjetivo – tanto é assim que, em sede de recurso administrativo, é lícito indicar o real condutor/infrator para fins de retransmissão da responsabilidade –, no último caso, a natureza da obrigação é objetiva do proprietário, inclusive quanto a débitos pretéritos à aquisição da propriedade.
    Logo, porque nenhuma pena passará da pessoa do condenado (artigo 5º, inciso XLV, CRFB/1988), o não pagamento da multa não pode ser invocado como razão de impedimento da vistoria anual, pois terceiros que eventualmente utilizem o veículo ficarão impedidos de fazê-lo, ante a sua situação irregular.

    Das sanções políticas

    Ao lume deste caso concreto, constata-se que o Estado vem lançando mão do expediente das multas de trânsito, por intermédio do DETRAN-RJ, com finalidade fiscal. Ou seja, ele deturpa deliberadamente a natureza jurídica da multa com o objetivo de custear as suas despesas com sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito, o que deveria ser feito por meio da arrecadação tributária.


    Entretanto, mais grave do que simplesmente atribuir finalidade diversa à multa, qual seja a de tributo, é o fato de que o DETRAN-RJ recorre a meios oblíquos para lhes dar auto-executoriedade. As sanções políticas, como tal subterfúgio também é designado, conforme já se salientou, é repudiado pela jurisprudência nacional de modo uníssono.


    Nessa linha de entendimento, no RMS 9.698/GB de relatoria do Ministro Henrique D'Ávila, o STF vincou posição no sentido da inconstitucionalidade das sanções políticas, senão vejamos:

    NÃO É LÍCITO AO FISCO INTERDITAR ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS COM O PROPÓSITO DE OS COMPELIR AO PAGAMENTO DE IMPOSTOS OU MULTAS. OS CONTRIBUINTES TÊM O DIREITO DE IMPUGNAR A LEGITIMIDADE DOS DÉBITOS FISCAIS, QUANDO CONVOCADOS, PELOS MEIOS REGULARES, A SATISFAZÊ-LOS. RECURSO DE MANDADO DE SEGURANÇA. SEU PROVIMENTO.

    As sanções políticas foram, igualmente, objeto de apreciação na Súmula 323 do STF, onde ficou consignado que "[é] inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos." Inclusive, o próprio artigo 150, inciso IV, da CRFB torna defeso a utilização de tributo com efeito de confisco.
    Assim sendo, não assiste razão ao DETRAN-RJ em persistir na violação ilegal e abusiva do direito líquido e certo dos jurisdicionados à realização do licenciamento anual do seu veículo, vez que é matéria pacífica no STF a inconstitucionalidade das sanções políticas.

    Do exercício arbitrário das próprias razões

    Em declarações anteriores, o DETRAN-RJ buscou fazer crer que executa "mero mecanismo de controle e fiscalização do cumprimento da legislação de trânsito no exercício do poder de polícia que é atribuído pela Constituição Federal aos três níveis da Federação", o que está longe da realidade. Sem embargo, a autarquia estadual parece olvidar que o seu poder de polícia não inclui o de atropelar os direitos e garantias individuais dos cidadãos.


    Com efeito, o controle de infrações de trânsito há de ser realizado por mecanismos outros – v.g., a revogação da habilitação para conduzir e a ação de execução fiscal –, do contrário estar-se-ia diante de flagrante excesso punitivo patrocinado pelo Estado. A bem da verdade, ao condicionar a realização da vistoria ao pagamento de multa, o DETRAN-RJ acaba por incorrer no crime de exercício arbitrário das próprias razões, tipificado no artigo 345 do CP.

    Sendo inquestionável que a justiça com as próprias mãos configura uma conduta ilícita, ressalvadas as situações excepcionais definidas em lei, não pode o DETRAN-RJ continuar a entravar o licenciamento anual do automóvel dos proprietários, porquanto esse é um direito líquido e certo decorrente das garantias fundamentais à liberdade e à propriedade, previstas no artigo 5º, caput, da CRFB.

    Conclusão

    Diante dos argumentos acima invocados, deve o Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade dos artigos 124, inciso VIII; 128; 131, § 2º, do CTB, bem como do ato normativo editado pelo DETRAN-RJ com respaldo nesses artigos, por contrariar a CRFB, nomeadamente nos artigos 5º, caput (direito à liberdade e à propriedade), inciso LIV (princípio do devido processo legal) e inciso XLV (proibição da transferência da pena da pessoa do condenado); 150, inciso IV (proibição do tributo com efeito de confisco); e 225 (garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado).



    26 October 2012, 1:47 am
  • STJ decide que Google não é responsável por material publicado no Orkut
    "O Superior Tribunal de Justiça tirou um enorme peso das costas do Google, ao decidir que a empresa americana não pode ser responsabilizada por conteúdo publicado por internautas no Orkut. A decisão foi fruto de um pedido de indenização de uma mulher, aceito em primeira instância, mas indeferido pelo STJ. O tribunal, no entanto, confirmou a determinação de que todo o material ofensivo seja excluído."

    Leia mais em: http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2011/01/21/stj-decide-que-google-nao-pode-ser-responsabilizado-por-material-publicado-no-orkut-923577479.asp

    A teoria da responsabilidade civil hoje aplicada às relações de consumo é a teoria do risco criado (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor), que pode ser entendida como "aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo" - Caio Mário.

    O fato de o STJ ter entendido, no entanto, "que as obrigações do Google se restringem a disponibilizar na rede as informações e garantir o sigilo e segurança dos dados dos usuários" é muito ruim, pois ignora o dever do fornecedor de serviços de buscar métodos idôneos para prevenir danos a terceiros, como a proliferação de perfis anônimos ou fakes.

    A Constituição, inclusive, é clara sobre a liberdade de manifestação do pensamento: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (art. 5º, IV). Ou seja, as pessoas devem ser livres para dizerem o que pensam, mas não podem fazê-lo de forma anônima e os fakes são nada menos que uma forma de anonimato.

    A alegação de que a fiscalização prévia, por outro lado, não seria uma dessas obrigações, "eliminaria um dos maiores atrativos da internet, que é a transmissão de dados em tempo real" e acabaria com o seu dinamismo é muito perigosa, pois pode conceder uma carta branca aos fornecedores desses serviços para não fiscalizarem a autencidade dos perfis das suas redes sociais.

    Não se defende aqui a teoria do risco integral, uma exacerbação da teoria do risco criado, que terminaria por responsabilizar as redes sociais solidariamente por quaisquer danos decorrentes das relações interpessoais advindos do seu negócio.

    Problemático é quando o fornecedor não realiza o controle devido da idoneidade dos dados cadastrais da sua rede, impedindo que as vítimas de ataques pessoais busquem a reparação judicial do dano sofrido, por não saberem precisar a identidade do autor do ato ilícito e, por consequência, o polo passivo da demanda.

    Ao definir que a única obrigação do Google é disponibilizar nas redes as informações, fornecer segurança e sigilo, e que ao fazer o controle preventivo dos dados acabaria com o seu dinamismo, o STJ abre temerário precedente para a promoção de grave descontrole e injustiça. Não é necessário controle preventivo dos dados, mas da sua fonte emissora e rapidez na remoção dos conteúdos ilícitos, sob pena de, agora sim, concorrer solidariamente para o dano, ainda que originário de fontes não-anônimas.

    A concepção atual é a de que nas relações jurídicas travadas, em sede de responsabilidade civil, deve ser a vítima, e não o autor do ato ilícito, o centro das preocupações do Direito. Portanto, se alguém, servindo-se de perfil anônimo, postar algo no Orkut que venha a causar danos à honra de outrem, em não sendo possível identificar o ofensor, não é admissível que a vítima tenha de suportar o prejuízo.

    A função do Direito é buscar a justiça e, em assim sendo, se não se pode apontar um responsável direto e imediato pelo dano, o mais justo que se espera é a solidarização da responsabilidade pelos membros da comunidade, incluindo o Google que participa da comunidade como fornecedor.

    Imaginemos se todos criássemos um perfil anônimo, de modo que não pudéssemos ser rastreados, e realizássemos ataques à honra uns dos outros. Como ficaria a proteção jurídica das vítimas diante da injusta agressão sofrida? Nesse sentido é que a doutrina moderna vem trabalhando com a concepção de causalidade alternativa. Nessa esteira, leciona Sergio Cavalieri Filho, a saber:


    Há quem se oponha veementemente à responsabilização do grupo sem que exista prova de participação de todos os seus integrantes. Mas, na sociedade moderna, em face da massificação das relações sociais, empresariais e profissionais, e dos riscos sociais cada vez maiores, não será justo, nem razoável, deixar a vítima sem a correspondente indenização por não ter sido possível apurar quem, no grupo, deu causa direta e imediata ao evento. Evidenciado o vínculo comunitário entre os membros do grupo, todos os possíveis autores devem ser considerados responsáveis solidariamente, face à ofensa perpetrada à vítima por um ou mais deles.¹
    Em seguida, o jurista colaciona uma jurisprudência da 4ª Turma do STJ (REsp 64.682/RJ) que condenou todos os moradores do prédio a indenizarem a vítima de um objeto lançado de uma de suas janelas.

    A meu ver, é indubitável o vínculo comunitário, onde o Google participa na qualidade de fornecedor do serviço, incumbindo a todos solidariamente a responsabilizadade, não lhes sendo negado o direito de regresso, juntamente com o encargo da apuração da identidade por trás do perfil do ofensor.


    1. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 62-63.
    21 January 2011, 5:40 pm
  • Cobrança abusiva nos shopping centers no Estado do Rio de Janeiro
    Desde 07/01/2011 está proibida a cobrança de preço único na tarifa de estacionamento, em virtude da Lei Estadual (RJ) 5.862/2011, devendo a cobrança de preço mínimo ser convertida em frações de tempo a cada meia-hora. Assim sendo, a cada meia-hora o valor do preço pelo estacionamento deverá ser reajustado, proporcionalmente ao tempo de uso.

    A ordem econômica brasileira é regida pelo princípio da boa-fé e pelo equilíbrio na relação entre consumidores e fornecedores, todavia o que se observa é que alguns shopping centers ainda insistem em aplicar a política de preços únicos, como subterfúgio para burlar a lei, e alguns audaciosos até mesmo aumentaram a tarifa do estacionamento em 100%, não obstante o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a saber:

    Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
    (...)
    X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

    Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
    (...)
    IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

    Vê-se logo que, acima de tudo, a nova lei fluminense ingressou no mundo jurídico para corrigir uma situação de grave distorção, que atentava contra o princípio constitucional da isonomia de tratamento (ou princípio da igualdade), consagrado no art. 5º, caput.

    É dizer, não pode o fornecedor fazer distinção de preço aos consumidores por um serviço idêntico (v.g.: um shopping cobrar 5 reais por 1 hora de estacionamento de A e 3 reais por 1 hora de estacionamento de B), tampouco cobrar preço idêntico a clientes que tenham utilizado de um serviço em proporção desigual (v.g.: o cliente A que estaciona por 25 minutos pagar 5 reais e o cliente B que estaciona por 4 horas pagar os mesmos 5 reais), ainda que, à luz do postulado da razoabilidade, venhamos vislumbrar situação excepcional.

    Aquele que porventura tenha tido seu direito material violado pela cobrança ilegal e indevida da tarifa única ou tem o direito à repetição do indébito igual ao dobro do que pagou em excesso, conforme o art. 42, parágrafo único do famigerado CDC. Para isso, recomenda-se fazer prova da alegação, guardando o recibo do estacionamento, ou na sua impossibilidade requerer a inversão do onus probandi com fulcro no art. 6º, VIII do diploma legal supra.

    Um forte abraço.
    12 January 2011, 8:42 pm
  • A afixação de símbolos religiosos em órgãos públicos
    Que noventa por cento do país é cristão é um fato. Isso, contudo, não legitima a imposição da maioria às minorias de tolerarem a difusão de valores de um dado segmento religioso por órgãos estatais seja através de atos de seus agentes, seja de atos próprios (v.g., feriados religiosos), porque isso é o mesmo que dizer por vias oblíquas que os demais, como minorias, não estão em mesmo patamar de igualdade.

    O fato de essas manifestações repetirem tradições históricas da cultura brasileira não as impedem de deflagrarem práticas inconstitucionais. Como exemplos não exaustivos disso temos a discriminação social e o fisiologismo, ambos marcas registradas de inegável identidade nacional e que, nem por isso, podem ser legitimamente reivindicados, haja vista não serem albergados pela Constituição nem implicitamente.

    A afixação de crucifixos ou quaisquer outros símbolos religiosos em repartições públicas constituem uma afronta direta à Constituição, em especial aos art. 5º, caput; art. 19, inciso I; e, ao art. 37, caput. Não existe confusão entre Estado ateu e Estado laico nisso, pois não se propõe que o ateísmo seja abraçado pelo Estado como orientação oficial. É justamente pelo pensamento que as questões religiosas devem ser mantidas à margem do Estado que se vislumbra as inconstitucionalidades supramencionadas.

    Tomemos como exemplo os tribunais de justiça brasileiros. O art. 92 da Constituição diz que são órgãos do Poder Judiciário os tribunais e os juízes - Em tempo, chamo atenção para a impropriedade do termo no que se refere aos juízes. Órgãos são repartições da Administração Pública desprovidas de personalidade jurídica, subjacentes aos entes federativos e sobrejacentes aos agentes públicos. Os juízes, por natureza pessoas físicas, pertencem a essa última classe.

    Em sabendo que a Administração Pública é regida pelo princípio da impessoalidade, que pode ser entendido como aquilo "que não pertence a uma pessoa em especial", e que os órgãos públicos são compartimentos onde o Estado manifesta a sua vontade através dos seus agentes, fica evidente o desvio no exercício da função pública quando o juiz caracteriza o órgão público onde exerce seu mister com um símbolo religioso.

    Repartições públicas não são propriedades privadas, não são o domicílio de ninguém e, pois, não se prestam a serem adornadas com quaisquer símbolos religiosos que sejam. Não se trata de criar embaraços à livre expressão de consciência em órgãos públicos, apenas se requer seja ela expressa nos limites de cada individualidade. Um agente público que queira portar um crucifixo no pescoço, usar um quipá, vestir um véu, entre outros, se assim sentir vontade, que o faça, mas, sabendo que inexiste direito de liberdade religiosa absoluta que o permita propagar a sua fé decorando órgãos de Estado.

    O fato de sermos um país de tradição cristã, de cultura cristã, de maioria cristã não torna indene a agressão aos princípios que regem a Administração Pública, tampouco daí decorre que o Estado deverá proporcionalmente tolerar essas discriminações. As referências a Deus, a símbolos religiosos e, especialmente, à cruz violam, sim, direitos, estabelecem diferenças onde essas não deveriam existir, e não podem ser havidas como sinônimos de liberdade de consciência.
    10 November 2010, 8:02 pm
  • Isto é democracia
    "O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a alteração do pré-nome e da designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mudança de sexo. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários."

    Leia mais em:
    http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1971676/transexual-consegue-alteracao-de-nome-e-genero-sem-registro-da-decisao-judicial-na-certidao



    Esta postagem tem o objetivo de aplaudir os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que por unanimidade de votos, aprovaram a alteração do nome e do sexo no registro civil público de um transsexual de São Paulo, proporcionando uma bela demonstração de cidadania e de promoção da dignidade da pessoa humana. Cuida-se de acórdão, que merece todo o nosso louvor e o endosso da população brasileira, principalmente pela aplicação da interpretação conforme a Constituição.

    Para os desatentos, presencia-se um marco histórico brasileiro, uma importante página da nossa história sendo escrita diante dos nossos olhos. A decisão do STJ é lapidar pelo sopro alvissareiro e de esperança de um mundo mais plural e com mais alteridade, onde o cidadão é respeitado simplesmente por sua condição de ser, não de ter. Não tenho dúvidas de que as gerações vindouras encararão esta decisão de hoje como algo trivial e desprovido de grande relevância, algo já banal dentro de seu conceito médio de normalidade, mas isso não passa de um reflexo do que nos mostra a experiência humana. Na maioria das vezes, os saltos qualitativos na existência humana neste planeta são devidos menos aos grandes acontecimentos e mais aos pequenos passos reiterados.

    Com efeito, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, aqueles que exercem função pública têm justamente esse poder-dever (que não é só um poder, mas também um dever) de promover a transformação social pela mudança de mentalidades, e não há meio mais rápido e eficaz de mudá-las, senão quando elas se dão pela via institucional. A "mão" do Estado é muito pesada e suas ações, queiramos ou não, têm reflexos muito agudos no seio da sociedade.

    Meus sinceros aplausos aos ministros do STJ, outra vez.
    15 October 2009, 11:24 pm
  • Uma importante, porém não total, vitória da OAB
    "O Tribunal Superior do Trabalho decidiu - por 17 votos a 7 - que o chamado "jus postulandi", previsto no artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que permite a empregados e empregadores reclamar perante à Justiça do Trabalho desacompanhados de um advogado, não pode ser aplicado quando da apresentação de recursos de revista ou agravo de instrumento para o TST."

    Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1971685/vitoria-expressiva-da-oab-no-tst-acaba-com-a-busca-da-justica-sem-advogado


    Parabéns à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela vitória no Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas a luta ainda não acabou. Agora, precisamos trabalhar duro no sentido de extinguirmos completamente o jus postulandi dos trabalhadores nas instâncias inferiores, valorizando o trabalho da classe dos advogados e garantindo efetividade de Justiça. O art. 791 da CLT que prevê que "Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final", a nosso ver, em que pesem as opiniões divergentes, não foi recepcionado pela nossa Carta Magna. E isso se dá pelo fato de a Constituição de 1988, no art. 133, prever que o advogado é "indispensável à administração da Justiça", configurando-se como elemento imprescindível no exercício da jurisdição, devendo aquele artigo ser revogado, já que viola preceito fundamental.

    Paralelamente a isso, deve a OAB direcionar seus esforços políticos ao nosso governo de modo que este promova um efetivo acesso à Defensoria Pública pela população brasileira, porquanto aquela é "instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados" (art. 134 da Constituição de 1988).

    A Ordem tem o dever moral para com este país de lutar para estender a todos a garantia de que os interesses de cada cidadão brasileiro, do início ao fim do processo, será defendido de forma técnica e com qualidade, independentemente da condição social de quem esteja clamando por representação. E, portanto, não basta avocar para a classe dos advogados a prerrogativa de postular em juízo, mas deverá brigar perenemente para que aqueles que não possam pagar pelos serviços advocatícios tenham um defensor público que lhes respalde os seus interesses.

    Um forte abraço.


    15 October 2009, 10:27 pm
  • O advogado de bandido
    Não são raras as vezes que tive a oportunidade de observar um fenômeno peculiar relacionado ao ofício do advogado criminalista. Esses operadores do Direito recebem no cotidiano, velada ou explicitamente, denominações pejorativas, como "advogado de porta de cadeia", "advogado de bandido" etc. Os leigos, grosso modo, possuem um estranho senso de justiça e um curioso ranço inquisitorial do processo penal, eu diria. Possivelmente, a maior parcela desses descrentes da seriedade da advocacia correspondem também ao grupo dos que acreditam que a solução para os problemas da violência no Brasil está diretamente vinculada ao acirramento e a redução da lei e da maioridade penais, respectivamente, e a que a função do Ministério Público é acusar de forma desenfreada.

    Primeiramente, é forçoso esclarecer que o "bandido" só é bandido de fato, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, do contrário é apenas um acusado ou suposto autor de fato criminoso, devemos, portanto, sempre nos nortear pelo direito fundamental à presunção de inocência (art. 5º, LVII da Constituição de 1988 e art. 8º, II do Pacto de São José da Costa Rica).

    Em segundo lugar, o [bom] advogado não está ali para defender o bandido. O advogado presta serviço público e função social em seu ministério privado, como consta do estatuto da profissão (art. 2º, caput e § 1º). O causídico defenderá sempre a administração e o ideal de Justiça, pois é ele que, em um Estado Democrático de Direito, é o maior garantidor e reinvindicador do contraditório e da ampla defesa.

    É dizer, não há Justiça sem advogado, uma vez que é esse profissional que zelará dentro do processo penal pela efetividade das garantias fundamentais, afastando o sentimento de vingança e permitindo a consolidação das instituições punitivas através do devido processo legal.

    Quando o Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico, deu procedência, por maioria de votos, ao Habeas Corpus (HC) 84.078 para suspender os efeitos da decisão condenatória de 1ª instância, para que o réu pudesse recorrer às instâncias superiores em liberdade, o que estava em jogo era justamente a presunção de inocência, que deve existir em qualquer regime que se intitule democrático. E, é aí que a advocacia cumpre o seu papel social garantidor.

    Precisamos ter em mente que a atuação do advogado não constitui uma afronta à sociedade, nem a torna um local mais inseguro. Na verdade, no cumprimento do seu mister, ele unicamente busca dar eficácia a direitos já previstos nessa mesma sociedade. Assim, a nobilíssima função do ad vocatus (em latim, 'aquele que é chamado' para interceder por aqueles que não têm voz ou já não podem fazer sua voz ser ouvida), será determinante para que sejam respeitados os direitos humanos do acusado e que este seja respeitado, pela sua condição humana, e reconhecido como um sujeito de direitos, ainda que culpado após o trânsito em julgado da ação penal.

    Um forte abraço.
    4 October 2009, 7:03 pm
  • A suspensão de normas estaduais e municipais, à luz do art. 52, X da CRFB/1988
    O Senado brasileiro desempenha importante papel na desacentuação das disparidades regionais dentro da federação. Diferentemente da Câmara dos Deputados, que é uma Casa constituída proporcionalmente ao número de habitantes no país; o Senado é composto por três senadores de cada Estado e do Distrito Federal, com mandatos de oito anos, renovados alternadamente por um e dois terços, de quatro em quatro anos. Sua relevância, na teoria, justifica-se pela voz que ele empresta às áreas de menor expressão política no país que, dependendo unicamente do sistema de proporcionalidade, invariavelmente seriam relegadas a um segundo plano nas decisões nacionais. Cumpre precipuamente a missão de garantir a homogeneidade no desenvolvimento das cinco regiões brasileiras, malgrado a praxis reiteradamente distorça esses valores e induza-nos a conclusões antagônicas.

    O art. 52, X da CRFB/1988 define a competência do Senado para a suspender a lei declarada inconstitucional pelo STF, a saber:

    "Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
    [...]
    X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;"A questão que emerge de tal preceito constitucional é: A quem caberia a suspensão da execução da lei estadual ou municipal declarada inconstitucional pelo STF? O fato é que não existem órgãos de função análoga a do Senado nos poderes legislativos em sedes estadual e municipal. É dizer, a bicameralidade toma lugar unicamente no âmbito federal, não havendo, pois, de se falar em violação ao pacto federativo (art. 1º, caput da CRFB/1988). Uma vez que não exista órgão legislativo designado para o exercício de tal atribuição, como já salientado, a interpretação da norma do art. 52, X da CRFB/1988 deve ser, destarte, extensiva.

    Um parênteses, entretanto, há de ser colocado: Quando se fala no ato discricionário do Senado Federal para a suspensão das leis declaradas inconstitucionais, o entendimento, já pacificado pelo STF, é de que ele só se aplica ao controle de constitucionalidade por via incidental. Tendo sido declarada a inconstitucionalidade por via principal (ou concentrada), a decisão tem eficácia erga omnes e vinculante, per si basta para pulverizar do mundo jurídico os efeitos da norma impugnada, descabendo, pois, suscitar a conveniência e a oportunidade do Senado.

    Por derradeiro, a corroborar o entendimento supra, o
    ilustre constitucionalista prof. Luís Roberto Barroso aduz que:

    "A despeito da dicção restritiva do art. 52, X, [...] a interpretação dada ao dispositivo tem sido extensiva, para incluir todos os atos normativos de quaisquer dos três níveis de poder, vale dizer, o Senado também suspende os atos estaduais e municipais."¹

    ¹BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. 4 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 111.

    17 September 2009, 11:14 pm
  • O racismo invertido e a inconstitucionalidade das cotas raciais
    O Democratas (DEM), entrou com ação contra a reserva de vagas pelo sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, o partido defende que a reserva de vagas é um retorno ao nazismo. A liminar será julgada pelo STF.

    As cotas raciais foram instituídas pela UnB no dia 17 de julho de 2009, sendo válido para o 2º vestibular promovido pela instituição neste ano. A decisão determina a reserva de 20% das vagas nos vestibulares para candidatos negros.


    Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1574165/partido-ajuiza-acao-contra-o-sistema-de-cotas-raciais-instituido-por-universidades-publicas


    A
    Constituição da República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos fundamentais "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, IV) e assim garantiu que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (art. 5º, cabeça).

    Todavia, como resultado de uma evolução jurídica essa garantia constitucional que se convencionou chamar de princípio da isonomia de tratamento foi entendida pela doutrina como insuficiente. Estabeleceu-se, assim, uma importante dicotomia: a isonomia formal e a isonomia material. Hoje, é ponto pacífico que o tratamento igualitário não é suficiente para atender aos anseios de um Estado Democrático de Direito (isonomia formal). Destarte, é preciso dar tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais, de sorte que todos alcancem um patamar equânime de oportunidades (isonomia material).

    Não obstante o evidente exagero
    cometido pelo Partido Democratas (DEM) na comparação da decisão de instituir cotas com um retorno ao nazismo, essa medida é de fato um enorme retrocesso. O princípio da isonomia de tratamento, consagrado pela Constituição Cidadã, com a devida vênia, não pode ser invocado para endossar práticas discriminatórias unicamente para estabelecer privilégios com base em argumentações frágeis.

    Decerto que algumas etnias, particularmente os negros, foram, de um modo geral, historicamente segregadas e marginalizadas pelas classes dominantes, fenômeno não exclusivo do Brasil. Contudo a quem caberá pagar esse débito? É justo que essa "dívida histórica", se é que se possa chamar assim, seja paga pelo povo de hoje?

    Creio que a questão racial deixou há muito tempo de ser um fator de desequilíbrio na realidade brasileira. Qual desvantagem efetivamente teria um candidato negro de disputar vagas em um vestibular? Ele é inferior a qualquer outro candidato por isso? Na sua prova, por acaso, vem discriminada a sua raça de modo que o examinador possa preteri-lo por um outro candidato branco?

    Poder-se-ia argumentar que a população negra é predominante nas classes menos favorecidas e que por esse motivo estaria estatisticamente mais propensa ao insucesso. Bem, então o que se nota é que o problema é de cunho social, não étnico. Assim, a questão seria tratada de forma mais honesta se as cotas fossem exclusivamente para os extratos carentes da sociedade brasileira. Dá para sustentar que os negros pobres estão em condições mais adversas que os brancos igualmente pobres? E o que diremos então dos negros ricos (sim, eles existem): Devem ser dadas condições especiais a eles, em detrimento de eventuais candidatos brancos desafortunados e em maior carestia? Sinceramente, para todas as perguntas entendo que não.

    Outrossim, é no mínimo curioso observar essa tendência de determinação racial num país como o nosso. Diferentemente dos Estados Unidos, berço das políticas afirmativas e onde a segregação racial era institucional há poucas décadas, o Brasil é uma nação de grande miscigenação, marcada pela harmonia e integração das etnias que a compõe. Nesse sentido, se as fichas de inscrição estipulam como critério definidor racial a autodeclaração do candidato, em quais bases as bancas avaliadoras têm-se pautado para (in)validar tais declarações? Como aferir quem é branco, pardo, negro, amarelo etc?

    Está patente que não existe um método científico para isso, é tudo feito no "achismo", de maneira arbitrária e, por essa razão, várias injustiças já foram denunciadas pelos veículos de comunicação. Um exemplo recente é o caso dos irmãos gêmeos idênticos, noticiado pela edição de 4 de março de 2009 da Revista Veja, em que um deles foi considerado negro e o outro, pasmem, não.

    Enfim, ninguém olvida o dever constitucional do Estado brasileiro de desacentuar e reparar as desigualdades decorrentes da perversão do sistema, contudo essa atuação precisa ocorrer sob bases justas, visando salvaguardar os direitos dos oprimidos. Dentro dessa ótica, portanto, as cotas raciais apenas invertem os polos do racismo, ferindo a Constituição por atentarem contra o princípio da isonomia, e urgem para serem revogadas.

    Um forte abraço.

    25 July 2009, 2:25 pm
  • Marcha da Maconha: apologia ao crime ou liberdade de expressão?
    Brasília - A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações com o objetivo de suspender decisões judiciais que proibiram atos públicos pró-legalização das drogas. As ações foram protocoladas ontem (21) pela até então procuradora-geral em exercício Deborah Duprat. Leia mais em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1576326/pgr-vai-ao-supremo-contra-proibicao-de-eventos-pro-legalizacao-das-drogas


    Na última terça-feira, voltou à tona a polêmica sobre a Marcha da Maconha. Alegam seus defensores estarem protegidos pela garantia fundamental à liberdade de expressão; seus opositores, entretanto, aduzem ser nada menos que uma manifestação criminosa coletiva, mais especificamente a de apologia ao crime.

    A bem da verdade, sou um defensor confesso da liberdade de expressão, desde que devidamente identificada, sendo dever do Estado garantir o direito de resposta, proporcional ao agravo, bem como a reparação por eventuais danos que venham a ser comprovados. A meu ver, é inconcebível uma liberdade mitigada: Ou bem ela se manifesta em sua plenitude, ou ela é simplesmente inexistente.

    Dentro de uma concepção de Direito Penal minimal e garantista, penso que o tratamento dispensado às questões juridicamente relevantes a essa seara deveria ocorrer sempre de modo residual. Por conta da obsolescência do nosso inflado Código Penal, muitas condutas típicas perfeitamente solucionáveis noutros ramos jurídicos menos onerosos continuam objeto da preocupação deste (v.g., os crimes contra a honra).

    Nessa medida, o exercício do livre manifestar do pensamento deve ser respeitado, até mesmo fomentado, pois é com o confronto de idéias que a dinâmica social realiza seu papel transformador. Assim, negar que uma pessoa defenda suas convicções é um posicionamento que beira o absurdo, que vai na contramão da história.

    Ora, se o poder emana do povo nada mais justo que o povo seja livre para se associar com fins pacíficos com o intento de deliberar acerca da continuidade da ordem normativa vigente e isso nunca poderá ser confundido com apologia ao crime (outro exemplo de anacronismo penal). A Marcha da Maconha, portanto, presta-se a esse papel questionador que, concordemos ou não com as ideias por ela ventiladas, alimenta a dinâmica das relações humanas.

    Primeiro, abre-se o debate, depois mudam-se as leis; e, finalmente, o que antes era ilegal, torna-se legal.

    Um forte abraço.
    23 July 2009, 12:10 am
  • O controle por via incidental na ação civil pública
    Recentemente, de uma conversa informal de internet com uma amiga da faculdade uma interessante questão emergiu. Ela falava do seu projeto de monografia, cujo tema é a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública, quando me indagou sobre a eficácia da decisão do controle por via incidental na ação civil pública.

    Num primeiro momento, confesso que não visualizei a pertinência da questão, razão pela qual respondi-lhe que não vislumbrava grande diferença do controle difuso ocorrido nela (ação civil pública) para o das demais.

    Intrigado, inquiri a minha interlocutora sobre o que a levou a tal raciocínio. Ela, então, colocou-me diante do seguinte caso concreto:

    "Suponhamos que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro promulgue uma lei, dispondo que é desnecessário qualquer rigor para a veiculação de propagandas em vias públicas, podendo elas ser feitas de qualquer modo. A completa desatenção da lei estadual às normas de Direito Ambiental gera uma situação caótica, com a poluição visual no Estado chegando a níveis insustentáveis, o que leva o Ministério Público Estadual a ingressar com uma ação civil pública de responsabilidade por danos morais e patrimoniais ao meio ambiente. No bojo da peça, o Parquet, por via incidental, questiona a constitucionalidade da referida lei, alegando afronta ao art. 225 da Carta Magna e ao princípio da dignidade da pessoa humana. O plenário do Tribunal de Justiça, ao julgar a questão incidente, reconhece a inconstitucionalidade da norma impugnada.".

    É cediço que a decisão do controle difuso tem eficácia inter partes, justamente porque debate-se um caso concreto, onde há partes envolvidas com interesses quase sempre conflitantes. Ao contrário, no controle por via principal ou concentrado não há litígio, não existem partes interessadas, mas tão-somente preconiza-se o paradigma kelseniano da hierarquia das normas jurídicas, consequentemente a defesa da ordem constitucional.

    Todavia, se atentarmos para a natureza transindividual das ações civis públicas, possivelmente estaremos diante de uma figura sui generis de controle por via incidental. Pergunta: Quantos são os indivíduos atingidos pelos efeitos de uma decisão exarada numa ação civil pública? Para fins teóricos, imaginemos que todos os habitantes de uma dada localidade onde foi ajuizada a ação.

    Nesse caso, a decisão declaratória incidental de inconstitucionalidade, que na teoria teria eficácia restrita às partes envolvidas, na prática terá efeito erga omnes, dado o caráter difuso da lide.

    Interessante, não?

    Parabéns à minha amiga pelo belo insight!
    2 July 2009, 7:53 pm
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